Noto que a balbúrdia no PS e no governo não deflagrou por causa do colapso do SNS. Ou da falta de professores. Ou do curioso preço dos combustíveis. Ou da inflação a galope. Ou da dívida pública em valores sem precedentes. Ou da situação na Justiça. Ou do inferno fiscal. Ou da produtividade de rastos. Ou da imigração dos qualificados. Ou da pobreza que alastra. Ou da crescente restrição dos direitos civis. Ou de qualquer dos resultados inevitáveis de uma visão estatista, arcaica, opressora e, em suma, socialista do mundo.

Não, senhor. Com tudo a desabar em redor, os senhores do PS e do governo andam à bulha por causa do aeroporto de Lisboa. Ou de três aeroportos de Lisboa, quatro se incluirmos o de Beja, que a capital tem as costas e as fronteiras largas. E mesmo o pretexto do aeroporto não se prendeu com divergências acerca da necessidade de poupar ou torrar desenfreadamente o dinheiro dos contribuintes: a zanga deveu-se a minúcias hierárquicas, para cúmulo antigas, que opõem o chefe do bando ao moço que sonha ser chefe no lugar do chefe. Há qualquer coisa de simbólico no pormenor de nem na luta partidária essa gente recorrer a uma razão urgente, relevante e sobretudo digna. O dr. Costa e o jovem Pedro não se pegaram por discordarem quanto ao desastroso rumo do país. Como é hábito, mantêm o rumo, ignoram o desastre e servem-se do país para potenciar os próprios destinos. O desprezo deles pela vida da ralé é tão impune que não tentam disfarçá-lo, e tão evidente que não conseguiriam fazê-lo.

É claro que o jovem Pedro não avançou com os aeroportos para solucionar com rapidez um drama nacional, mas para exibir o que ele julga ser capacidade de liderança. E é claro que Costa não o desautorizou por achar a solução prejudicial (e o gesto chanfrado), mas por ter sido anunciada à revelia da sua excelsa pessoa. A circunstância de ninguém acabar demitido prova que gozar connosco é bastante menos decisivo que o braço-de-ferro entre dois rústicos. E prova que o carácter de ambos os rústicos é o que é. Se o dr. Costa valorizasse, um pingo que fosse, o famoso “interesse público”, não podia deixar de demitir um ministro que, com uma dose de candura raramente vista fora do jardim-escola, agita sozinho um “investimento” de milhares de milhões a fim de se mostrar homem. O dr. Costa não lamentou a infantilidade: aproveitou-a para tentar ganhar pontos numa rixa sem vergonha. Na desgraçada situação em que estamos, e nas mãos de criaturas que apenas agravam a situação, o único ponto que os portugueses arriscam ganhar é o final.

Não tenciono gastar dez segundos com as “estratégias”, os “avanços”, os “recuos”, os lucros e as perdas de semelhantes portentos. No fundo, distinguir as “personalidades” em questão implicaria a utilização de pacómetro digital. E seria inútil. Os Costas, os Pedros, as Martas, os Fernandos, as Marianas, os Cabritas, as Anas Catarinas e o que calha são na essência indistinguíveis, videirinhos sem história ou interesse. Analisar os rituais do poder socialista é elevar essa gente a um estatuto que não merece. Quando trogloditas desatam ao murro num estádio da bola não nos pomos a avaliar a qualidade dos golpes infligidos pelo Zé Camolas, o carisma do Tó Orelhas e a esfera de influência do Fábio Naifas. Espera-se, com enfado e repulsa, que a autoridade intervenha. O problema é que aqui a autoridade é o PS, que suscita muito mais danos que a excitação dos “hooligans”. E é um problema grave. Com a discutível excepção do posto de arrumador numa rua com pouco trânsito, nenhum desses espécimes deveria ocupar cargos de responsabilidade. Infelizmente, por falta de oposição, de escrutínio, de sorte e de juízo os espécimes mandam nisto. As consequências são óbvias – e ilimitadas.

Insisto que não vou esmiuçar “estratégias”: um primeiro-ministro com descaramento suficiente para poupar o Cabrita dos bólides e a Marta do hino da CGTP não enxotaria o jovem Pedro por esconder os guaches, perdão, os aeroportos da turma. No governo cabe tudo, na medida em que nada o penaliza. Os socialistas, cegos de cobiça, não têm escrúpulos. Mancos de liberdade, os eleitores não têm noção. Lembro que a rábula do jovem Pedro terminou com um pedido de desculpas – alegadamente ao dr. Costa, certamente não aos portugueses. É natural. Os portugueses não são de exigências. A garantia da miséria já nos satisfaz. Por isso estamos satisfeitos, e não tarda estaremos ainda mais.

Agora há que seguir em frente. Acima de minudências como a sobrevivência do país, de resto comprometida, talvez sem retorno, o fundamental é a estabilidade política (cito Sua Excelência, o Senhor Presidente da República). Afinal, erros de comunicação acontecem. Neste manicómio em formato de Portugal, o que é que não acontece?

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