A eleição de Mário Centeno como presidente do Eurogrupo matou de vez o “diabo” que a oposição tantas vezes anunciou no hemiciclo. Não se falou em reputação, descrédito internacional, nem em mercados assustados, aspetos que alimentou no passado em tantos debates quinzenais. Mas em tudo o que é Europa — o “diabo” para esquerda — a oposição mudou de bancada. O Bloco antecipou um Centeno alemão, o PEV mais austeridade. O PCP, mais comedido a visar Centeno, não poupou o executivo socialista nas críticas sobre a adesão à Cooperação Estruturada Permanente — a união de Defesa europeia.

Passos Coelho, que fez um dos últimos debates como líder da oposição, não interveio. No entanto, sem lhe ser dada a palavra, exaltou-se com António Costa. Isto aconteceu, precisamente, quando se discutia a confidencialidade do plano nacional de implementação à Cooperação Estruturada Permanente, que aumenta a cooperação em matéria de Defesa entre os membros da União Europeia.

Debate termina com Passos a irritar-se com Costa

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A Europa não vai mudar Centeno. Centeno é que vai mudar a Europa

Catarina diz que quem manda é a Alemanha. O Bloco nem escondeu ao que ia e a líder Catarina Martins felicitou a correr Mário Centeno para logo atacar o Eurogrupo e sugerir que o ministro estaria sempre às ordens de potências como a Alemanha. Começou por lembrar que o Eurogrupo é um organismo “sem regras”, em que a “Alemanha manda”, que “insultou Portugal” e atacou a Grécia. Lembrou ainda declarações do próprio Mário Centeno quando este disse que a União Económica e Monetária “está a criar divergência em vez de convergência”. Perante isto, questionou: “Qual é a estratégia do Governo para essa mudança? Qual é o plano? E qual é o compromisso do ministro Mário Centeno no Eurogrupo para essa estratégia e para essa mudança?”

Costa pegou na deixa e garantiu que não tem memória curta: “Não esquecemos nada do que disse”. É por isso, garantiu o primeiro-ministro, que Portugal “apresentou uma candidatura [à presidência do Eurogrupo].” O primeiro-ministro defende que “é necessário fazer diferente” e admitiu que “numa união a 19 ninguém pode dizer o resultado final”, mas atirou: “Quem não vai a jogo perde a partida. E nós fomos a jogo. Nós vamos a jogo.” O socialista recusa-se a assumir a “posição derrotista” que “na Europa dos 19 só um é que manda.” Daí a candidatura de Centeno: “Para nos batermos pelo euro que queremos, o euro que merecemos e que a Europa precisa”.

Heloísa antecipa mais “submissão”. Com o PCP em silêncio neste aspeto, houve mais um parceiro de “geringonça”, o PEV, que trouxe a eleição de Centeno para o debate. E se Catarina Martins o fez de forma disfarçada, Heloísa Apolónia disse mesmo que se recusava a dar os parabéns a Mário Centeno, já que o PEV está preocupado que a eleição como presidente do Eurogrupo “possa significar uma maior submissão de Portugal às regras europeias”.

Costa, com Centeno, pronto para mudar as regras. Em resposta a Heloísa Apolónia, Costa fez Centeno virar o pescoço. “O senhor ministro das Finanças está hoje aqui, mas não vai falar e eu posso falar por ele: ‘Quanto a Portugal, não muda nada. Temos a nossa política que é a que está no programa do Governo.” O primeiro-ministro voltou a “picar” a oposição com a submissão que prestava a Bruxelas, numa resposta à socialista Idália Serrão: “Ao contrário de outros, que ajoelhavam, nós sempre dissemos que estamos na Europa por convicção, mas também para lutar pelos direitos de Portugal e dos portugueses.” Foi a primeira vez que Costa utilizou a expressão “ajoelhar” e não houve como reação um coro de críticas da bancada direita, que, no Parlamento, entendeu sempre esse termo como uma referência à imagem de Vítor Gaspar agachado para falar com Wolfgang Schäuble (por este ser paraplégico). Mas Costa foi ainda mais longe, dizendo que “o Governo português cumpre as regras” europeias, mas “não desiste de as tentar mudar quando entende que devem ser mudadas”. Ou seja: Costa vê Centeno capaz de influenciar para uma “maior convergência” na Zona Euro.

