Circula nas redes sociais uma publicação que alega que o Papa Francisco sugeriu que os católicos podem comer “o que quiserem na Páscoa”, porque “o sacrifício não está no estômago, mas no coração”.

Segundo o texto atribuído ao Papa, os católicos “abstêm-se de comer carne, mas não falam com os irmãos ou familiares, não vão visitar os pais ou pesa-lhes atendê-los”.

“Não partilham a comida com os necessitados, proíbem os filhos de verem o pai, proíbem os avós de verem os netos, criticam a vida dos outros, espancam a mulher, etc.”, diz ainda o texto. “Um bom churrasco ou um guisado de carne não vai fazer de você uma pessoa ruim, assim como um filé de peixe não vai fazer de você santo.”

O texto atribuído ao líder da Igreja Católica acrescenta ainda que é “melhor procurarmos ter um relacionamento mais profundo com Deus através de um tratamento melhor ao próximo”. “Sejamos menos soberbos e mais humildes de coração”, termina o texto.

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Trata-se, contudo, de uma publicação falsa. Este texto não é do Papa Francisco — apesar de o chefe da Igreja já ter, no passado, sublinhado a importância da coerência entre as práticas religiosas exteriores e as verdadeiras intenções de cada um.

Esta não é, aliás, a primeira vez que circulam informações falsas sobre o Papa Francisco e a prática do jejum na Igreja Católica. Em fevereiro, o Observador já tinha desmontado uma outra publicação falsa, que alegava que o Papa tinha proposto “15 ações de caridade” para substituir o jejum na Quaresma.

Agora, este novo texto, com um conteúdo semelhante, mas com palavras ainda mais explícitas — como, por exemplo, a referência ao “bom churrasco” e ao “guisado de carne” — também está a ser atribuído ao Papa Francisco em diferentes publicações.

De acordo com a AFP, este texto já circula nas redes sociais pelo menos desde março de 2018 — e, anteriormente, já foi atribuído a diferentes figuras, incluindo pelo menos dois padres sul-americanos.

Segundo aquela agência, a primeira referência ao texto é em espanhol e surgiu em março de 2018 na Argentina.

Notícias de vários meios de comunicação social argentinos (exemplos aqui, aqui e aqui) dão conta da controvérsia gerada pelas palavras ao padre Rubén Capitanio, à época pároco na paróquia de Nossa Senhora de Luján de Centenario, na cidade de Neuquén.

“Sou sacerdote católico. Na Semana Santa, come o que quiseres ou o que puderes. A vida cristã não passa pelo estômago, mas pelo coração. Se queres fazer sacrifício, abstém-te de ser indiferente sem te comprometeres com os que sofrem”, lê-se no texto que o sacerdote terá publicado na sua página do Facebook.

Segundo as notícias publicadas na altura pelos jornais argentinos, a publicação do padre Rubén Capitanio foi partilhada milhares de vezes e provocou grande polémica, atraindo comentários ferozes a favor e contra o conteúdo do texto.

A publicação de Capitanio, porém, já não se encontra disponível na internet. Restam apenas capturas de ecrã feitas por meios de comunicação argentinos na altura.

Apesar de aquela poder ser considerada uma eventual origem do texto que tem sido difundido nas redes sociais, a verdade é que a formulação não corresponde exatamente à publicação agora atribuída ao Papa Francisco.

Ainda de acordo com a AFP, o texto surge também noutra controvérsia ocorrida em 2022, desta vez no Uruguai.

O texto agora atribuído ao Papa Francisco circulou na altura nas redes sociais em língua espanhola, mas com a autoria atribuída ao padre uruguaio Juan Andrés Verde, um célebre jovem sacerdote daquele país, bastante ativo nas redes sociais, mais conhecido por “Gordo Verde”.

Quando a publicação começou circular nas redes sociais, o sacerdote recorreu ao Twitter para alertar os seus seguidores para a falsidade da publicação. Garantiu que não tinha sido ele a escrever aquele texto, embora tenha admitido que partilhava, pelo menos parcialmente, do “espírito” da publicação.

Verde disse mesmo que “comer um assado não nos torna más pessoas e comer pescada não nos faz santos”.

Para tirar as dúvidas sobre se o texto é ou não da autoria do Papa Francisco, basta fazer uma pesquisa no site do Vaticano, onde estão arquivados todos os textos, documentos, discursos, mensagens, intervenções e publicações do Papa. Não há qualquer vestígio destas declarações em mais de dez anos de pontificado.

Como o Observador recordou em fevereiro deste ano, há pelo menos uma ocasião em que Francisco abordou este assunto em termos que, remotamente, podem assemelhar-se ao espírito desta publicação.

Foi no dia 20 de fevereiro de 2015, quando o Papa Francisco apelou, na homilia da sua missa diária na Casa de Santa Marta, à coerência dos católicos. “O verdadeiro jejum não é somente exterior, uma lei externa, mas deve vir do coração”, disse Francisco na ocasião. “Não é somente deixar de comer carne sexta-feira, fazer alguma coisinha e depois, deixar aumentar o egoísmo, a exploração do próximo, a ignorância dos pobres.”

Francisco também criticou a piedade “formal” daqueles que são como os fariseus da Bíblia: “Fazer muitas observâncias exteriores, mas sem a verdade do coração.”

Conclusão

Trata-se de uma publicação falsa. O texto já circula há vários anos na internet e já foi atribuído a diferentes pessoas. A sua origem poderá, eventualmente, estar numa publicação semelhante feita por um padre uruguaio em 2018, mas nem isso é certo. Não há qualquer rasto destas declarações no site do Vaticano e não é conhecida qualquer afirmação do Papa Francisco neste sentido — embora o Papa já tenha apelado à coerência dos católicos entre as práticas religiosas exteriores e a “verdade do coração”.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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