É domingo à tarde e devia estar a estudar Matemática. No entanto, fico estupefacto com os argumentos apresentados pelo ilustre Tiago Mendonça num artigo de opinião publicado no Observador. Será que estarei ao seu nível para responder? A ver vamos…

Não me surpreende nada o facto deste artigo já ter sido partilhado uma série de vezes por trabalhadores da TAP. Afinal de contas, devem estar aflitos, pois trata-se do seu sustento. Contudo, baseia-se em dados embelezados com uma narrativa que tem vindo a ser transmitida e que tentarei desmontar. O caro leitor provavelmente se interroga: qual é a autoridade deste miúdo do 12º ano para falar disto? Não muita, tem razão. Contudo, e sendo um aspirante a aviador, estou ciente da situação grave em que a companhia se encontra, não TAPando os olhos. Muitas foram as horas a informar-me e a pensar sobre este tema. Talvez, no final, o tenha conseguido convencer…

Muita tem sido a controvérsia acerca da injeção de capital por parte do Estado na TAP. Na opinião pública, a todo o tipo de propostas se assistiu: desde a nacionalização da companhia até a nenhuma intervenção estatal. Mas a pergunta que se deve colocar é: na altura pré-Covid, a companhia estava numa rota de sucesso? Temo que não. E quem o diz não sou eu, Domingos, mas a Comissão Europeia, ao negar à transportadora aérea o acesso aos apoios destinados a companhias aéreas viáveis na era antes do coronavírus. Afinal, o que se passa aqui?

Nos últimos 45 anos, a TAP deu lucro duas vezes. Uma delas nesta década, em 2017. Foquemo-nos no período desde a privatização, em 2015. O Tiago Mendonça escreve que “os dados são o que são”. Pois, ele tem os dele, eu tenho os meus.

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É inegável que o número de passageiros anuais passou de 11 para 17 milhões; ou que a frota, finalmente após tantos anos, foi renovada; ou que a companhia passou a ter um departamento de marketing (algo onde Neeleman é muito hábil) eficaz, tornando-se mais internacional, ao mesmo tempo que viu a sua rede de destinos ser ampliada. Tudo isto é verdade. Porém, caro Tiago, o que também é verdade, é o facto de o plano implementado nos últimos anos não ser sustentável e adequado à TAP.

Desta cidade à beira-Tejo tentaram fazer da TAP um hub transatlântico. Já o era, e bem, para o Brasil, e de forma exponencial passou-o a ser para os EUA. Contudo, Lisboa não está no centro da Europa. O que é que poderá fazer um alemão, ou um francês, entre muitos outros, vir até Lisboa apanhar boleia para outro continente? Preços baixos, claro está. É importante mencionar que esta estratégia é amplamente usada e produz resultados positivos para outras companhias. Qual o nosso mal, então? O facto de, ao contrário de uma British Airways ou Lufthansa, não termos um mercado interno suficientemente forte para poder vender tarifas com fortes componentes premium e que, ao fim ao cabo, são as mais lucrativas de um voo. Ou não sermos a Irlanda, com fortes tradições históricas com os EUA, permitindo à Aer Lingus ser uma plataforma entre a Europa e a América, captando, contudo, muito tráfego direto, logo, com tarifas mais elevadas e lucrativas. Assim, caro leitor, é difícil encher aviões com 34 lugares em executiva e 298 em económica sem ser a vender Paris-São Francisco a 300 e poucos euros ida, ou Copenhaga-São Francisco a mil e tal euros a ida em executiva. Este fenómeno tornou a TAP conhecida, entre blogues dos chamados frequent flyers, como das mais baratas na travessia do oceano… não tendo uma estrutura de custos baixa ou mesmo low cost.

O que nos leva ao ponto seguinte: a escolha errada da frota, face ao mercado real da companhia. Ao possuir aviões demasiado grandes para a vasta maioria das suas rotas, tem, naturalmente, a necessidade de os encher. Se escolhesse um conjunto de aeronaves mais adequado, ficaria dotada de mais capacidade para obter mais lucro por cada assento vendido, conhecido por yield. O que conta mais? Um avião com 332 lugares e a maior parte deles com um yield baixíssimo, ou um menor número de lugares capazes de assegurar maior lucro? Deixo à sua consideração.