Passos irrita-se com Costa, que faz queixa a Ferro

Passos enerva-se. Foi já no debate sobre a Europa que Passos Coelho se irritou com António Costa. O primeiro-ministro respondia aos deputados da oposição, Pedro Mota Soares (CDS) e Hugo Soares (PSD), quando disse que o “Governo não vai publicar o plano de implementação nacional” — o documento que demonstra a forma como Portugal participa na Cooperação Estruturada Permanente — alegando que este tem “natureza secreta”.

Aí, Passos irritou-se à séria. Mesmo de microfone desligado, foi bem audível no hemiciclo em quase gritos: “Secreta? Secretas?” Costa, ainda provocou mais: “Ao menos o senhor que foi primeiro-ministro tenha o mínimo de seriedade”. O líder do PSD continuou a questionar o que tinha dito o primeiro-ministro. Costa, no uso da palavra, fez mesmo queixa a Ferro Rodrigues: “Sr. presidente, quando tiver condições para continuar…” Passos Coelho lá se calou, António Costa lá continuou. No fim da intervenção de Costa, o deputado Miguel Morgado fez uma interpelação à mesa para ser distribuída a ata da audição conjunta dos ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, quando Azeredo Lopes se comprometeu a entregar o plano de implementação nacional.

Tudo o que vem da Europa, dá confusão à esquerda. Tal como aconteceu com o Eurogrupo, também a adesão de Portugal à Cooperação Estruturada Permanente é motivo de divergência entre as bancadas da esquerda. O Bloco de Esquerda, através da deputada Isabel Pires, queixou-se (tal como as bancadas da direita) que tem havido muito debate, mas “pouca informação” sobre o processo, o que nada contribui para o “escrúpulo democrático”. E mais: Diz que o processo “indiscutivelmente mal conduzido.” Além disso, “pode não estar escrito em lado nenhum que se transformará num Exército Europeu“, mas o Bloco acredita que é essa intenção de Bruxelas e, por isso, lembrou a Costa: “Os exércitos servem para fazer guerras, não servem para as impedir. Nunca serviram”.

O PCP também se manifestou frontalmente contra este “bloco militar europeu”, que significará sempre uma “perda de soberania” e que pode constituir uma violação da Constituição.

Oposição cavalga caso Infarmed e Costa diz que Adalberto foi “inábil”

Costa admite “erro” do Governo. Assunção Cristas tentou apontar aos calcanhares de Aquiles: Legionela, Tancos, Pedrógão Grande, a intervenção da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no Montepio e, aquele que daria mais que falar: a ida do Infarmed para o Porto. Cristas considerou “lamentável” o Governo decidir a ida para o Porto e “só depois estudar” a viabilidade da solução. Com habilidade, Costa tentou que Cristas assumisse que era contra a ida do Infarmed para o Porto, tal como tinha feito com Hugo Soares.

Na sequência dessa afirmação, o líder da bancada do PSD lembrou que “as pessoas do Norte não precisam de esmolas” e que “estas coisas têm de ser pensadas.” Para o Hugo Soares esta deslocação do Infarmed é mais um dos “números políticos” do primeiro-ministro e acusou-o de ser “muito habilidoso com as palavras”. Costa respondeu que, se há coisa que o Governo não foi neste processo foi habilidoso: “Se o Governo é habilidoso, o ministro foi muito inábil. Se há coisa que o senhor deputado não nos pode acusar é de habilidade. Fomos mesmo inábeis na forma como apresentámos a saída do Infarmed”. Hugo Soares sugeriu a Costa que, se estava com “problemas de comunicação”, podia contratar mais um “focus group“.

