O Governo, num decreto (com grande decepção e pena minha assinado por A. Costa), desfere um golpe brutal na edição, no livro, na leitura, na instrução, no conhecimento, na cultura, na liberdade.
No sector da edição e da distribuição do livro, a política de um Governo minimamente esclarecido e patriótico deve ter como objectivo central e último o fomento da diversidade, da pujança, da criatividade, da qualidade da edição e da divulgação, da dessacralização, do consumo estelar dos livros. O que contrarie isso é crime de lesa-desenvolvimento da democracia e do país.
As leis que havia, limitavam este desiderato. Pois ontem, o Governo aprovou um decreto que as agrava. Aparentemente, sem possibilidade de se lhes poder fugir.
Terá sido esse o objectivo? No interesse de quem? Nunca faço juízos de intenção, que são para mim espírito e prática inquisitoriais. E nem vejo, sinceramente, a que ambição diabólica tal possa ser útil. Porque a não leitura, a restrição do público leitor – isto é, o aumento do iletrismo e do analfabetismo -, para não falar no fim ou no sufoco das editoras, nunca podem interessar (pelo menos a prazo) a ninguém que edite e venda livros. Só ódio, só um ódio que o “diz-se diz-se” português afirma consumir um sujeito – livreiro que não vende e paga mal -, que me garantem ter metido a ideia criminosa de tal decreto na cabeça de uma pessoa, que aparentemente a não tem, a quem foi entregue o Ministério da Cultura.
Quem não souber, repare:
Depois de receberem dos editores as novidades, os livreiros logo devolvem ao editor as que não vendem passados, no máximo… quatro ou cinco meses! A partir daí, esses livros deixam de contar para eles – “Têm o livro A?”, pergunta um leitor na livraria. Resposta habitual: “Está esgotado”. Mas os editores têm, têm milhares de exemplares desse livro e de inúmeros outros a apodrecer nos armazéns.
Para que querem então, o tal sujeito e a pessoa aparentemente sem cabeça no MC, 18 meses, e agora… pasme-se, 24, de Lei de Preço Fixo?
Para que os leitores não os possam comprar 30, 40, 50% mais baratos, como então os editores passariam a poder vendê-los, não tendo já de dar aos grupos livreiros margens de desconto que atingem 52%? Margens absurdas, que explicam o preço caro dos livros? (Preço que os leitores, que não conhecem o processo, atribuem aos avaros editores?). Ou para que o tal sujeito os venha a comprar aos editores ao preço da chuva e os acumule e venda a “um” euro nas lojas dele? Mas nem para isso serve o Preço Fixo, porque também isso, dizem-me, este decreto irá impedir.
Explique-me, quem for capaz, o porquê do absurdo, da estupidez deste decreto. Explique-me um dos ministros, pelo menos um, que há-de haver um com inteligência pelo menos elementar para ter percebido o absurdo e perguntado à cabeça aparentemente sem cabeça colocada na pasta da Cultura. Um ministro patriota.
Será que o objectivo é fazer com que as grandes superfícies deixem de vender livros? Isto é, proibir a…vida? Será que o projecto i extremis é atribuir a cada editor uma quota dos livros que poderá editar e vender? Fixar os livros que cada livreiro pode comerciar? Endoideceram?
À Gradiva, empresarialmente, nenhuma aberração de qualquer ministro ou Governo afecta. Mas ao projecto cultural da Gradiva, sim, dói. E ao editor que combate desde a sua adolescência pelo conhecimento e pela cultura – distinguido por dois Presidentes da República que a amavam e pelo Grande Prémio Ciência Viva -, ao cidadão e intelectual que ama o meu país e combate pela liberdade, sim, revolta-me.