A partir do primeiro domingo a seguir ao Carnaval e durante seis semanas, os cristãos preparam as festas solenes para a Páscoa, que dura oito fins de semana. É a época da Quaresma, uma altura de sacrifício, reflexão e de devoção para todos os crentes na Bíblia Sagrada. O Observador explica-lhe a versão bíblica dos factos, a busca pela Vera Cruz e o simbolismo por trás do coelho e dos ovos de chocolate.
A história da Páscoa, segundo a Bíblia Sagrada
A última ceia
Na última noite antes da celebração da Páscoa, Jesus juntou-se num jantar com os seus discípulos. Esta reunião corresponde à noite de quinta-feira santa. Segundo a Bíblia, Jesus terá sugerido que sabia que um dos seus seguidores mais próximos iria revelar a sua localização aos fariseu: “em verdade vos digo que um de vós me há-de entregar!” e revelou a sua identidade quando entregou a um dos discípulos o único pedaço de pão ensopado em vinho: tratava-se de Judas Iscariotes.
O discípulo Judas saiu muito pouco tempo depois carregando uma bolsa com dinheiro. Após deixar alguns conselhos aos seus restantes discípulos, Jesus também saiu. Simão Pedro questionou o seu líder sobre o lugar para onde se dirigia e foi nesta altura que Jesus assumiu: Pedro havia de o negar três vezes antes de amanhecer. Entretanto, deixou também uma mensagem de esperança para os seus seguidores: “não vos deixarei órfãos; Eu voltarei a vós!”.
Monte das Oliveiras
Jesus dirigiu-se então para o Monte das Oliveiras com os seus discípulos e ordenou-lhes que não dormissem, mas que passassem a noite a orar para que “não caiam em tentação”. Depois, afastou-se dos seus seguidores e terá pedido a Deus que afastasse dele “este cálice”. Ouvindo estas palavras, Jeová terá enviado um anjo para junto do seu filho, que estava num grande sofrimento físico. Entretanto, os discípulos haviam adormecido enquanto oravam.
A decisão
Judas revela a identidade de Jesus quando o beija na face. É imediatamente preso no Jardim de Getsemani, de onde os fariseus o levam para confrontar os seus líderes, debaixo de acusações de blasfémia. E os líderes religiosos reafirmam a sentença de morte.
Pôncio Pilatos era o imperador do Governo Romano na Palestina. Cabia-lhe a ele decidir entre a crucificação ou a libertação de Jesus, mas a opinião do povo estava demasiado dividida e Pilatos não queria tomar mais uma decisão que pusesse o seu lugar político em risco. Por isso, o imperador remete a decisão para o rei Herodes, que devolve o caso para Pilatos. Foi então que o público foi consultado: deve Jesus ser morto em vez de Barrabás? O povo disse que sim. E o destino de Jesus foi traçado.
Paixão de Cristo
Jesus é entregue à violência dos soldados romanos e é brutalmente espancado e flagelado. Pilatos trava as agressões e volta a apresentar Jesus ao povo, procurando saber se o sofrimento a que o líder dos cristãos tinha sido submetido era suficiente para castigar os crimes de blasfémia. Não era: “crucifica-o!”, gritou o povo. E Jesus foi apresentado à cruz onde ia entregar a vida por amor ao próximo e para garantir a esperança de renovação humana, de acordo com as crenças cristãs.
Desde o centro de Jerusalém até ao chamado Lugar da Caveira, Jesus foi de novo flagelado continuamente e coroado com espinhos, numa atitude irónica dos romanos pelo facto de os seus seguidores o considerarem “o rei dos judeus”. Foi apedrejado, suportou chicotadas e foi obrigado a carregar às costas a cruz. Uma vez no monte, Jesus foi pregado à cruz nas mãos e nos pés. Pediu água: deram-lhe vinagre. E sucumbiu à morte, perante a agonia dos seus discípulos e da sua família.
A ressurreição
Jesus é sepultado, depois de três dos seus discípulos terem pedido a Pilatos autorização para levar o corpo do seu líder e de o líder dos judeus ter sido envolvido numa toalha de linho. Era sexta-feira.