“Não é ahhhhh, é óbvio”. Outro dos momentos marcantes do debate foi quando quando António Costa admitiu que o Governo “não devia ter exprimido esta intenção sem antes falar com o Conselho de Administração e ouvir os seus trabalhadores”. A bancada do PSD fez um “ahhhhhh” coletivo. Ao que Costa atirou: “Não é ahhh, é óbvio!

Com ironia, Costa complementou que percebe o espanto da bancada “laranja”, já que os deputados do PSD “estão mais habituados a um Governo que persista no erro e não que reconheça o erro”

Renováveis. Bloco não esquece traição e fala em “República das Bananas”

Bloquistas continuam zangados. A traição — no recuo do PS na taxa sobre as Renováveis — ainda não tinha tido um tête-à-tête entre Catarina e Costa (pelo menos público). Teve esta quarta-feira, no quinzenal. Durante o debate, Hugo Soares tentou explorar este espinho, perguntando porque deu Costa “ordens” à bancada: “Qual a razão para o flick-flack à retaguarda?”, questionou o líder parlamentar do PSD.

O primeiro-ministro respondeu que “não dá ordens a deputado nenhum e muito menos a um grupo parlamentar”, mas admitiu: “Sobre essa medida o que lhe posso dizer é que, quando pediram a minha opinião, eu disse que essa medida não devia ser aprovada”. Costa deu ainda mais argumentos como que “Portugal não deve dar um sinal [aos investidores] de alteração unilateral das regras”.

Catarina ouviu esta frase e não a deixou escapar quando foi a sua vez de intervir. Ora Catarina Martins nega que não se possam “mudar regras contratuais a meio”, já que “foi o que o anterior Governo fez: transformou renda em renda e meia”.

Para a líder do Bloco de Esquerda “não é aceitável que um Estado de Direito não possa alterar contratos para defender quem vive [no país], mas altere em função dos interesses das grandes empresas”. E acrescentou: “Uma República das Bananas é a que faz contratos à medida dos grandes interesses económicos”. Este diferendo não está esquecido pelo Bloco de Esquerda.

A primeira traição na “geringonça” nos dois anos de namoro (e três orçamentos)

A “frieza” de Cristas nos “artigozinhos” em que recorre ao “insulto”

Costa critica forma de estar na política de líder do CDS. Assunção Cristas quis dizer a António Costa, “olhos-nos-olhos”, que se há partido que “tem dificuldades de consensos” é o PS, já que chumbou as 90 propostas do CDS de alteração ao Orçamento do Estado para 2018 na especialidade, num “sectarismo inacreditável numa democracia madura”.

O primeiro-ministro respondeu a Cristas que “estar na política como está, desqualifica-a para qualquer consenso”. António Costa foi mesmo ao ponto de acusar a líder do CDS de fazer uma “desqualificação sistemática dos seus adversários”, lembrando que colocava o BE e o PCP fora do arco da governação. Pior: “Na frieza do seu gabinete que escreve artigozinhos que publica na comunicação, onde recorre ao insulto“.

Costa admite construir barragens em resposta à seca

Jerónimo pede resposta à seca. O líder do PCP, Jerónimo de Sousa, pediu a Costa uma resposta decidida a problemas como a “seca”. Além de elencar as medidas já tomada (como uma linha de crédito garantida de cinco milhões de euros para mitigar os efeitos da seca, abertura de avisos relativos a projetos para distribuição e armazenamento de água, de mais de 13,5 milhões de euros, adiantamento do pagamento de 70% dos apoios comunitários a agricultores, entre outras), Costa enumerou medidas que o Executivo pode ainda vir a tomar:

  • Avaliar a possibilidade de interligação de barragens de maior capacidade com outras de menor capacidade;
  • Avaliar o aumento do armazenamento das barragens;
  • Avaliar as necessidades e possibilidades de construção de novas barragens;
  • Atualizar o Programa Nacional de Utilização Eficiente da Água;
  • Promover a reutilização da água residual de origem urbana que esteja tratada;
  • Definir um plano de contingência e mapear as fontes alternativas de abastecimento de água em casos de emergência.