Tem-se discutido tudo, incluindo teorias como a prisão perpétua. Tudo, menos três coisas. Não por acaso, são as coisas que talvez mais importasse discutir.
A primeira coisa é a gestão da pandemia. Deveria ser o tema mais óbvio de debate. No entanto, ninguém incomodou António Costa com a mortalidade excessiva, nem com as devastações dos confinamentos. Os historiadores ficarão um dia abismados quando perceberem que houve eleições em 2022, com debates assanhados, em que a pandemia apenas serviu de desculpa fortuita.
A segunda coisa é a inflação. É o tema de todas as discussões internacionais. Percebe-se porquê: poderá ser uma das maiores mudanças desde o princípio do século. Em Portugal, a consolidação orçamental desde 2015 foi feita à boleia de juros baixos. Sem isso, todos os programas eleitorais deixarão de fazer sentido. A pergunta até foi feita no debate de ontem. Nem Rio nem Costa lhe responderam.
A terceira coisa é algo sobre o qual há consenso entre os partidos, do Livre à IL, com a excepção de CDS e Chega e que, por isso, pode acontecer: a expansão do Estado através da chamada “regionalização”. Será o maior golpe da oligarquia contra o país desde há muitos anos. Mas salvo erro, só Francisco Rodrigues dos Santos, que se lhe opõe, a referiu. Ninguém quis discutir o tema com ele.
Em que mundo estão a decorrer os debates? Digo-vos já: num mundo em que ninguém quer que mude nada, e em que por isso se faz de conta que nada aconteceu nem nada acontecerá. A esquerda insiste em aumentar a despesa pública, agora até para pagar salários nas empresas privadas. A direita promete diminuir impostos: talvez nas entranhas dos programas seja mais complexo, mas o que fez passar nos debates foi apenas uma versão de direita das “devoluções” de 2015, um meio de aumentar rendimentos, que o PS imitou logo. O que desapareceu foi o reformismo que não consiste em ajustar ocasionalmente a carga fiscal, mas em criar condições para um outro modo de vida em Portugal. As esquerdas fingem que a economia não estagnou, e que o SNS não entrou em colapso. As direitas fingem que tudo pode melhorar sem que nada mude, a não ser o que pagamos em IRS.
Só um dos líderes partidários da direita, Francisco Rodrigues dos Santos, do CDS, confessou “orgulho” pelo espírito reformista do governo de Pedro Passos Coelho. Isto tem uma razão: há muito medo de falar de reformas. Em 2016, ainda se discutiu o regime de 35 horas da função pública. Agora, nem uma palavra. Há vinte anos, ainda se prometiam “cortes” no Estado, pelo menos de “gorduras”. Agora, até as “gorduras” são sagradas. Por vezes, parece que para o PSD o plano é manter tudo como está, toda a despesa, todos os favoritismos — só que com menos impostos. Bastará para obter crescimento económico? Em debate, as direitas obrigaram as esquerdas a admitir a necessidade de crescimento económico, mas as esquerdas inibiram as direitas de ir além das “devoluções” de rendimento por via fiscal (veja-se os equívocos sobre o “sistema misto da segurança social”). Chama-se a isto um impasse.
Rui Rio diz seguir uma “lógica de futuro”. Oxalá fosse mesmo assim, e tivesse tentado liderar o movimento para uma maioria estável, com um mandato reformista. Em vez disso, entrou na cultura de arranjos da geringonça. É por essa porta lateral que julga poder chegar ao governo. Talvez tenha razão. Ao país, porém, convinha uma nova época de reformas, e não uma simples rotação governamental ou um ainda mais modesto rearranjo do apoio parlamentar do governo. Por enquanto, parece pouco provável que estas eleições fiquem na história. Seja qual for o resultado.