O título dizia tudo: “A comunicação social espanhola está encurralada entre o governo e as dívidas”. A reportagem, que saiu no The New York Times na semana passada, lembrava a imposição da polémica Lei Mordaça em Espanha, citava um relatório que apelava ao aumento da liberdade de imprensa e, sobretudo, destacava as “pressões menos óbvias” aos meios de comunicação. Em suma, dava conta de um panorama mediático espanhol cada vez mais condicionado pela situação económica dos grandes grupos e pelas pressões do governo de Rajoy para que diversos escândalos de corrupção não sejam investigados.

No texto, o The New York Times cita Miguel Ángel Aguilar, jornalista que trabalhava para o El País há 21 anos e que, em setembro, fundou um semanário, Ahora. “Trabalhar no El País costumava ser um sonho para qualquer jornalista espanhol. Mas agora as pessoas estão tão exasperadas que estão a sair, às vezes com a sensação de que a situação atingiu níveis de censura”, disse o jornalista ao periódico americano, comentando as recentes demissões de dois profissionais do El País. Estes jornalistas saíram do jornal porque não gostaram de ver as alterações que os editores fizeram a textos seus sobre as relações da Telefónica com o governo.

A reação do El País foi feroz. Miguel Ángel Aguilar foi despedido na terça-feira, escassos cinco dias depois da reportagem crítica. O fim da coluna que assinava desde 1994 fez-se com dureza. “O José Manuel Calvo, que manda na opinião, disse-lhe que, para o libertar da pressão que denunciava no artigo do The New York Times, a coluna dele ficava suspensa”, relatou uma fonte do jornal ao site InfoLibre. Já esta sexta-feira, Aguilar aconselhou os responsáveis do El País a “escutarem o que se está a passar” e afirmou que “as instituições tornam-se grandes quando aceitam gente crítica, divergente e dissidente”. 

Na quinta-feira, nova reação. O suplemento que o El País distribuía todas as semanas com reportagens do The New York Times foi suspenso a título definitivo. E, nesse dia à noite, a Associação de Editores de Jornais Espanhóis (AEDE) lançou um comunicado a criticar o trabalho do jornal de Nova Iorque. “No seu artigo, faz uma caricatura da realidade informativa”, lê-se no texto, que descreve Espanha como “um país caracterizado pela pluralidade democrática”, onde as redações funcionam “como consciência crítica do poder”. 

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Uma missão que foi se notou especialmente durante os anos da crise, quando o questionamento das estruturas tradicionais foi especialmente intenso por parte dos meios de comunicação”, realça o comunicado.

Saliente-se que a AEDE é presidida por um administrador da Prisa, empresa que detém o El País (e, em Portugal, três canais de televisão, cinco estações de rádio, três sites noticiosos e uma empresa de produção audiovisual). E é precisamente para este ponto que alerta o El Español, projeto editorial do ex-diretor do El Mundo, Pedro J. Ramírez, nascido em outubro. Pedro Jota saiu do El Mundo por alegadas pressões do governo espanhol para que não publicasse o conteúdo de um SMS entre Mariano Rajoy e Luís Bárcenas, o ex-contabilista do Partido Popular envolvido num caso de corrupção.

Poucos exemplos ilustram os problemas da liberdade de imprensa em Espanha como o espetáculo oferecido pelo El País nos últimos dias”, acusa o El Español num texto que funciona como um editorial.

Do El País e do El Mundo, principais jornais espanhóis, apesar do que os responsáveis pelo periódico da Prisa fizeram desde a reportagem do The New York Times, houve apenas uma atitude perante o debate sobre a liberdade de imprensa. O silêncio.