Nos Estados Unidos, cerca de metade das empresas privadas são detidas por mulheres mas apenas 2% do total de investimento em capital de risco é feito em empresas fundadas por empreendedoras. O mesmo acontece noutros contextos. Por exemplo, no Reino Unido, apenas 1% de todo o valor investido em capital de risco foi para empresas fundadas por equipas totalmente femininas (ficando substancialmente abaixo do registo de 89% das equipas totalmente masculinas). Em Portugal, é preciso procurar (bastante) para, a nível nacional, encontrar investimentos por parte das maiores empresas de capitais de risco em empresas fundadas (exclusivamente) por mulheres.

Parte da explicação para estas discrepâncias tem necessariamente que ver com diferenças estruturais no padrão de empresas fundadas por homens e mulheres. Há nomeadamente bastante evidência que aponta para o facto de as mulheres criarem menos empresas, preferirem indústrias menos apetecíveis para investidores (menos intensivas em capital), e a sinalizarem menor orientação para o crescimento (aspeto quase fundamental para obter investimento). Há também evidência que sugere que as mulheres gostam, em média, de assumir menos risco e daí preferirem outro tipo de financiamento para viabilizarem as suas empresas.

No entanto, a literatura recente tem demonstrado que estes fatores não explicam as enormes discrepâncias ao nível da atração de investimento. Um artigo recente tentou perceber, de forma experimental, o efeito do género do empreendedor no seu sucesso na obtenção de investimento. Os resultados foram, no mínimo, surpreendentes: apesar das apresentações aos investidores serem exatamente iguais em termos de conteúdo, a que foi realizada com voz masculina obteve mais do dobro da preferência dos potenciais investidores quando comparada com a apresentação com voz feminina.

Há obviamente muitas razões possíveis para este padrão que parece ser discriminatório: os investidores podem prejudicar as empreendedoras simplesmente por puro preconceito ou sem qualquer fundamentação racional; no entanto, esta discriminação pode também ser o resultado da maior incerteza associada aos investimentos em empresas femininas: como há muito menos empreendedoras com investimento, há menos historial e, naturalmente, muito mais dificuldade por parte dos investidores em perceber e justificar se estes investimentos fazem sentido.

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O facto de haver uma percentagem persistentemente muitíssimo elevada quer de investidores, quer de empreendedores do sexo masculino agrava muito este padrão e não permite resolvê-lo com facilidade. Será importante, por isso, apontar soluções em várias frentes.

Em primeiro lugar, os investidores têm de ser mais conscientes dos seus próprios preconceitos e trabalhar para os corrigir. Apostar mais em empreendedoras até parece ser o melhor a fazer (há alguns sinais na literatura recente que apontam para o facto de as empreendedoras garantirem níveis superiores de performance financeira para as suas empresas). Nesta frente, estimular o aumento da presença feminina no espaço dos investidores pode contribuir (e muito) para atenuar grande parte do problema: um estudo experimental recente conclui que um aumento marginal (de um ponto percentual) no número de investidoras, quase que triplicaria o volume de investimento alocado às empreendedoras.

Paralelamente, será também muito importante que as empreendedoras percebam e potenciem áreas onde são consistentemente melhores do que os empreendedores (do sexo masculino): por exemplo, um estudo recente mostra que as mulheres empreendedoras conseguem obter mais sucesso em fases iniciais do processo de investimento, ou seja, quando interagem na fase inicial com investidores; outro estudo conclui acerca da vantagem substancial que as empreendedoras possuem em alternativas emergentes de investimento como é o caso do crowdfunding.

Finalmente, é essencial a sociedade civil não só desenvolver iniciativas que reconheçam e empoderem os casos de empreendedoras de sucesso (como é o caso, por exemplo, do Women Entrepreneurship Award lançado pelo Centro para a Inovação Tecnológica e Empreendedorismo da Católica Lisbon School of Business and Economics), mas também criar comunidades que estimulem a força empreendedora das mulheres (como é o caso, por exemplo, da Portuguese Women in Tech).

João Cotter Salvado é Doutorado em Estratégia e Empreendedorismo pela London Business School e Professor Auxiliar na Católica Lisbon School of Business and Economics. Tem 35 anos, é casado e tem quatro filhos. Juntou-se ao Global Shapers Lisbon Hub em 2013.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.