«As crianças têm de estar todos os dias no centro das nossas preocupações. E a sua educação tem de ser a primeira das nossas prioridades, enquanto famílias e enquanto sociedade. (…) Sabemos que as crianças que frequentam o ensino pré-escolar têm maior sucesso escolar. (…) É por acreditarmos profundamente que o conhecimento é a chave para o nosso futuro, que fixámos como objectivo fundamental generalizar o ensino pré-escolar a todas as crianças a partir dos 3 anos de idade. (…)
Não queremos que ninguém fique para trás. (…) É este o caminho que temos de prosseguir, continuando a formar as diversas gerações, melhorando os mecanismos de transferência do conhecimento para as empresas. E a melhor forma de o fazer é aumentando os empregos de qualidade, que ofereçam confiança no futuro à geração mais qualificada que Portugal já formou, e que nunca mais queremos que seja forçada a emigrar. Queremos e precisamos destes jovens. (…)» Mensagem de Natal do Primeiro-Ministro António Costa, 2016
1 As promessas na política servem para eleger um candidato, mas servem também para o julgar após a eleição. São compromissos, rumos e ideias de futuro a que se pode aderir, tal como são metas e objectivos fixados cujo cumprimento compete aos cidadãos avaliar, quando a hora chegar. Em Dezembro de 2016, após um ano de improvável geringonça, António Costa escolheu o conhecimento e a educação como prioridades políticas na sua comunicação ao país, proferida a partir de um jardim-de-infância. À beira de se passarem sete anos sobre esta sua mensagem, é oportuno proceder à avaliação, não do que foi dito, mas do que foi feito.
2 No arranque deste ano lectivo 2023/2024, existem ainda crianças sem vaga no pré-escolar. Como a idade é um critério de prioridade, o problema coloca-se sobretudo ao nível das crianças de 3 anos de idade. Quantas crianças estão sem vaga? O Ministério da Educação não esclarece — serão vários milhares de crianças. O compromisso do governo de universalizar o acesso ao pré-escolar às crianças a partir dos 3 anos de idade tinha previsto uma implementação gradual e uma meta temporal: até 2019, o final da legislatura do primeiro governo liderado por António Costa, teria de existir resposta prevista para todas as crianças e, em 2020, a universalização seria uma realidade. Três anos após esse prazo, ainda hoje se está longe de poder assegurar vagas para todas as crianças no pré-escolar.
3 Alega o governo que, mesmo não tendo alcançado o objectivo, está-se hoje mais perto de o atingir. Infelizmente, os números contam uma história menos optimista. Usando por referência os dados publicados no último relatório estatístico do Conselho Nacional de Educação, a taxa de escolarização (percentagem de crianças em idade de pré-escolar que frequentam o pré-escolar) pouco se alterou nestes anos: era de 90,8% em 2016/2017; foi de 90,4% em 2020/2021. Os dados do CNE são úteis porque estratificam por idade: em 2020/2021, 78,3% das crianças de 3 anos frequentava o pré-escolar, um valor um pouco inferior a 2016/2017, mas idêntico (78,4%) ao de 2011/2012. Mesmo reconhecendo que a pandemia teve um impacto negativo de cerca de 2 pontos percentuais nestes dados de 2021, e que por isso em 2022 os dados serão ligeiramente superiores, a situação global parece estar relativamente estagnada — e longe da prometida universalização do pré-escolar a partir dos 3 anos de idade.
4 Se em termos relativos a situação aparenta estar estagnada, em termos absolutos (número de vagas/crianças) os dados são elucidativos do que efectivamente (não) aconteceu. Ao longo dos últimos anos, o governo tem anunciado a abertura de novas vagas em pré-escolar, dando a entender que tem aumentado a capacidade instalada para receber as crianças. No entanto, o número de crianças matriculadas no pré-escolar em 2016 (259.850 crianças) é praticamente idêntico ao de 2022 (259.030 crianças) — dados retirados do Pordata. E, se recuarmos mais no tempo, constatamos que estes números são inferiores aos de anos anteriores: por exemplo, em 2012, o número de crianças no pré-escolar superou os 272 mil. Ou seja, os números revelam uma dupla falha de gestão. Por um lado, a criação de novas vagas na rede pública (menos de 3 mil) não trouxe mais crianças para o pré-escolar (apenas as transferiu da rede privada), visto que o número total de matriculados em 2022 é igual ao de 2016. Por outro lado, nos últimos 10 anos desapareceram vagas na soma das redes pública e privada, uma vez que em 2012 havia resposta no pré-escolar para muitas mais crianças e esta capacidade instalada, caso se tivesse mantido, seria agora eventualmente suficiente para que nenhuma criança ficasse de fora (porque, analisando a demografia, nasceram desde então menos crianças).
5 Em 2016, com muita pompa, António Costa prometeu a universalização do acesso ao pré-escolar até 2020. Em 2023, continuam milhares de crianças sem vaga. Pior: os números revelam que muito pouco se alterou nestes 7 anos. O fracasso é em toda a linha. E, assim, o governo falhou todas as suas metas numa política que o próprio definiu como prioritária. Revela incapacidade, pois claro. Mas revela também como as promessas são lançadas à população de forma inconsequente, gerando expectativas em relação às quais não se observa real compromisso político. Aliás, a universalização do pré-escolar a partir dos 3 anos poderia ter sido atingida se existisse vontade política (nomeadamente, em disponibilização de verbas para o efeito). Não haja dúvidas: a educação serve de chavão útil para decorar discursos, mas não ascende a verdadeira prioridade política.
6 Recuar à mensagem de Natal do primeiro-ministro em 2016 tem, pois, este interesse de nos introduzir a uma realidade paralela: um país cor-de-rosa, assente em promessas que não se cumpriram e numa visão para Portugal que não se concretizou. Voltar à realidade pode ser doloroso. Perante este fracasso, as famílias que não conseguirem vaga no pré-escolar ficarão perante o dilema de adiar a entrada dos filhos no pré-escolar (penalizando as suas probabilidades de sucesso escolar), ou de pagar (se o conseguirem) a frequência num estabelecimento privado (cerca de 300 euros mensais). Enquanto as intrigas palacianas animam o debate político, a vida real de milhares de famílias em dificuldades continua sem acesso ao prometido pré-escolar e ao primeiro patamar do elevador social.