No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo e estranhou quando viu a pedra movida. Perplexa, a mulher chamou Simão Pedro e outro discípulo, “o que Jesus amava”, segundo a Bíblia. Disse-lhes que o túmulo estava vazio e que não sabia onde poderia estar o corpo. Quando chegaram ao local, encontraram apenas os panos de linho onde Jesus tinha sido sepultado.
Inconformada, Madalena chorava à entrada da sepultura. Quando voltou a olhar para o local onde estava o corpo do seu Senhor, viu dois anjos. Quando se afastaram, Madalena pode ver de novo Jesus que a reconfortou dizendo que havia ressuscitado e que ia para junto de Deus. Mais tarde, Jesus materializou-se perante os discípulos.
A história que a cruz carrega
Sacrifício. Devoção. Derrota. Paixão. A cruz transporta um significado muito vigoroso na cultura cristã, mas foi durante muito tempo remetido para a sombra. Agora, a história por trás da cruz renasceu das cinzas, pelo menos durante breves momentos: em julho de 2013, uma equipa de arqueólogos turcos encontrou um cofre numa igreja com 1350 anos que parece conter uma parte da cruz onde Jesus foi pregado. Segundo a CNN, a descoberta foi conseguida pelo trabalho da historiadora e arqueóloga Gülgün Köroğlu, mas o entusiasmo rapidamente deu lugar à desilusão: o cofre estava afinal vazio.
A cruz de Jesus é um dos símbolos da perseguição que Jesus de Nazaré sofreu antes de morrer, aos 33 anos. Em última instância, é uma insígnia para a fé que é nutrida por 2 mil milhões de pessoas em todo o mundo. Mas será possível encontrar partes da cruz 1982 anos depois da morte de Jesus? Ou os anúncios que são feitos a estas pessoas procuram apenas alimentar uma reconfortante convicção?
Em busca da Vera Cruz
Tudo começou no império romano de Constantino, o primeiro líder a converter-se ao cristianismo e que mandou a mãe, Santa Helena, para a terra santa com a missão de procurar objetos que tenham pertencido a Jesus. Quando a mulher chegou a Jerusalém, encontrou o país ainda devastado pela guerra que os judeus travaram. Depois de derrotar Israel, o imperador romano Adriano levantou um templo pagão por cima do sepulcro de Jesus, o que constituiu um grave insulto aos fiéis do Cristianismo.
Então Helena ordenou a destruição desse templo e começou a procurar relíquias que pudessem pertencer a Jesus de Nazaré. Entretanto, os seus trabalhadores anunciaram a descoberta de três cruzes, em conformidade com os Evangelhos, o que indicou que Jesus foi crucificado entre dois criminosos. O objetivo agora era descobrir qual delas pertencia ao filho de Deus.
O historiador Rufino de Aquileia relatou que Helena levou uma mulher à beira da morte para o local da descoberta, numa experiência para encontrar a Vera Cruz. Pediu então à moribunda que tocasse uma das cruzes e nada aconteceu. Ao tocar a segunda cruz, o seu estado não melhorou. Mas o historiador conta que, ao tocar a terceira cruz, a mulher recuperou. E toda a gente acreditou que aquela seria a Vera Cruz.
Helena dividiu a cruz: uma parte permaneceu em Jerusalém e outra terá sido transportada para a Europa. E uma vez nestas bandas, o que restava da cruz de Jesus foi segmentada em porções tão pequenas que John Calvin, um teólogo francês do século XVI, disse: “se todas as peças pudessem ser encontradas e unidas, formariam um grande navio de carga. E mesmo assim, os Evangelhos testemunham que um único homem conseguiu carregá-la”.
Crucificações: um silêncio ensurdecedor da arqueologia
Não há registos bíblicos do aspeto da cruz, mas haverá forma de o revelar? A ciência debruçou-se sobre esta questão. No século XIX, o arquiteto francês Charles Rohault de Fleury determinou que a Vera Cruz pesaria quase 75 quilogramas e mediria entre três e quatro metros de altura. A haste onde foram pregadas as mãos devia ter dois metros de comprimento. E perante as análises que fez aos pedaços da Vera Cruz a que teve acesso, Fleury concluiu que ela seria feita de madeira de pinheiro.
