Texto publicado originalmente em 2014 e atualizado após a morte de Fidel
As relações entre Estados Unidos e Cuba na última metade de século ficaram criticamente ligadas à da figura máxima do regime cubano: Fidel Castro. Mas se líder da revolução cubana ficou conhecido pela sua oposição ao regime norte-americano, a verdade é que nem sempre foi assim. Mas quando o foi, do lado americano foram muitas as tentativas para o eliminar.
A morte de Fidel acontece depois de se assistir a uma aproximação histórica entre os EUA e Cuba. E um dos lados menos conhecido do líder cubano é o da aproximação inicial aos Estados Unidos. Nem sempre Castro foi um opositor completo ao regime norte-americano. Os arquivos históricos norte-americanos guardam até uma carta do jovem Fidel, em 1940 quando tinha apenas 14 anos (e não 12 como escreve na carta), escrita ao então Presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt.
Na carta (imagem abaixo), Fidel Castro pedia ao líder dos Estados Unidos uma nota de 10 dólares para a sua coleção pessoal, porque nunca havia visto tal nota, admitindo algumas dificuldades em escrever inglês. Castro confessava-se um fã das mensagens de Roosevelt na rádio (algo que viria a fazer também mais tarde, enquanto Presidente de Cuba) e feliz por Roosevelt ser eleito para um segundo mandato.
Castro escreveu a Roosevelt tinha apenas 14 anos. Não sabia muito inglês, mas gostava de o ouvir na Rádio. Fonte: National Archives.
Fidel Castro chegou mesmo a fazer uma visita aos Estados Unidos já como presidente de Cuba, apenas quatro meses depois de tomar o poder, em 1959. Fidel pretendia encontrar-se com Dwight Eisenhower, mas o então Presidente dos EUA não tinha qualquer intenção de se encontrar com o líder cubano e… decidiu ir jogar golfe.
Castro acabou por se encontrar com o vice-presidente, Richard Nixon, que viria a ser Presidente mais tarde, em 1969. E terá desgostado imediatamente de Nixon.
Pouco depois começaria um longo período de tentativas dos Estados Unidos de depor Fidel Castro. Umas delas ficam para a história impressas em livros, gravadas em filmes em Hollywood ou em infindáveis programas no Canal História. A mais conhecida será a invasão da Baía dos Porcos em 1961, com os exilados anticastristas formados pelos Estados Unidos e com o apoio da CIA a tentar derrubar o regime de Castro. A Operação Mangusto, como viria a ser conhecida, fracassou e Fidel Castro declarou vitória contra o imperialismo americano.
Mas o maior pique da tensão entre os dois países foi a Crise dos Mísseis, em outubro de 1962, com John F. Kennedy na Presidência.
Por detrás destes conhecidos episódios, os arquivos históricos norte-americanos revelam uma quase permanente tentativa de afastar Castro do poder em Cuba pelos espiões da agência norte-americana CIA.
Em 1961, a CIA fez uma análise psiquiátrica de Fidel Castro, onde o classificou como “altamente neurótico”, “instável” e “vulnerável a certos tipos de pressão psicológica”. Considerava ainda que “o egoísmo de Castro é o seu calcanhar de Aquiles” e que as suas características “extremamente narcisistas” da sua personalidade permitiam detetar padrões, tanto em caso de vitória, como em caso de derrota. O relatório está disponível nos Arquivos Nacionais dos EUA.
Avaliação Psiquiátrica de Fidel Castro feita pela C.I.A. Fonte: National Arquives. O Documento pode ser consultado na íntegra em anexo à notícia.
Com base nesses padrões, a CIA ordenou o assassinato de Fidel Castro por várias vezes, sempre sem sucesso, mas de formas muito criativas.
Um manual de espionagem, desclassificado há dois anos, revela algumas dessas tentativas, que se seguiram a um dos projetos mais secretos de criação de armas da C.I.A., o MKULTRA. Projeto que chegou ao ponto de testar LSD em cientistas da agência. Um deles, que não sabia que tinha tomado LSD, suicidou-se durante o teste, o que precipitou o fim do teste.
Eis algumas das ideias da CIA para derrubar Fidel:
1) Sprays alucinogénios e charutos: um bioquímico da CIA criou um spray com LSD para espalhar no estúdio de rádio onde Castro fazia os seus discursos e tentar provocar alucinações ao líder cubano. Outra ideia era colocar um químico especial para provocar uma desorientação temporária de Castro durante os discursos em direto para o povo cubano e assim minar a sua credibilidade.
2) Botas contaminadas: Quando Fidel Castro viajava para o estrangeiro deixava sempre as suas botas à porta do quarto de hotel durante a noite para que fossem engraxadas. A CIA desenvolveu um spray com tálio, um químico que provocava, entre outras coisas, a queda de cabelo e da barba. No entanto, depois de criado e testado em animais, acabou por não ser usado porque Fidel Castro cancelou a viagem onde devia ser usado.
3) Charutos explosivos e envenenados: Fidel Castro estava permanentemente a fumar um charuto. A CIA tentou aproveitar esse hábito para eliminar o líder cubano mais que uma vez. Foi criada uma caixa especial para dar a Fidel Castro durante uma aparição num programa de televisão americano. Usava também tálio nos charutos para que ficasse sem cabelo e barba e prejudicasse a sua imagem de homem forte. A ideia foi abandonada porque não era possível garantir que apenas Fidel Castro fumaria os charutos.
Foi também recrutado um agente duplo cubano encarregue de passar a Fidel Castro uma caixa de charutos com a toxina do botulismo, que é fatal. Tudo devia acontecer em fevereiro de 1961, mas também aqui o plano falhou. Os serviços secretos cubanos tiveram informações da tentativa de matar Castro através de charutos e acabaram por criar uma marca própria para Fidel. Assim nasceram os famosos Cohiba.
A CIA também tentou equacionou charutos com explosivos, mas esse plano nunca foi avante.
4) Conchas explosivas: A paixão de Fidel Castro pelas praias cubanas também não passou ao lado da agência americana que, sabendo que Castro gostava de descansar nas praias de Varadero (hoje a estância turística mais procurada por estrangeiros em Cuba), tentou criar em 1963 conchas com explosivos para colocar na praia. Mas o plano também falhou. Os registos falam em motivos técnicos.
5) Calções de banho contaminados: Foi ainda recrutado um agente duplo cubano para trocar os calções de banho de Fidel Castro por uns contaminados com o germe da tuberculose e outros com uma doença de pele sem cura. Mas o agente duplo acabou por falhar e entregou uns calções de banho normais ao líder cubano.
6) Caneta envenenada: Um agente cubano foi recrutado em Paris para tentar assassinar Castro com uma caneta que tinha na verdade uma seringa cujo contacto com a pele provocava a morte imediata. O plano foi concebido em 1963. Quando o agente se apercebeu da morte de Kennedy, em novembro desse ano, acabou por se livrar da caneta antes do regresso a Cuba.
A caneta envenenada como desenhada no manual desclassificado da CIA
A lista de tentativas é longa e os arquivos contam muitas histórias, mas em 1976, uma década depois, o Presidente Gerald Ford decidiu proibir os assassinatos políticos. Fidel Castro, sobreviveu a todas estas tentativas, até morrer de causas naturais este sábado, dia 26 de novembro, aos 90 anos.