Olhar para a nossa demografia e para o que fazemos ou não fazemos com ela mostra o melhor retrato do país que somos e do futuro negro que temos pela frente. Não temos bebés e tratamos mal o cada vez maior número de idosos que compõem a nossa população.

Vivemos numa espécie de Carpe Diem, indiferentes ao futuro dos nossos filhos e ao nosso próprio futuro, quando daqui a pouco tempo (porque o tempo passa sem darmos por isso) formos nós próprios os velhos a precisar de cuidado e apoio.

O país consome-se em crises do imediato, para as quais procura panaceias que aliviem a dor no instante, mas não a causa da dor. Não importa se crescemos a médio prazo, importa disfarçar o problema agora. Falar do futuro a 5, 10 ou 20 anos é falar de ficção. Preferimos viver anestesiados, como se não houvesse amanhã, e os políticos sabem disso. É a nossa desgraça e quem já sofre na pele são os milhares de velhos que por esse país fora vivem em condições sub-humanas porque, na prática, a sociedade considera que já não contam para nada.

Portugal é o terceiro país mais velho da velha Europa. Com 100 jovens para 182 idosos não temos condições objetivas para viver numa sociedade que não deixa ninguém para trás. Perante isto, o que fazemos: assobiamos para o lado e fazemos de conta que não vemos o que já se passa à nossa volta. Famílias sem posses para terem filhos e sem capacidade para acompanharem os mais velhos que, à medida que a idade avança, ficam entregues à sua sorte ou, pior do que isso, ao cuidado de agiotas que ficam com as suas parcas economias e os tratam mal. Muito mal.

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Quem fala disto, ou faz deste tema um tema político e exige decisões políticas? Ninguém. A demografia não vende, não dá títulos de jornais e, acima de tudo, não dá votos. Escandalizamo-nos a cada notícia sobre lares em que os velhos são maltratados e passam fome, mas, depois do lar fechado, passamos à fase seguinte. Procurando esconder de nós próprios que o país está cheio de realidades destas, escondidas, ou nem por isso. Os velhos não falam, não se queixam e em muitos casos sofrem de demência. Ninguém o quer assumir, mas esta é a razão porque a epidemia macabra dos maus tratos a idosos se espalha pelo país.

E os poucos que não se conformam e que, com muito custo e sofrimento, não desistem de cuidar dos seus ficam completamente invisíveis à sociedade. O que aconteceu ao famoso estatuto do cuidador informal? Quem beneficia dele? Quantos euros gasta a Segurança Social a apoiar aqueles que em suas casas cuidam melhor dos seus dependentes (mais velhos ou deficientes) conseguindo fazê-lo com muito menos despesa para o Estado? Desconfio que muito poucos, se é que há alguém.

Não termos filhos vai acabar por matar-nos como povo. O resultado já está à vista na forma como vivem ou sobrevivem os nossos mais velhos. A indiferença com que esta realidade é encarada é a maior prova de que caminhamos a passos largos para o abismo.