No último Governo Sombra, Ricardo Araújo Pereira chamou a atenção para um trabalho recentemente publicado por um conjunto de 16 destacados economistas, incluindo Christopher Pissarides (Prémio Nobel da Economia), Olivier Blanchard (ex-economista chefe do FMI), Paul de Grawe e Francesco Giavazzi, e já subscrito por dezenas de outros como Carmen Reinhart ou Lars Svensson. Estes economistas propõem uma “narrativa consensual” da crise da área do Euro e argumentam convincentemente que enquanto não se fizer um diagnóstico correcto não se resolve problema algum.

Qual é então o diagnóstico correcto? Segundo Ricardo Araújo Pereira, o estudo diz que a crise do Euro não é uma crise das dívidas soberanas. Na mesma linha vai um artigo publicado no Expresso do fim-de-semana passado assinado por João Silvestre e Jorge Nascimento Rodrigues. Para estes jornalistas, e passo a citar, “a pressão sobre as dívidas públicas foi um sintoma e não a causa e os Estados do euro acabaram por ser vítimas de um vórtice vicioso, derivado de uma ligação umbilical entre a desalavancagem da banca e a exposição desta às dívidas sobretudo dos periféricos do Euro”.

Porque em Portugal é muito comum confundir o que economistas estrangeiros dizem sobre a Europa com o que dizem sobre Portugal, de repente, daqui a uns dias teremos toda a gente a dizer que não havia problema nenhum com a nossa dívida pública e que somos apenas vítimas de um infortúnio. Por isso é importante deixar bem claro que, no que respeita a Portugal, o estudo não conclui nada disto. Bem pelo contrário, nas conclusões os autores escrevem:

“Para muitos países da área Euro, como Espanha e Irlanda, [a paragem súbita no financiamento] transformou um problema de dívida privada num problema de dívida pública. Para outros, como Grécia e Portugal, o calcanhar de Aquiles foi a dívida pública.” (Tradução e destaques meus.)

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É razoavelmente evidente que há problemas estruturais na Zona Euro, mas estes só podem ser combatidas a nível europeu. Mas o que é verdade a nível europeu também o é para Portugal: enquanto não acertarmos com o diagnóstico interno enão percebermos por que motivo esta crise atingiu Portugal com tanta severidade, dificilmente poderemos ter as políticas adequadas para dela sair e para nos protegermos de outros vórtices. Por isso vale a pena ler com atenção este documento que tanto consenso gera.

De acordo com esta narrativa, a principal falha da zona Euro foi a de permitir que os capitais se deslocassem em excesso da Europa Central para a periferia, onde eram consumidos em despesa pública e não em investimentos produtivos, aumentando o peso do sector não transaccionável e acumulando desequilíbrios. Para os autores, a vulnerabilidade portuguesa à “paragem súbita” do financiamento internacional provém de dois problemas principais. Um, como já foi referido, foi a dívida pública. Em Portugal, desde 1999 até ao momento da crise internacional, em Setembro de 2008, a dívida pública aumentou de 49% do PIB para 72%, um extraordinário aumento superior a 45%. O segundo factor foi a baixa taxa de poupança. O nosso endividamento externo é o espelho dessa baixíssima taxa de poupança. Entre 1999 e 2007, os nossos défices acumulados com o exterior atingiram os 96% do PIB.

Estando Portugal particularmente vulnerável à crise por causa dos elevados gastos públicos e da falta de poupança interna, não é de todo óbvio como é que a aposta do governo em aumentar os gastos públicos e o consumo interno contribui para diminuir as nossas debilidades.

Os autores acabam com um aviso, que passo a citar:

“Isto já não é apenas uma crise económica. A dureza da crise económica tem alimentado o populismo e o extremismo político. Num ambiente internacional tão instável como nos anos 30 do século XX, a retórica nacionalista, anti-Euro e anti União Europeia ameaça tornar-se corrente. Já não são só as franjas políticas que defendem o fim do Euro e da União Europeia. Na verdade, já não é inconcebível que partidos políticos da extrema-direita ou esquerda cheguem ao poder (partilhado ou não) em vários países da União Europeia.” (Tradução e destaques meus.)

Concluindo, se a narrativa deste documento estiver correcta, então quer as traves mestras da política económica quer o apoio político do novo governo vão-nos tornar ainda mais vulneráveis.