Ao microscópio foram também analisadas quatro porções e entre dez que pertenciam à Vera Cruz e que vinham acompanhadas por documentos do Império Bizantino. A origem desses pedaços estava nas igrejas mais significativas da Europa: Santa Cruz (Roma, em Itália), Notre Dame (Paris, em França), Catedral de Pisa e de Florença (em Itália). Mas os cientistas descobriram que essas porções eram de madeira de oliveira.
A lacuna de material da época da crucificação de Jesus é uma realidade no trabalho dos arqueólogos. Algo inacreditável, já que o modo como o profeta cristão perdeu a vida não era inédita para aquela altura: houve alturas na história de Jerusalém que 500 pessoas eram mortas pregadas a uma cruz. Na verdade, a primeira – e única – evidência deste modo de punição foi descoberta apenas em 1968, quando um grupo de arqueólogos encontrou um osso de calcanhar de um homem crucificado.
Israel Hershkovitz, do Museu Israelita em Jerusalém e professor de anatomia e arqueologia na Universidade de Tel Aviv, revelou que estas amostras foram encontradas numa zona de enterro de judeus num subúrbio a norte de Jerusalém. E acrescentou que nesse local estava a colina onde os romanos praticavam as crucificações.
As análises ao osso deram um nome ao homem que deixou uma pista no caminho em direção à Vera Cruz: Yehohanan teria por volta de 25 anos e terá nascido no seio de uma família com posses, já que não era comum que as famílias menos abastadas pudessem pagar um enterro. A exceção talvez tenha sido o corpo de Jesus, cujo enterro foi financiado por José de Aritmeia.
Quanto à composição da cruz, Hershkovitz não crê que ela fosse feita de madeira de oliveira: esta árvore era demasiado fundamental na alimentação da época para ser desperdiçada nestas punições. Nem a sua robustez era suficiente para suportar o peso de um humano.
Os pedaços de Vera Cruz multiplicaram-se ao longo do tempo. Existem amostras da cruz em Itália, Espanha, França e até na Pensilvânia. E até no site de compras online eBay pode encontrar anúncios que clamam possuir partes da Vera Cruz, acompanhadas inclusivamente com documento a atestar a sua suposta autenticidade.
De que toca saiu o Coelho da Páscoa?
Antes de saber a origem da personagem do Coelho da Páscoa enquanto símbolo da celebração moderna desta data, convém começar pela origem etimológica da palavra. É que “Páscoa” vem do latim Pascae e do grego Paska. Mas a origem mais remota vem dos hebreus, onde Pesach significa literalmente “passagem”. A escolha da palavra não é estranha: para os cristãos, a celebração da Páscoa marca a esperança de uma nova vida, um recomeço e a crença tanto na ressurreição, como na segunda vinda de Jesus à Terra.
Mas a Páscoa não é uma festa exclusiva dos cristãos e tem importância para o Judaísmo também. Esta celebração marca a libertação dos judeus, quando saíram de Jerusalém onde estavam aprisionados. Liderados por Moisés, os judeus atravessaram o Mar Vermelho, conforme escrito no livro Êxodo, no Antigo Testamento da Bíblia Sagrada. Isto aconteceu por volta de 1250 a.C., muito antes da história da morte de Jesus.
Ora, o coelho é símbolo da fertilidade porque se reproduz em grandes quantidades num curto espaço de tempo. É preciso lembrar que a época em que se desenrolaram estes acontecimentos foi marcada por altas taxas de mortalidade. O coelho veio significar o nascimento, a perpetuação da vida, à semelhança dos valores celebrados durante a Páscoa.
O chocolate surge na mesma lógica de renascimento e de esperança. E o facto de vir acompanhado com uma surpresa representa a alegria e a expectativa. A própria forma de ovo vem exprimir a forma primária de vida, o reinício. A união dos dois conceitos terá acontecido na cozinha das pastelarias francesas no século XVIII ou durante a revolução industrial do século XIX.