Bem para lá de um século após o famigerado ultimato inglês, resultante de um tal mapa cor-de-rosa, surgem agora outros ultimatos, tal como aquele que nos foi dirigido recentemente pelo Reino da Suécia (e em tempos pela França), a propósito do regime fiscal aplicável aos residentes não habituais, que colocam Portugal contra a parede no panorama internacional.

Hoje em dia, não se disputam territórios ultramarinos, mas sim contribuintes e a riqueza que estes aportam ao nosso país. Não nos são apontadas espingardas, mas somos confrontados com ameaças de isolacionismo, igualmente indesejável.

Importa, assim, ponderar qual o caminho a seguir: ou marchamos contra os canhões, conforme sugere o épico canto de Henrique Lopes de Mendonça, ou recuamos, tal como em 1890, assumindo a derrota em prol de uma estabilidade concordatária, que embora nos mantenha frágeis, humildes e vergados na humilhação da parca soberania, nos permite sobreviver e continuar a partilhar o convívio dos grandes.

Está, pois, em causa o regime fiscal dos residentes não habituais, em vigor desde 2009, aplicável a contribuintes que não tenham sido residentes fiscais em Portugal nos últimos cinco anos e que passem a sê-lo. Verificadas determinadas condições e pressupostos, os RNHs (na designação comummente utilizada) beneficiam, durante um período de 10 anos, de um regime fiscal privilegiado, que passa pela isenção de tributação de rendimentos obtidos no estrangeiro ou pela sujeição a uma tributação assaz reduzida face àquela que é geralmente imposta aos contribuintes nacionais.

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A aplicação deste regime resulta da conjugação da lei nacional com os acordos para evitar a dupla tributação celebrados entre Portugal e outros países. Ora, no âmbito destes acordos, a tributação de certos rendimentos, tais como as pensões, é, por vezes, atribuída, em exclusivo, ao país da residência fiscal do respetivo beneficiário.

Daqui resulta que, pese embora os rendimentos sejam pagos por uma entidade residente noutro país, apenas Portugal, enquanto país da residência do contribuinte, pode sujeitá-los a tributação.

Estes acordos nunca levantaram problemas de maior gravidade, tendo em consideração que os rendimentos, isentos de tributação no país da fonte, seriam em idêntica medida sujeitos a tributação no país da residência. Seria, pois, à partida, indiferente a um contribuinte ser residente num ou noutro país, uma vez que, a final, acabaria por ser tributado de forma, mais ou menos, semelhante, sem risco para a competitividade fiscal dos países envolvidos.

Sucede que Portugal, numa ardilosa maquinação fiscal, logrou criar um regime que derroga a referida indiferença e que torna verdadeiramente vantajoso a um cidadão de outro país estabelecer residência em Portugal.

Com efeito, ao sujeitar as pensões que a França, a Suécia e outros países pagam aos seus nacionais a uma taxa reduzida de 10% (ou mesmo a total isenção, conforme sucedeu nas adesões ao regime até 2019), Portugal criou um autêntico catalisador que sugou para o nosso país hordas de estrangeiros ávidos de sol, de praia, de boa mesa e, porque não… de uma poupança fiscal assinalável.

E o que ganhou Portugal com isto? Desde logo, a revitalização do mercado imobiliário, uma vez que o regime atrás descrito implica a alteração da residência fiscal para o nosso país, o que deverá ser efetivado através de um contrato de compra e venda de imóvel ou de arrendamento. Por seu turno, ganhará, à partida, o fluxo de capital que é gerado para os nossos bancos. Ganha, igualmente, o consumo que estes nacionais de outros países exercem em Portugal, e que será aqui tributado, designadamente sob a forma de IVA, em regra à taxa de 23%. Por fim, poderá igualmente ganhar no apport de know-how e de qualificação técnica que muitos destes estrangeiros garantem ao vir exercer as suas atividades para o nosso país.

Como é bom de ver, Portugal tem, assim, muito a ganhar com este regime fiscal, motivo pelo qual, e apesar das muitas críticas, especialmente urdidas pelos partidos políticos de esquerda, o mesmo se vem mantendo há já mais de uma década.

No entanto, e conforme inicialmente referido, os países pagadores destes rendimentos, sobretudo pensões, insurgiram-se contra este regime, uma vez que, para eles, o efeito é precisamente o inverso ao acima descrito: perda de receita fiscal, de consumo e de capital financeiro e humano.

É neste contexto que alguns destes países, entre eles a França e mais recentemente a Suécia, ameaçam rasgar os acordos de dupla tributação celebrados com Portugal, o que coloca em causa a estabilidade fiscal dos cidadãos que dispõem de rendimentos em ambos os países, na medida em que, sem acordo, os mesmos ficarão sujeitos a uma inevitável e indesejável dupla tributação e afastados dos benefícios previstos em tais acordos.

Portugal tem, assim, uma vez mais, o difícil dilema entre evitar a espada, revogando o regime RNH, e o arrojo de se manter indefetível às críticas internacionais, assumindo a sua posição de país soberano em matéria fiscal.

Enquanto país periférico e sem recursos, Portugal não deverá, pois, temer gritar “orgulhosamente sós!”, devendo lutar com as armas fiscais que ainda lhe são permitidas e que, na medida do possível, lhe arrogam potenciar a sua economia e a qualidade de vida dos seus nacionais.