Depois de um pequeno trejeito acintoso – «Coelho Lima, é?!» –, o Primeiro-Ministro diz ao deputado Coelho Lima, do PSD, que «não o conheço de lado nenhum», e que «não o autorizo» a fazer críticas sobre a forma como ele – ora como PM, ora como secretário-geral – utilizou o Plano de Recuperação na vã tentativa de obter ganhos nas eleições autárquicas.

O deputado Coelho Lima não teve oportunidade de responder, mas poderia ter respondido: «Senhor Primeiro-Ministro, eu tenho o grato prazer de não o conhecer de lado nenhum. Não preciso, basta-me saber que estou a criticar o Primeiro-Ministro. O Senhor Primeiro-Ministro não precisa de conhecer-me de lado nenhum, basta lembrar-se que está perante um deputado eleito pelos portugueses. E que é, portanto, irrelevante o que o senhor se julga autorizado a autorizar ou não autorizar, visto que este é o normal processo democrático.»

Se a direita portuguesa não reconhece neste governante destemperado e de tiques absolutistas o inimigo principal, a direita portuguesa não serve para nada e não vai a lado nenhum. Se a direita portuguesa continuar a julgar mais relevante desgastar-se em guerras de facção, em vez de escrutinar e criticar esta governação tão propagandista como ruinosa (a dívida, as cativações, o aumento da despesa corrente, a sobranceira incompetência e desserviço dos «serviços» públicos, a saúde, a TAP, a ferrovia, a fatura elétrica e a política energética, o preço dos combustíveis, o fisco, a asfixia da iniciativa privada, a balança comercial, a saúde, o empobrecimento relativo, a apropriação de fundos pelo Estado, etc.), a direita pode desaparecer que ninguém lhe sentirá a falta.

A direita tem quatro meses, disse o Presidente da República. E explicou: depois do Verão começa a campanha eleitoral. A direita tem até lá e até aos diversos congressos.

A direita, é claro, tem preferido eleger como principal alvo de críticas o Presidente da República. E os comentadores amigos da direita e do PR (e também os que proclamam amizade e o zurzem impiedosamente) preferem considerar que quando o Presidente diz, foi pena que nada dissesse; ou que, tendo dito alguma coisa, só vislumbraram suspeitas de sombras de nuvens de afirmações vagueando nas entrelinhas.

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Na entrevista a Miguel Sousa Tavares, porém, não há entrelinhas nenhumas. O Presidente da República explicou-se bem.

Primeiro, não vai fundar um partido de oposição, nem reunir um congresso para criticar o governo. Ou seja, insistiu Marcelo para quem não tivesse percebido, Marcelo não é um Eanes, nem um Soares. Por boa razão: se Marcelo afrontasse Costa e olhasse para trás a ver as hostes de direita que o seguiam, veria, provavelmente ninguém (estavam todos em casa, a esbofetear-se uns aos outros).

Segundo, explicou o Presidente, não foram as autárquicas que marcaram o meio do seu segundo mandato; serão as legislativas a fazê-lo. E para concorrer às legislativas que marcam o meio do seu mandato, as de 2023, Marcelo quer algo de diferente: quer que a direita aproveite os próximos quatro meses para definir líderes (porque basta de guerras intestinas), e, sobretudo, estratégias (porque é manifesto que não tem nenhuma).

Terceiro, o Presidente acha isto indispensável porque é necessária uma oposição forte para fortalecer a democracia, não vá dar-se até, elucidou ainda, que, além dos 2 milhões de pobres, ainda se constate que os dinheiros do PRR são também desbaratados.

Para quem veja nesta três premissas meras vacuidades ou fantasmas pairando entre linhas, eu traduzo – com a grosseria própria de algum Primeiro-Ministro – a mensagem que me pareceu gritante: «Pá, organizem-se, que esta choldra está no fim, e eu quero uma segunda metade de segundo mandato decente.»

É possível que a direita tenha compreendido isto (que tenha, até, tido um sobressalto com a inconcebível sobranceria e despropósito do PM na AR), e resolva, ao menos por algum tempo, assestar armas sobre quem deve. É possível que a direita aproveite os quatro meses, e de facto estabeleça estratégias, e de facto escolha de vez os líderes. É possível que se concretizem em 2023 os avisos das autárquicas perante o país adiado dos socialistas.

… a menos, é claro, que a direita prefira ignorar a recomendação, aliás, o pedido razoável de Marcelo, ser surda ao nojo de muitos eleitores e abstencionistas, e escolha continuar na mesma, fechada nas purezas e minudências das suas múltiplas casinhas (às bofetadas uns aos outros), a criticarem o Presidente porque – que diabo! –, porque não há-de fazer ele sozinho, lá, onde não tem poderes, o que nós, a direita toda, não fazemos?!