As plantas de milho que deviam ter a altura de uma pessoa adulta não chegam sequer aos joelhos, no campo experimental da Faculdade de Agronomia da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), em Maputo. Pragas há muitas, mas esta é nova, mais agressiva e resistente: as folhas estão furadas, algumas rasgadas, tal a fúria do bicho que as devora durante noite e que de dia se esconde no fundo da planta, junto ao solo — por isso se chama lagarta do funil do milho.

Domingos Cugala, docente e investigador, mexe com cuidado, mas ao desenrolar o que resta das folhas, esfarela-se o interior daquilo que havia de ser uma maçaroca. São plantas que dificilmente têm hipótese de sobreviver ao ataque da lagarta oriunda da América do Sul e detetada pela primeira vez em África, em 2016, na Nigéria.

No último ano foi dado o alerta na África Austral, onde quase nenhum país escapou ao primeiro embate, receando-se como será este ano o segundo ’round’ de um combate desigual. É que em determinadas condições atmosféricas e de floração, a lagarta pode levar à perda total de explorações de milho, tal como já verificado nalgumas culturas experimentais em diferentes pontos de Moçambique, explicou Cugala.

Com o decorrer do ano de 2017, as províncias de Maputo e Niassa estiveram entre as mais atacadas, com perdas médias a rondar os 65%, acrescentou. O caso “é grave”, refere Domingos Cugala, uma vez que está em causa a base alimentar da maioria da população, que come aquilo que cultiva, num cenário agravado devido à seca dos últimos anos.

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Estima-se que quase um quarto dos 28 milhões de habitantes de Moçambique enfrente insegurança alimentar crónica ou desnutrição, segundo dados das agências das Nações Unidas.

Mohamed Valá, diretor nacional de Agricultura de Moçambique, tem outra leitura: diz que o país “está em alerta”, mas “sem aflição”, porque até ao momento a praga “não é considerada grave”. Ainda assim, ressalva que está em curso “um rastreio muito forte” para haver, “num prazo de dias, uma informação mais fidedigna”.

Na presente época agrícola, que arrancou em novembro, Valá diz que os casos mais severos danificaram 10% das produções afetadas. “Não há um tratamento simples, como há para as pragas anteriores, porque esta lagarta fica escondida no funil, onde é difícil o acesso de pesticidas”, descreve Domingos Cugala.

Como se tudo não bastasse, alguns remédios que funcionam na América do Sul, não têm tido o mesmo sucesso em África, “não se sabe porquê”. “Suspeita-se que esta seja uma subespécie com capacidade para resistir a pesticidas”, acrescenta.

Investigadores por toda a África, como Cugala, estão envolvidos num trabalho em busca de repelentes que sejam mais eficientes e não só — procuram-se também espécies que sejam inimigas naturais da lagarta do funil, assim como pesticidas biológicos, feitos a partir de plantas. Cugala já recebeu informações animadoras de colegas do Benim, mas realça que, depois de encontradas soluções, é preciso que “os governos estejam comprometidos e que haja fundos”.

Mohamed Valá, diretor nacional de Agricultura de Moçambique, diz que o país tem desde agosto de 2017 um plano de ação para atacar a lagarta do funil do milho com 110 milhões de meticais (1.4 milhões de euros) para formação de extensionistas e aquisição de pesticidas, entre outras ações, para um prazo de três anos.

Por outro lado, há verbas do Orçamento de Estado realocadas com a mesma finalidade e aguardam-se apoios de parceiros internacionais.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) prepara-se para disponibilizar 400 mil dólares para combater a nova praga com ações de formação, elaboração de manuais e pesquisa sobre pesticidas biológicos — numa altura em que a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) se prepara também para investir.

A lagarta do funil do milho “tem capacidade de ser muito destrutiva” e o poder de dispersão da borboleta, associado ao movimento da lagarta, pode fazer com que a praga “percorra 100 quilómetros em 24 horas”, realça Pedro Simpson, representante interino da FAO em Moçambique.

Por outro lado, “a seca favorece a praga e já se antevê uma situação de insegurança alimentar nalguns sítios do país, como Gaza”, região do sul de Moçambique onde tem chovido abaixo da média. Enquanto não houver uma receita melhor, ataca-se a praga com a lista de pesticidas que está disponível — mesmo que não seja a mais eficiente, é o que há.

Antónia Vaz, chefe de Departamento de Sanidade Vegetal do Ministério de Agricultura, aposta em ações de sensibilização para divulgar esta lista e mudar os hábitos dos agricultores: “têm que aplicar o pesticida mais cedo, quando a planta ainda está pequenina, e têm que estar mais vigilantes”.

Domingos Cugala dá o exemplo e continua a circular todos os dias entre os milharais e os laboratórios da UEM porque esta é “uma praga que não dá pausas”.