O boletim de voto terá 21 opções no distrito de Lisboa. Mas a escolha não é entre 21 listas. A escolha que faz sentido é a que tem a ver com a única questão destas eleições: deve ou não continuar no poder a mesmo facção política que há 27 anos chegou ao governo com António Guterres (a começar, claro, por António Costa, secretário de Estado em 1995 e ministro em 1997)?

O que essa facção tem para mostrar, ao fim de 27 anos em que governou quase sempre, já sabemos: o mais longo período de divergência em relação às economias ocidentais desde há um século, o maior nível de endividamento desde o século XIX, uma bancarrota e a total dependência do BCE, um dos maiores esforços fiscais do mundo, a mais intensa emigração desde 1970, o colapso do SNS, a importação da guerra cultural à americana, e a acusação de um ex-primeiro-ministro por corrupção. Nada disto foi o azar, o euro, a armadilha dos países de rendimento intermédio, ou a personalidade de Sócrates. Tudo faz sentido como o preço que um país tem de pagar quando uma facção usa o Estado para subjugar a economia e manipular a sociedade.

É isto que está em causa. E é aqui que as coisas se complicam. Porque para manter no poder essa facção, há mais maneiras para além de votar PS. Fiquemo-nos pelos partidos que elegeram deputados em 2019. Por mais funerais que façam à geringonça, PCP e BE não têm outra coisa para oferecer. É para isso que pedem votos: para influenciarem a governação do PS. Um voto no PCP ou no BE é, por isso, um voto no actual estado de coisas. Um voto no PAN ou no Livre, também, pelas mesmas razões.

Mas esses não são os únicos votos que podem desaguar em António Costa. Desde 2018, que o líder do PSD, Rui Rio, vem propondo pactos ao PS. Nos últimos meses, comprometeu-se a viabilizar um governo socialista, se o PS ficar à frente. Um voto no PSD pode, assim, ser mais um voto em António Costa. Mas não é tudo. Em 2011, Costa derrubou “o muro” que até aí separara o PS da extrema-esquerda. Este ano, Costa continuou a derrubar muros. Se ganhar sem maioria absoluta, propõe-se “governar à Guterres”. Irá bater a todas as portas. O muro que parecia erguido em 2015, entre a esquerda e a direita, também já não existe. Votar à direita deixou de ser garantia de não votar PS.

Importaria por isso saber, entre os restantes partidos (CDS, IL e Chega), quais as portas que nunca se abrirão ao poder socialista. Salvo erro, só Francisco Rodrigues dos Santos deu explicitamente a garantia de que os seus votos não irão para “o bolso de António Costa”. Para orientação de um eleitor menos interessado em dar para o futuro peditório socialista, esta é a linha vermelha que importa. Até agora, só o CDS a desenhou claramente. É verdade que o Chega parece à partida excluído de “geringonças”, pelo folclore antifascista com que a oligarquia o cerca. Mas se for preciso, será que quem já se entendeu com Orban (no caso do Quadro Financeiro da UE) não se entenderá com Ventura? Uma coisa já têm em comum: a tese de que a culpa é de Passos Coelho, a quem Ventura agora responsabiliza por cortes e impostos (disse-o há dias em Viseu). A IL partilha um grande quintal com o PS, da regionalização à cultura woke – é liberal na economia, mas não na moral e na cultura, onde não parece incomodar-se com o facto de o Estado impor o wokismo nas escolas. Não basta proporem esta ou aquela “medida” supostamente menos simpática ao socialismo. Até porque Costa já disse que afinal também é “liberal” e Pedro Nuno Santos quer agora privatizar a TAP. Por isso, poupem-nos à histeria vaga contra o “sistema” ou ao rol ocioso de “medidas”, e digam-nos apenas isto: vão ou não deixar passar um governo socialista?

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