Deste modo, percebe-se como a companhia aumentou tanto o número de passageiros e, ao mesmo tempo, recrutou mais profissionais. Tratou-se, todavia, de um crescimento artificial, insustentável. O médio curso da companhia estava a servir o Longo. E uma tarifa com desconto estaria, supostamente, a cobrir as duas operações. Sem uma capacidade própria de gerar tráfego ponto-a-ponto e premium, de nada vale o modelo hub em Lisboa. E assim também se desmonta mais um mito: o da companhia ter sido “um ativo estratégico essencial para o país, chave para o desenvolvimento turístico”. Como? Ora se fez questão de o seu modelo de negócio assentar em ter Lisboa como plataforma estratégica para o transatlântico, então a grande maioria dos seus passageiros (sobretudo aqueles que aumentaram em tanto número nos últimos anos) simplesmente passam umas horas no aeroporto Humberto Delgado, não visitando o país. E não tentem compensar com o programa “Portugal Stopover”, não só por contribuir com “migalhas”, tendo em conta o panorama nacional, mas também devido a outros detalhes do mesmo, nomeadamente o enorme número de benefícios gratuitos que os passageiros têm em território nacional, levantando questões sobre as reais mais-valias para a economia.

Adiante. Prometendo ao leitor que a minha análise está quase a terminar, nem queria acreditar quando o estimado Tiago escreveu que bastava à TAP ter comprado menos um A321 NEO e o prejuízo teria desaparecido. Não podia estar mais errado! Todos os aviões novos que a TAP recebeu, e é prática comum na indústria da aviação, foram em regime de acordos de leasing diretamente com o fabricante, ou os chamados lessors, que nada mais são que empresas de locação. Além disso, não compreendo como considera irrelevante a TAP ter 100 milhões de prejuízo ou lucro na mesma ordem de grandeza. Desde logo, porque sobre este último, o Estado arrecadaria receita…

Caro Tiago, caro leitor, a TAP não é “too big to fail”. Não defendo que se deva deixar cair a companhia, sublinhe-se. É imperativo que esta se reestruture. No entanto, com tantos vícios do passado, incluindo acordos de empresa, entre outros, mais fácil parece-me seguir o exemplo da Alitalia: fechar e abrir uma companhia nova ao lado. Em Portugal, temos, inclusive, a base organizacional da Portugália, pelo que apenas era preciso trabalhar a partir desta, transferindo recursos para a mesma e fazê-la crescer de forma sustentável, dando lucro. Mas para tal acontecer é preciso muita coragem da tutela. Caso contrário, daqui a alguns anos voltaremos a escrever sobre a TAP e o seu passado, presente e futuro. Um ciclo vicioso…

Para terminar, não posso deixar de escrever sobre o desprezo com que o caro Tiago Mendonça se refere às “Easyjet desta vida”, onde se ganha tanto ou mais do que na TAP, ou cujo produto a bordo, na Europa, se assemelha e torna indiferenciável ao da TAP, tendo vindo progressivamente a ganhar mais quota nos nossos aeroportos, impulsionando positivamente o turismo nacional.

Além disso, se ficarmos entregues “a uma outra qualquer companhia aérea totalmente privada”, talvez esta sirva melhor o mercado ponto-a-ponto no Algarve. E quanto às ilhas, não se preocupe, porque para lá não falta a vontade de voarem companhias “desse tipo”, onde os preços, inclusive, são mais baratos. E não se esqueça: além da TAP, existem outras companhias portuguesas, como a Hifly ou euroAtlantic Airways, com as quais a procura de sinergias ou mesmo fusões poderia ser ideal nestes tempos e nesta indústria. Desengane-se quem considera ser possível atingir os níveis de 2019 em 2022: até os fabricantes e a Eurocontrol, organização europeia de controlo de tráfego aéreo, apontam para 2024 ou mais além.