As sondagens prevêem e os democratas desejam que Emmanuel Macron saia vencedor da segunda volta das eleições presidenciais francesas, já no próximo domingo. Até lá, talvez seja oportuno sugerir uma reflexão sobre as possíveis origens do crescimento dos partidos populistas na Europa e sobre possíveis caminhos para lhe fazer frente.
Uma possível explicação — talvez à primeira vista paradoxal — consiste em dizer que esse crescimento do populismo não corresponde necessariamente à radicalização dos eleitorados. O crescimento do populismo pode simplesmente corresponder à exploração pelos populistas de temas não necessariamente populistas que têm sido esquecidos pelos partidos centrais. Refiro-me sobretudo a temas relacionados com o sentimento nacional e a devolução de poderes do centro para as comunidades locais — que, no caso da UE, são basicamente os Parlamentos nacionais.
A concorrência entre propostas que favorecem mais e propostas que favorecem menos poderes para o centro é uma característica normal das democracias nacionais. É ela que está subjacente à concorrência entre as famílias políticas que preconizam maior intervenção do Estado e as que preconizam maior devolução de poderes para o sector privado, as famílias e a sociedade civil.
A verdade é que as nossas democracias vivem muito tranquilamente com essa concorrência. Elas na verdade não procuram resolver definitivamente esse conflito em favor de nenhum dos lados. As Constituições estabelecem limites a cada um deles — limitando os poderes do Estado e também os da sociedade civil, através do primado da lei. Mas, no âmbito desses limites estabelecidos pela lei, existe um vasto espaço de escolhas que os eleitorados exercem em intervalos regulares. E a verdade é que as escolhas eleitorais são de sentido diferente, muitas vezes opostos, em diferentes eleições.
Receio que esta saudável rivalidade entre propostas diferentes tenha estado debilmente presente na política europeia. Gradualmente, foi emergindo um consenso entre as três maiores famílias políticas europeias — Populares, Liberais e Sociais-democratas — em favor do que se convencionou chamar “Mais Europa”. Este consenso foi deixando vazio o espaço das propostas políticas a favor de, digamos assim, “Menos Europa”. Este espaço foi gradualmente sendo ocupado por partidos populistas, muitas vezes nacionalistas e, nalguns casos, simplesmente racistas.
Este fenómeno facilitou a crescente identificação de “Mais Europa” com a defesa da União Europeia. Mas, em meu entender, essa identificação é errónea. Ela favorece o populismo e enfraquece a causa europeia.
É errónea, em primeiro lugar, porque confunde regras gerais constitucionais com objectivos específicos da política quotidiana. As regras da Constituição, como referi acima, não estabelecem objectivos específicos a ser alcançados (neste caso, nem “Mais Europa” nem “Menos Europa”). Estabelecem apenas as regras gerais no interior das quais diferentes objectivos específicos podem e devem concorrer entre si.
Desta confusão entre “política constitucional” e “política normal” (para usar as expressões de Ralf Dahrendorf), resulta uma restrição desnecessária do espaço de respiração tranquila das democracias. Ela exclui do debate entre famílias democráticas um tema perfeitamente normal: o de “Menos Europa,” ou, o da devolução de poderes do centro para a base, digamos assim.
Em terceiro lugar, e como consequência do abandono do tema de “Menos Europa” pelas famílias democráticas, as forças populistas ficam com o campo aberto para explorarem esse tema. O grande problema que surge aqui não é que alguém venha explorar o tema de “Menos Europa”. O grande problema é que os populistas vão explorar esse tema numa linguagem radical, proteccionista, por vezes simplesmente racista. E vão dar-lhe um sentido anti-União Europeia.
Qual poderia ser a solução para travar este perigoso crescimento do populismo contra a União Europeia? Em teoria, a resposta parece-me relativamente óbvia (ainda que na prática possa ser mais complexa): adoptar a experiência acumulada pelas democracias nacionais e re-introduzir no debate entre as grandes famílias políticas centrais europeias o tema de “Mais Europa versus Menos Europa”. Creio que há razões para acreditar que, se este debate voltasse a ter lugar entre os partidos centrais, os partidos populistas perderiam rapidamente o espaço vazio que demagogicamente têm vindo a explorar.