A invasão russa da Ucrânia levou a uma reacção unânime da União Europeia, que muitos julgávamos impossível antes de 24 de Fevereiro. A posição unida quanto às sanções (ainda que subsistam pontos de vista bastante divergentes quanto ao possível incremento das mesmas), a posição clara da Alemanha quanto à necessidade do seu rearmamento e o consenso quanto à necessidade de diminuir a dependência europeia do gás russo, são tudo boas notícias para os que, como eu, não apreciam o “outsorcing” permanente da nossa defesa comum aos Estados Unidos (aliado fundamental da Europa da democracia e da liberdade) e defendem que a autonomia estratégica a prazo é um objectivo de nível superior, não devendo ser, em circunstância alguma, mercadejado por vantagens comerciais de curto prazo. É certo que há ainda muitas dissensões sobre a velocidade a que a dependência energética deve ser eliminada e, apesar das proclamações e compromissos, o verdadeiro teste à unidade ainda está por chegar. De qualquer modo, temos, pelo menos por agora, uma União Europeia muito mais unida e finalmente focada em procurar a autonomia estratégica que lhe permita verdadeiras escolhas no futuro, onde, apesar de tudo, os Estados Unidos e a China serão, ao que tudo aponta, os dois poderes dominantes.

Não defendo que a Europa siga um caminho de alternância de alianças entre a China e os Estados Unidos, devendo manter-se a aliança de décadas com a América, mas penso que temos muito a ganhar se formos realmente capazes de nos defender e se ganharmos suficiente autonomia no acesso à energia e às matérias-primas essenciais ao nosso sistema produtivo. Se forem consequentes com as últimas declarações, os países da União terão de ser por de acordo, para começar, sobre dois importantes programas de investimento: um que permita assegurar autonomia energética sem pôr em causa os objetivos de descarbonização em curso e outro de rearmamento e operacionalização de uma defesa comum do modo mais eficaz possível. Quer um quer outro, implicam uma acrescida coordenação entre os Estados-membros. Na energia, pois só olhando para o conjunto das redes de energia, sistema logístico-portuário e ligações com o exterior, se pode, de forma eficiente, projectar uma nova arquitectura energética, que assegure a eficiência produtiva, a acessibilidade em permanência e, por isso, uma verdadeira autonomia estratégica em termos energéticos. Na defesa, pois haverá certamente sinergias nas indústrias de defesa, no “procurement” de equipamentos (já em curso há muito), mas também na configuração e operacionalização do potencial militar. Ambos os planos implicam, portanto, milhares de milhões de euros de investimento adicional, planeamento conjunto e acção coordenada. Seremos capazes de o fazer? É essa, do meu ponto de vista, a grande questão, pois implica uma alteração persistente da atitude de vários dirigentes políticos face a estes problemas.

A União Europeia deverá, assim, avançar no financiamento e concretização de dois programas de investimento importantes, para além dos esforços de relançamento económico em curso, na sequência da pandemia de covid 19. O modo como o tema será abordado é crucial para que possamos entender se vamos passar para lá das declarações de unidade e preocupação. Neste momento, as condições financeiras dos diferentes estados são muito díspares: os países do Sul, incluindo agora a Espanha e até a França, não estão em condições de, apenas com recurso aos seus meios próprios, levarem a cabo esses planos sem pôr em causa os seus indicadores de finanças públicas, o que é particularmente relevante num período em que se antecipam subidas das taxas de juro. A alternativa, uma solução mutualizada, como no financiamento do PRR, já mereceu declarações desfavoráveis de dois líderes do centro-esquerda do Norte europeu: o chanceler alemão e a primeira-ministra sueca.

A forma como a União resolver esta questão revelar-se-á crucial nos próximos tempos e marcará a diferença entre uma resposta articulada e eficaz e uma alternativa em que nem todos progredirão do mesmo modo, ainda que partilhando posições de princípio. Acresce que a mudança de regime monetário não afectará todos do mesmo modo pois, mesmo se eficaz no combate às tensões inflacionistas, tenderá a dificultar a posição orçamental dos países mais endividados. Na verdade, para além da guerra, a forma como a reação a prazo for estabelecida, num contexto tão complexo, também será um elemento definidor da próxima década na Europa.

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