A remodelação do Governo das últimas horas pode ter implicações profundas no setor energético. O novo secretário de Estado da Energia (SEE) vai “herdar” uma agenda recheada, entre a necessidade de tomadas de decisão no curto prazo e a de olhar para o futuro energético do país.

IVA – é a polémica mais recente e diz respeito à proposta de descida do IVA para ajudar as famílias a suportar as contas de eletricidade. As últimas indicações são de que descerá apenas na potência (termo fixo) e só para potências até aos 3,45kVA o que, em contas arredondadas, dará uma poupança inferior a um euro por mês por família. Confirmando-se que há dois milhões de consumidores nessas condições, a medida vai custar cerca de 24M€ aos cofres do estado e ter um efeito praticamente neutro. Simultaneamente há cerca de 500 mil consumidores com direito à tarifa social de eletricidade. Bem sei que objetivo é o combate à pobreza energética, mas não faltam outras opções para o fazer de forma eficaz, duradoura e sustentável.

Preço da eletricidade a subir no mercado ibérico– menos visível ao público em geral, mas com um enorme impacto tanto para as empresas que compram energia em grandes volumes ou tarifários indexados como para as comercializadoras, é a recente escalada dos preços no mercado ibérico de eletricidade (onde é vendida e comprada a eletricidade utilizada para abastecer as nossas casas e empresas). As razões serão ainda estudadasmas uma das mais apontadas tem sido a indisponibilidade em simultâneo de uma parte significativa do parque nuclear em França e o efeito de arrasto que causou em Portugal e Espanha. Fica o aviso para a necessidade de reforço das nossas renováveis a tempo do tão esperado aumento das interligações nos Pirenéus.

CMEC e rendas excessivas– dois assuntos que colocam a EDP e os produtores de renováveis, respetivamente, no centro da polémica. São assuntos muito sérios e que já causaram danos visíveis no setor, seja pelas graves suspeitas em que estão envoltas algumas das acusações seja pelo possível desconforto que terão causadoa acionistas da EDP e aos investidores em energias renováveis em Portugal. O que se espera aqui é que o novo SEE seja isento e deixe funcionar as investigações, abstendo-se da tentação de interferir.

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Concessões da rede de distribuição em baixa tensão– é outro assunto quente e uma grande oportunidade para tornar o setor mais competitivo em benefício dos cidadãos. Os municípios podem teoricamente levar as concessões a concurso (obrigando à concorrência) ou optar pela exploração direta das redes, ficando assim com a remuneração que era até agora quase exclusivamente da EDP Distribuição. Recentemente a ERSE (o regulador da Energia) sugeriu que as concessões obrigassem à agregação de municípiosformando conjuntos com mais de 600 mil consumidores sobre pena de serem economicamente inviáveis se assim não for. A contrariar essa teoria estão as cooperativas elétricas do Norte do país, algumas centenárias, com áreas de concessão bem reduzidas (ao nível da freguesia) e situações financeiras perfeitamente saudáveis. A proposta da ERSE é que mais beneficia as grandes empresas do setor, porque as pequenas dificilmente conseguirão competir nesta escala.

Mas tem sobretudo o desafio decriar uma visão sustentável e de futuro para o setor energético em Portugal, agora com a expectativa (ou dificuldade) gerada pela integração num Ministério do Ambiente que está a preparar o Roteiro para a Descarbonização, mas parece pouco preocupado com o “walk the talk”.

O setor energético, no consumo como na mobilidade, precisa de acelerar a descarbonizaçãoe, sobretudo, assumir o caminho da democratização, tomando como maior interesse o daqueles a quem existe para servir, o consumidor final.

Nuno Brito Jorge é presidente da Coopérnico e fundador da GoParity,  uma plataforma de investimento em projetos de energia sustentável