No outro dia levámos a criança mais velha a jantar a um restaurante para adultos (por oposição aos restaurantes onde costuma ir, que têm espaço para a criançada vaguear, empregados de mesa já imunes às torturas da população infantil e, quando nos píncaros, suficientemente simpáticos para levarem os meus filhos à cozinha verem se o ratinho cozinheiro do Ratatui está lá).

É um restaurante com duas salas pequenas e havia só uma mesa com oito pessoas (franceses) e outra com um casal (americano) além da nossa. Como os americanos são seres compulsivamente relacionais e acreditam em deixar o seu impacto no ambiente que os rodeia, às tantas a senhora do casal não resistiu a comentar os pratos de salmão fumado que os franceses haviam encomendado (em vez de os bifes famosos da casa) e ao fim de alguns minutos a aliança forjada nos tempos da revolução americana era notória na conversa que se gerou entre a mesa americana e a mesa francesa.

Cumprindo a minha função de educadora, chamei a atenção do petiz para as diferenças daquele ambiente face à habitual falta de conversa das pessoas de uma mesa com as da mesa ao lado no restaurante. E expliquei-lhe que os americanos são assim. Que nos Estados Unidos vamos a uma loja, experimentamos roupa e lá temos outra cliente a dizer-nos de forma inteiramente voluntária ‘that colour suits you so well’ ou ‘the blue dress looks much better in you than the green one’. Que uma vez no Saks quase fiz amizade para o resto da vida (só impedida pelas diferentes longitudes de NY e Lisboa) com uma senhora a quem pagava uma qualquer compra, à conta de um porta-moedas que tinha sido presente da minha mãe e igual a um que ela oferecera à filha. Enfim, que não há mais simpático que um americano simpático.

(Também têm a tendência para moralizar quando fora do seu país – que lá é praticamente proibido – se veem alguém acender um cigarro, e eu tive de sobreviver a algumas cenas dessas quando fumava. Invariavelmente tinham como único efeito eu oferecer uma resposta seca e cortante a quem demonstrava tal apreensão pelos meus vícios.)

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Eu gosto que o mundo esteja desta forma em Lisboa. Nada que tenha começado agora. Antes da casa atual vivi noutra que recuperei num bairro antigo e tive por vizinhos dois casais de franceses à vez, um grupo de espanhóis professores no Cervantes, um casal de pintores ucranianos que costumavam expor nas galerias das zonas turísticas e quatro rapazes paquistaneses. Gosto dos turistas, gosto dos estudantes de Erasmus (e sem ser de Erasmus) e gosto da enorme variedade de estrangeiros que por cá vive.

E que tanto turismo é bom para a economia ninguém duvida. Tem sido nos últimos anos de crise um setor em crescimento assombroso, tanto em quantidade como em qualidade (é ver os prémios internacionais que temos tido). A ação dos privados que permitiram este crescimento é protegida pelo único liberal do governo – o secretário de estado do Turismo Adolfo Mesquita Nunes – que tem simplificado licenciamentos, eliminado ou diminuído taxas e resistido a afogar novos negócios (como os tuktuks, os hostels ou os alojamentos locais) em regulamentação como querem, para benefício próprio, os concorrentes já estabelecidos no mercado.

(Já António Costa, o bom socialista, perante um negócio que está a correr muito bem não resiste a querer introduzir ação estatal e impostos para ver se estraga. Pelas notícias, sonha com uma taxa por dormida em Lisboa, para ser utilizada ‘no turismo’. Para fazer o quê e com que necessidade, isso é que não se vislumbra. Talvez novo organismo municipal com cargos para recompensar os fieis.)

É tudo bom, portanto, não é? Benefícios económicos, estrangeiros a quebrar a monotonia, Lisboa ao rubro?

Claro que não é nada bom. Onde estou eu com a cabeça?

Por todo o lado – jornais, redes sociais, blogues,… – se leem queixas pelas matilhas de turistas que assolam Lisboa. Que ocupam os lugares da esplanada, que abarrotam o metro, que têm hábitos de higiene duvidosos, que provocam filas nos monumentos (que antes, como se sabe, os lisboetas visitavam aos magotes), que fazem nascer por geração espontânea lojas de souvenirs (e por cá o comércio tradicional nem agonizava devido aos centros comerciais, pelo que é uma enorme maçada).

O turista insistente devia perceber que está muito bem visitar países que participaram na conferência de Bandung (a de 1955) e que precisam de se sujeitar a estas tormentas. Ou cidades como Paris e Roma, cuja reconhecida penúria as faz aceitar milhões de turistas anuais. Porque ter tantos turistas é um atentado à dignidade lusitana. Gente nova e diferente na cidade? Pfff. E o turismo como setor estratégico? Queremos ser um país de camareiros e empregados de mesa? Era o que faltava, que nós estamos todos destinados a trabalhar em empresas de tecnologia de ponta (que as qualificações da maioria da população não se adequem, é um pormenor; não sejamos picuinhas).

Vivamos de acordo com as aspirações que o choque tecnológico tinha para nós. Mais vale continuarmos pobres e preconceituosos do que o horror de sermos expostos a turistas. Já Salazar pensava assim.