As reformas feitas por Portugal no mercado de energia foram insuficientes e falharam no objetivo de cortar as rendas “injustificadas.” O anterior Governo perdeu uma oportunidade para reformar um setor chave e deixou que as privatizações da EDP e da REN acabassem por condicionar políticas futuras de cortes na energia. O diagnóstico é feito pela Comissão Europeia no relatório de pós-avaliação ao programa de assistência a Portugal e à sua execução.

O ataque às “rendas excessivas” sobretudo no setor da eletricidade dominado pela EDP, que resultam de contratos que garantem remunerações, foram uma das batalhas da troika durante o programa português que terminou em 2014. Agora, a Comissão veio reconhecer que as medidas tomadas pelo anterior Executivo de Passos Coelho falharam nos objetivos de eliminar o défice tarifário, que em vez de baixar, subiu durante a execução do programa, e de conter os preços finais da energia, que continuam a estar entre os mais altos da Europa.

“No final, a implementação das reformas no mercado de energia foi insuficiente e não conseguiu cortar as rendas injustificadas num setor caracterizado por direitos adquiridos e interesses instalados fortes que impedem uma partilha mais equilibrada do fardo do ajustamento. A simultaneidade do processo de privatização (da EDP e da REN) pode ter entrado em conflito com um esforço mais forte para reformar o setor”.

Apesar do setor da energia beneficiar de um enquadramento legal internacional único, o “governo não se empenhou o suficiente e perdeu a oportunidade para reformar de forma mais decisiva este setor chave“.

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De acordo com os economistas da Comissão, que fizeram uma avaliação das políticas e reformas seguidas sob a tutela da troika, o Governo (na altura a coligação PSD-CDS) não realizou reformas decisivas, invocando como justificação os processos de privatização — a venda das participações na EDP e na Redes Energéticas Nacionais foi negociada entre o final de 2011 e 2012 e assegurou um encaixe de 3.300 milhões de euros ao Estado.

Um sinal público dessa falta de empenho foi a demissão do então secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes, precisamente depois de constatar que não iria conseguir levar em frente um corte nas remunerações da EDP e pouco depois de um estudo que promoveu sobre as rendas da elétrica ter sido alvo de ataques públicos por parte do seu presidente executivo, António Mexia.

Sobre o conflito entre privatizar empresas a um bom preço — positivo para o Estado — e cortar custos que são receita e ganhos destas empresas — positivo para a economia, Bruxelas defende agora que as privatizações não deveriam ter definido condições que “deixassem o Governo de mãos atadas no futuro” para adotar políticas de cortes no setor. Recorde-se contudo que a venda das participações do Estado na EDP e na REN foi uma imposição prevista no memorando da troika e defendida em particular pela Comissão Europeia.

Outro argumento invocado pelos responsáveis do anterior Governo foi a circunstância de as tarifas subsidiadas (um custo assumido pelos consumidores) resultarem de anteriores políticas que tinham como finalidade desenvolver a energia renovável. A avaliação de Bruxelas também destaca os frequentes atrasos e o falhanço no alcance de metas negociadas com a troika.

Personalidades ouvidas pelos autores da avaliação qualificaram o alcance e ritmo das reformas como insatisfatório, em particular no que diz respeito ao ataque ao défice tarifário e à redução das “rendas excessivas”. E apontaram o facto de o Governo não ter conseguido vencer os interesses instalados como uma das razões chave para o pouco progresso.

“Enquanto o Governo mostrava eficiência em reduzir os subsídios aos pequenos produtores de energias renováveis, era muito menos eficiente em enfrentar contratos apadrinhados por grandes empresas. Os resultados limitados também pesaram na perceção de uma partilha injusta dos fardos do ajustamento.”

A pasta da energia foi tutelada no início pelo ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, que reivindicou a implementação de cortes de dois mil milhões de euros nos custos da eletricidade. O sucessor na pasta, Jorge Moreira da Silva, a partir de meados de 2013, anunciou cortes de 3.500 milhões de euros.

Durante o período da troika, o preço da eletricidade sofreu aumentos acima dos previstos — o valor da inflação –, para além da subida da taxa de IVA aplicada logo em 2011. A dívida do sistema às elétricas — quase toda à EDP –, divida que resulta do aumento dos preços ser travado por decisão política, só começou a ser investida em 2015. Já este ano, foram adotadas medidas adicionais de corte dos custos que permitiram limitar o aumento do preço da eletricidade a 1,2% em 2017.