Atualmente, é inegável a atenção dada à nova fascinante ferramenta do ChatGPT, um sistema operado por inteligência artificial que tem feito as delícias dos indolentes e preocupado professores. Embora nem todos tenham recebido esta intrigante inovação tecnológica como o filósofo norte-americano Noam Chomsky, que a rotulou enquanto “apenas uma maneira de evitar a aprendizagem”, é fácil compreender porque é que os educadores se sentem ameaçados.

O ChatGPT é uma ferramenta estranhamente capaz que aterrou no seu meio sem qualquer aviso e tem um desempenho razoavelmente bom numa grande variedade de tarefas e disciplinas académicas. Existem também questões legítimas sobre a ética da escrita gerada pela inteligência artificial, bem como preocupações sobre se as respostas dadas pelo ChatGPT são exatas (muitas vezes, não são).

Tendo em conta todas estas mudanças repentinas, várias instituições de ensino têm procurado banir completamente o ChatGPT. Contudo, esta não parece, de todo, a melhor opção. O avanço da tecnologia associada aos sistemas de inteligência artificial é inegável e irreversível. É necessário informar e ensinar sobre estes novos instrumentos tecnológicos.

Ao observar sem particular atenção todos os nossos empreendimentos passados, apercebo-me facilmente das inúmeras evidências extraordinárias da criatividade humana. Por outro lado, pode ser assustador o facto de não fazermos a menor ideia do que vai acontecer em termos do nosso futuro. Ninguém sabe, apesar de toda a perícia que tem sido evidenciada nos últimos anos, como será o mundo dentro de uma década. E, no entanto, estamos destinados a educar as pessoas para isso. A imprevisibilidade é fascinante e creio que todos estamos de acordo, ainda assim, em relação às capacidades genuinamente extraordinárias que as crianças têm, especialmente a sua capacidade de inovação. Barrar-lhes o acesso a novas ferramentas tão facilmente acessíveis a todos não será, de todo, o melhor curso de ação. Até porque arranjarão, com certeza, maneira de contornar as regras impostas.

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Não será desejável que os professores sejam substituídos por uma presença virtual. Devem, sim, continuar a transmitir criatividade, inspiração e uma capacidade de interdisciplinaridade cada vez mais urgente no nosso mundo. Neste campo, a inteligência artificial pode ajudar-nos a gerir quantidades de informação colossais, cada vez mais, que humanamente não é possível digerir.

Não queremos uma inteligência artificial que nos substitua ou fac-simile, mas sim uma inteligência artificial que nos ajude a ser melhores. Certamente, será inusitado que os nossos médicos passem a ser um computador com inteligência artificial, indesejável até. Talvez o raciocínio subjacente ao desenvolvimento da inteligência artificial na área da Medicina devesse ser, pois, usá-la como complemento às qualidades de um médico, à sua experiência e ao conhecimento que tem da história clínica dos seus pacientes, das suas personalidades e cismas. Os grandes avanços na Ciência não se devem à capacidade de computação, mas sim ao engenho humano, à habilidade dos seres humanos em fazerem conexões nunca feitas anteriormente.

Por outro lado, o advento da repressão digital está a afetar visceralmente a relação entre cidadão e Estado. As novas tecnologias estão a dotar os governos de capacidades sem precedentes para monitorizar, seguir e vigiar indivíduos. Em Estados com instituições caracterizadas por frequentes violações dos direitos humanos, os sistemas de inteligência artificial irão causar maiores danos. A China é um exemplo proeminente. A sua liderança abraçou entusiasticamente as tecnologias baseadas em inteligência artificial, e criou o Estado de vigilância mais sofisticado do mundo na província de Xinjiang, acompanhando minuciosamente os movimentos diários dos cidadãos. A sua exploração destas tecnologias apresenta um modelo arrepiante para outros autocratas e uma ameaça direta às sociedades democráticas. Embora não haja provas de que outros governos tenham reproduzido este nível de vigilância, as empresas chinesas estão a exportar ativamente as mesmas tecnologias subjacentes em todo o mundo.

Nos países autoritários, os sistemas de inteligência artificial podem ser claramente incentivados pelo controlo e vigilância internos, ajudando as forças de segurança interna a processar quantidades massivas de informação, como mensagens ou telefonemas, de forma mais rápida e eficiente. A polícia pode identificar tendências sociais e pessoas específicas que possam ameaçar o regime com base na informação descoberta por estes sistemas. A polícia em certas regiões dos Estados Unidos, por exemplo, abraçou avidamente as tecnologias potenciadas pela inteligência artificial. Começaram a utilizar software que se destina a prever a localização de crimes e para decidir para onde enviar agentes em patrulha. Mas as análises destes sistemas mostram que os dados são frequentemente tendenciosos, levando a resultados injustos, tais como determinar falsamente que os afro-americanos são mais propensos a cometer crimes.

Os responsáveis políticos nas democracias deveriam pensar cuidadosamente sobre os riscos dos sistemas de inteligência artificial para as suas próprias sociedades e para as pessoas que vivem sob regimes autoritários em todo o globo. Mas também é preciso relembrar que o mau uso destes sistemas não se limita aos estados autocráticos. Deveria ser claro que a inteligência artificial chega para nos ajudar a ser mais humanos e não o contrário.

Parece que o senso comum perdeu, como diz o provérbio chinês, “o mandato do céu”, e não é assim tão comum quanto isso. As estruturas das sociedades humanas estão na iminência de serem destruídas pela erosão do que herdámos do nosso passado. E, embora não saibamos para onde vamos, com certeza caminhar para um Estado orwelliano não será uma escolha segura. Afinal de contas, 1984 não está tão longe assim.