Vamos votar numa Europa em guerra. A guerra de conquista da Rússia imperialista de Putin contra a Ucrânia não tem precedentes desde a derrota da Alemanha nazi em 1945. Vamos votar numa Europa em que pela primeira vez correntes políticas hostis ao projeto europeu, tal como ele foi sendo contruído no pós-guerra, podem ter mais deputados do que qualquer outro grupo no Parlamento Europeu. Em estratégia é indispensável para o sucesso sabermos em que tipo de conflito estamos, numas eleições europeias em tempos de guerra isso também é fundamental.
Quem manda?
Alguns dos que passaram anos a dizer que a Europa é governada pelos burocratas de Bruxelas agora descobriram que afinal quem manda na Europa é o Conselho Europeu que reúne os 27 chefes de governo democraticamente eleitos nos Estados membros. Mas isso é uma simplificação. Como é uma simplificação dizer que a Alemanha e a França é que decidem. Claro que Berlim e Paris têm mais peso do que outras capitais, quando conseguem chegar a acordo. Mas não há decisões na Europa sem amplas coligações. O Conselho Europeu é, realmente, o órgão mais poderoso. E é suposto ser assim, a não ser que venhamos a optar por um modelo federal. Isso não anula o facto de que o Parlamento Europeu que vamos eleger este fim-de-semana tem um poder crescente. Pode bloquear grande parte das decisões desde o orçamento até aos responsáveis da Comissão Europeia responsável por implementar as decisões dos Estados Membros. Se Portugal tiver bons eurodeputados, com boas ideias, em grupos transeuropeus com peso, eles podem ter realmente influência na agenda da União.
Outra União Europeia?
As sondagens apontam para um risco de subida muito significativa dos extremos. Se essa possibilidade se concretizar no novo Parlamento Europeu o risco de paralisia da União é um cenário provável. É isso que que convém a Portugal? É a melhor opção para a Europa num contexto global temos uma guerra de uma intensidade nunca vista à porta, e no início do próximo ano podemos ter de lidar com Donald Trump, para além de Putin e de Xi? Pode haver quem em Portugal considere que sim. A mim parece-me evidente que será um erro custoso. Um parlamento europeu repleto de putinistas e outros deslumbrados com autocracias e fundamentalismos vários seria uma receita para o desastre neste contexto em que a liberdade dos europeus nunca esteve tão ameaçada desde 1945.
Nos extremos – à esquerda como à direita – há os mais honestos que têm a coragem de dizer abertamente que querem o fim da União Europeia tal como a conhecemos. Muitos, politicamente mais hábeis, juram que não, que só querem mudar radicalmente o que existe, para melhor, claro. Mas alguém acha que é possível alterar radicalmente de um momento para o outro uma UE que demorou décadas a construir com compromissos longamente negociados entre países e correntes ideológicas?
A esquerda radical diz que quer uma Europa dos povos. A direita radical diz que quer uma Europa das nações. Não tenho nada contra povos e nações. Mas isso era o que já tínhamos antes da criação da Comunidades Europeias e da União Europeia para nos dar escala para lidarmos com um Mundo de grandes potências continentais. No fundo o que os extremistas realmente querem é uma União Europeia desfeita à luz dos seus dogmas ideológicos.
Estou a exagerar? Já vimos o resultado da aposta neste tipo de regionalismo ideológico na América Latina. Uma região que tem uma tradição de organizações regionais mais antiga do que a Europa, remontando ao século XIX. É também uma campeã no número de organizações regionais. Qual é o problema? Uma multiplicidade de organizações criadas ao sabor da ideologia do momento, que juntam países ideologicamente alinhados enquanto a moda dura, e ficam esvaziadas quando os governos e as ideologias mudam. Também é revelador que estas organizações regionais por regra não sejam formalmente extintas. Continuam a sobreviver como fantasmas, reduzidas a ineficazes e ocasionais cimeiras. Isso poderá ser apelativo para alguns setores da Europa mais rica. Mas é realmente isso que os portugueses querem? Talvez seja, mas seria um erro custoso.
A falta que um OPNI fará
A União Europeia é um Objeto Político Não Identificado (OPNI), algures entre uma confederação e uma federação, portanto fácil de atacar. Resultado de décadas de inevitáveis compromissos que não deixam ninguém totalmente satisfeito, inclusive a mim. Mas o seu fim teria um custo enorme na nossa capacidade como europeus de defendermos os nossos valores e interesses num Mundo cada vez mais perigoso. Para um país com a dimensão de Portugal o custo seria especialmente elevado. Há muitos portugueses com justificadas razões de queixa. Recordo que muitos europeus também tinham muitas razões de queixa na década de 1930, depois da Primeira Guerra Mundial e da Grande Depressão. O resultado foram escolhas erradas de muitos, apostando em salvadores demagógicos que prometiam soluções simples e apontavam para bodes expiatórios fáceis. O resultado foram ditaduras, a guerra mais destrutiva da história europeia e muitas mais razões de queixa. A história não se repete, mas mostra que a paz e a liberdade não são algo natural e fácil, são uma conquista rara.
A paz e a liberdade precisam de ser defendidas num mundo com cada vez mais potências a gastar cada vez mais em armamento. Precisamos de coordenar a compra de armamento e de empresas para as fabricar, bem como dinheiro para as pagar, idealmente por via de dívida comum que muito facilitará a gestão do nível de investimento necessário. Só assim podemos ter a esperança de dissuadir ditadores agressivos sem termos de nos render à sua chantagem, e evitando ter de entrar diretamente em guerra. Quem não percebe que defender a nossa liberdade é central nestas eleições europeias não percebe a Europa e o Mundo em que estamos a viver.