À procura de uma sandes baratinha para almoço, no meio de um dia de trabalho complicado, o meu colega e eu passámos à porta de uma tasca no Cais do Sodré. A montra atraiu a nossa atenção, no meu caso porque estava lá dentro um prato de jaquinzinhos, e no caso do meu colega, por causa dos torresmos alentejanos numa grande travessa. Estávamos a discutir os méritos filosóficos dos torresmos, que tinham, para mim, a aparência de algo extraterrestre e cheio de banha, quando ouvimos uma pancada assustadora na parte de dentro da montra. Vimos uma mão grande a chamar-nos, urgentemente.
Obedecemos à mão. Era uma mão mesmo grande. “Bora! Sentem-se lá! é p’ra comer, não é p’ra ver! vá!”, disse o dono da tasca, homem de meia idade, alto, com uma grande barriga. Não estava a tentar persuadir-nos. Só não queria ver dois tipos a desperdiçar tempo a olhar para a montra sem gastar dinheiro.
Com uma toalha grande no ombro, trouxe-nos logo um prato de torresmos, e sem mais falas, a ementa, toda escrita à mão em caneta de feltro, indecifrável para quem não conhece a cultura literária das tascas. O meu colega quase morreu de alegria com os torresmos. Comi um ou dois, e eram bons, mas, oh, meu Deus, a banha… desisti. O meu colega pareceu contente com a minha decisão.
Ainda era cedo, antes da uma da tarde, e deixaram-nos estudar a ementa, embora eu soubesse que havia jaquinzinhos. Mas mais perto da uma, o dono da tasca e o seu empregado, um senhor com a mesma idade e um pouco mais de charme, começaram a acelerar, tomaram nota do nosso pedido, e muito rapidamente, sem cerimónias, apareceram os jaquinzinhos e as iscas, enquanto o dono se pôs a limpar uma prateleira de vidro entre as sobremesas e o espelho periscópio, para todos vermos melhor as mousses (já com uma certa idade).
O relógio passou a hora e a tasca ficou cheia de lisboetas que sabem que não há nada melhor do que uma tasca rabugenta com comida de tasca como deve ser. Nada de extravagâncias. Nada de conversas bonitas. Tudo servido em aço inox. Mal comemos, começámos a sentir-nos pressionados para sair, como deve ser numa tasca.
Estávamos a meros metros do mercado, com as suas centenas de turistas a almoçar. Nesta tasca, com os seus mosaicos branco, toalhas de papel na mesa, cadeiras de alumínio, prateleiras de garrafas e recordações de futebol, eu era a única representante do estrangeiro. Foi uma delícia, foi como antigamente. Há poucos dias, fui ao mercado para comprar uns pastéis, e pedi em português. Os dois empregados sorriram, e um disse-me “Finalmente podemos falar português! Não tivemos um único cliente português todo o dia.”
Na tasca, o dono precisava de um novo rolo de papel para pôr na caixa, e com um toque no meu ombro, deixou-me perceber que era preciso eu encolher-me para ele chegar ao escritório-armário que a nossa mesa quase tapava. Pressionados para pedir sobremesa, beber o café escaldante, pagar a conta e sair, lá saímos finalmente, depois do melhor almoço do ano, no meio de um dia difícil.
Viva a tasca!
(traduzido do original inglês pela autora)
Long live the tasca!
On the way to find a quick cheap sandwich for lunch today in the middle of a difficult day of finishing a difficult job, my colleague and I walked past a tasca in Cais do Sodré. The montra caught our eyes. Me because I had spotted a plate of jaquinzinhos, something I love, and he because of a huge dish of torresmos, the kind from the Alentejo, something he is crazy about. We were just standing there discussing the philosophical merits of this kind of torresmos which look like something alien and terrifyingly lard-ridden when there was a terrifying, loud tap on the montra from the inside. We saw a large hand urgently beckoning us in.
We obeyed the hand. It was a large hand. “Bora! Sentem-se lá! é p’ra comer não p’ra ver! vá!”, said the tall, pot bellied middle aged boss of the tasca. This wasn’t some schtick of his. He wasn’t trying to charm us. He just didn’t want these two time wasters to waste any more time looking in his window without spending some money with him.
With his big tea towel slung over his shoulder, he brought us a plate of torresmos straight away without being asked and without any further small talk, and a menu, all handwritten in thick felt tip pen, undecipherable unless you were absolutely au fait with most tasca offerings. My friend almost died with joy at the torresmos. I ate a couple before giving up. They were delicious, but oh, god, all, that, lard… he, of course, didn’t mind my giving up.
It was still early, before one o’clock and at first we were allowed time to consider the menu, although he knew that the jaquinzinhos were a dead cert already. As the clock neared one o’clock, though, he and his colleague, a man of similar age and slightly more charm, started to speed it up a bit, took our order for the jaquinzinhos and some iscas which were both rapidly deposited in front of us, with a couple of imperials while the boss busied himself cleaning a glass shelf that sat between the desserts and the periscope mirror so that we could better see the aged chocolate mousses from down below.
The clock ticked past one o’clock and the place was filled with lisboetas who know that there is nothing better than a grumpy tasca with proper tasca food, and ours was proper delicious tasca food. Nothing fancy, no extraneous and pointless smarmery, everything served on stainless steel, nothing ponced about with. All of this the best thing in the world, and we began to feel ourselves properly tasca-style hurried along.
We were mere feet away from the market with its hundreds and hundreds of tourists having their lunch and yet in this tasca the only non Portuguese was me, happy in this typical place with white tiled walls, paper table cloths, aluminium chairs, shelves of bottles and football memorabilia. It was a delight. It felt like the good old days. Just a few days ago, I went to a stall in the food court of the market to get some pasteis of something or other, and I asked in Portuguese. The staff of two dropped their shoulders in relief and one blurted out “Finally!! we can speak Portuguese to someone! We haven’t had a single Portuguese client all day”.
Back in the tasca, the boss man needed a new paper roll for the till, and by placing his hand on my shoulder let me know that I was obliged to bend over to let him lean over me into his office/store cupboard that our table half covered. Hurried along to order pudding, drink our scalding hot coffee, pay the bill and leave, we left, happy to have had our best lunch all year in the middle of a difficult day.
Long live the tasca.