Há cerca de um ano tomava posse o atual ministro da Saúde, Dr. Manuel Pizarro, após sucessivos problemas, crises e até mortes no SNS.
Um médico, com experiência política e de governação, ministro da Saúde num Governo com maioria absoluta. As expectativas eram altas.
Pouco depois começou a circular o nome do Prof. Doutor Fernando Araújo para “CEO” do SNS (direção executiva). Igualmente médico, alegadamente menos político, também com experiência governativa e com provas dadas na administração de instituições de saúde. As expectativas atingiram um “pico” nunca antes conhecido.
Pareceria que seria desta que o SNS iria sair do seu trajeto de dificuldades crescentes. Que os profissionais de saúde iriam ter interlocutores capazes de os entender. Que os doentes do SNS iriam ter quem os defendesse cabalmente face a outras prioridades governativas. Que para liderar as instituições de saúde iria ser dada primazia ao mérito e aos resultados. Parecia…
Passados cerca de 12 meses desta governação, importará fazer um balanço objetivo (já que o Governo não o faz) aos principais feitos (ou desfeitos) alcançados:
O número de utentes sem médico de família aumentou 29% num ano, ascendendo agora a quase 1,7 milhões, devido a aposentações (planeadas) e à falta de capacidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para atrair especialistas. Um estudo recente sobre os recursos humanos na saúde, divulgado em fevereiro deste ano, indica que cerca de um em cada quatro médicos tem mais de 65 anos, um envelhecimento da classe que resultará numa vaga de cerca de 5.000 aposentações até 2030. Isto, associado a concursos que ficam quase desertos (no último concurso, cerca de 70% das vagas abertas e necessárias para médicos de família ficaram sem candidatos) tenderá a agravar o problema, sem que qualquer solução adequada tenha sido implementada ou mesmo apresentada.
O protesto dos profissionais de saúde, cansados e desiludidos com as condições de trabalho no SNS, com a forma como são vistos e tratados por quem os governa e com as (alegadas) negociações que mais parecem as sessões de terapia de casal realizadas fora de época, têm sido dos mais veementes e sonoros de que há memória recente, com consequências para todos os utentes do SNS que só a este ministro, e à sua incapacidade para propor medidas concretas de melhoria das condições de vida e trabalho destes profissionais, poderão ser imputadas.
O acesso, princípio básico do SNS e de uma política social que se pretende e exige que seja justa e equitativa, cuidando preferencialmente de garantir direitos aos menos favorecidos, tem vindo a piorar ano após ano. O recente balanço feito pelo Conselho das Finanças Públicas é demolidor: listas de espera no SNS crescem e número de utentes sem médico de família sobe 30%. Nos últimos dois anos, “o número de utentes sem médico de família tem apresentado um crescimento superior a 30%” e nos hospitais as listas de espera para primeira consulta e cirurgia também subiram. Nos cuidados continuados, a resposta disponível continua a ser insuficiente para a procura (as listas de espera aumentaram 19% em 2022). Há cerca de dois meses, estavam mais de 2.160 utentes a aguardar vaga para entrar na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI). Um elemento da direção executiva do SNS afirmou mesmo que a resposta nos cuidados continuados integrados “está longe de estar completa” e que o estudo feito sobre as necessidades em 2006 “ainda não está sequer atingido”. Em relação ao acesso a Cuidados Paliativos, a realidade é idêntica ou pior. Não está, minimamente, a ser cumprido o plano estratégico realizado pela Comissão Nacional de Cuidados Paliativos da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS).
Curiosamente (ou talvez não), a força da ideologia de esquerda prevalece sobre a garantia de cuidar e proteger os mais frágeis, que apenas conseguem aceder a cuidados de saúde através do SNS: o recurso do Serviço Nacional de Saúde (SNS) aos hospitais privados no combate às listas de espera reduziu-se 22,2% no ano passado, face ao período homólogo de 2021. O número de cirurgias contratadas pelo SNS caiu 22,2%, no âmbito do “sistema de combate às listas de espera para cirurgia” (SIGIC).
A autonomia das instituições de saúde e a meritocracia das nomeações dos seus dirigentes são mais promessas que ficaram por cumprir, tudo envolto numa neblina que assusta, de tão densa. A própria direção executiva continua, após mais de 8 meses de “pseudo” existência, a não existir legalmente, sem os estatutos aprovados. Os critérios para a escolha dos membros dessa direção executiva (que depois terá, alegadamente, a missão de escolher os dirigentes de todas as outras instituições do SNS) não são conhecidos. As nomeações para as instituições do SNS continuam a decorrer envoltas em trapalhadas e escuridão, não sendo conhecidas nem percebidas as razões para que a Direção Geral da Saúde, criada para ter um diretor geral e dois subdiretores, funcione apenas com um subdiretor; o presidente do INEM aguarde o desfecho do seu concurso público há cerca de um ano; diversos conselhos de administração de hospitais, centros hospitalares ou unidades locais de saúde permaneçam em funções, incompletos, vários meses ou mesmo anos após terem terminado a sua comissão de serviço.
Temos assistido a poucos resultados, mas a muitas birras ou perrices, e até a trapalhices desta governação, sempre coroadas com algum riso inadequado ou desajustado, a que doravante sugiro que fiquem reconhecidas como “Pizarrices”.