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A eleição de Cavaco Silva e o apoio do CDS

Como se deu o apoio do CDS à candidatura de Cavaco Silva? Que encontros e conversas houve? Qual o papel de Paulo Portas? Um ensaio de José Ribeiro e Castro a propósito das memórias do ex-Presidente.

1. No livro Quinta-Feira e Outros Dias, o Prof. Aníbal Cavaco Silva, sobre a candidatura presidencial em 2005, escreve: “Não pedi o apoio de qualquer partido. Tinha, no entanto, quase a certeza de que o PSD, de que tinha sido presidente durante quase dez anos e era então dirigido por Luís Marques Mendes, e o CDS-Partido Popular (CDS-PP), liderado por José Ribeiro e Castro, acabariam por decidir apoiar a minha candidatura sem colocar qualquer exigência, como veio a acontecer”.

Ao PSD, a candidatura não oferecia dificuldades; seria recebida na base com entusiasmo. Já não no CDS. Mas a síntese do livro também está certa. Devo expor as razões e as circunstâncias por que Cavaco Silva tinha não só “quase a certeza”, mas rigorosamente a certeza do apoio do CDS de que fui presidente. Nada foi uma surpresa.

Eu tinha bom conceito de Cavaco Silva, que conheci como ministro do Governo Sá Carneiro, onde fui secretário de Estado. Cavaco mantivera relação próxima com Freitas do Amaral, líder do CDS, depois de ter saído do Governo. E apoiou prontamente a candidatura presidencial de Freitas do Amaral, em 1985. O apoio de Cavaco a Freitas foi manifestado, abertamente, no Congresso da Figueira da Foz que o elegeria para a liderança do PSD. Havia, por isso, uma antiga proximidade circunstancial: eu era colaborador próximo de Freitas do Amaral e fui o director executivo da sua campanha. Mas outras águas tinham passado, entretanto, pelo CDS. Paulo Portas, director do semanário O Independente, fizera de Cavaco Silva e dos membros dos seus governos o alvo frequente; e essa linha cáustica atraíra seguidores no PP, muitos ainda saudosos. O anti-cavaquismo era um desporto. Por outro lado, o período do “táxi” (CDS reduzido a 4 e a 5 deputados) deixara sabor amargo, sendo o cavaquismo acusado de, através de Dias Loureiro e de outros dirigentes do PSD, procurar arregimentar autarcas do CDS em vários pontos do país, abrindo várias feridas. O tempo tinha passado, não a memória.

O apoio do CDS não era coisa evidente.

Era, para mim, claro que a prioridade estava em travar o galope do PS e da esquerda e reequilibrar rapidamente o sistema político. Nesta perspectiva, Cavaco Silva surgia como a melhor de todas as candidaturas possíveis.

A escolha de apoiar Cavaco Silva

2. Nas eleições legislativas de 20 de Fevereiro de 2005, o CDS caíra para 7,2%; e o conjunto PSD/CDS, que estivera a governar até aí, reuniu o pior resultado desde 1976: somados, 36,0%. O segundo pior aconteceria apenas em 2015, com 38,6%. Em sequência, Paulo Portas, contra a opinião de toda a direcção do partido, incluindo a minha, demitiu-se da liderança do CDS e abriu a necessidade da sua sucessão.

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Essas eleições foram ganhas pelo PS de José Sócrates, que, pela primeira e única vez, conquistou maioria absoluta para os socialistas: 45,0% e 121 deputados, mais 6 do que a metade. Além disso, formou-se, na Assembleia da República, a maior maioria de esquerda de sempre – nunca houve outra assim, nem antes, nem depois. Além do PS, a CDU elegeu 14 e o BE 8 deputados, enquanto PSD e CDS não iam além de 75 e 12 deputados respectivamente. A composição parlamentar ditada era esta: à esquerda, 143 deputados; à direita, 87 – uma acentuada desproporção.

Neste quadro, era, para mim, claro que a prioridade estava em travar o galope do PS e da esquerda e reequilibrar rapidamente o sistema político. Devia ser assim logo nas eleições autárquicas previstas para o Outono; e, obviamente, também nas presidenciais de Janeiro de 2006, decisivas. Nesta perspectiva, Cavaco Silva surgia como a melhor de todas as candidaturas possíveis, perfilando-se como aquele que, caso se candidatasse, tinha condições efectivas para vencer, correspondendo aos anseios profundos do eleitorado do centro e de direita.

Quando apresento uma moção ao Congresso do CDS, a Moção “2009”, fundamento e desenvolvo estas mesmas ideias; e, chegado a este ponto, escrevi: “Para as eleições presidenciais, o CDS deve afirmar uma fundamental posição de responsabilidade e deseja, nessa medida, poder apoiar em comum com o PSD a candidatura que, no espaço à direita do PS, venha a apresentar-se em condições de vencer. O CDS deve contribuir, no espaço próprio da sua influência, para favorecer condições propícias à emergência dinâmica dessa candidatura, que deve desejavelmente inspirar-se em fundamentais propósitos nacionais e patrióticos. A dimensão da vitória das esquerdas em Fevereiro passado convoca o país para a urgente necessidade de reequilibrar o sistema político. É indispensável assegurar que seja eleito [1] um Presidente da República onde o centro, o centro-direita e a direita democrática possam rever-se, [2] um Presidente independente e livre de qualquer estratégia de monopolização do poder político por parte da actual maioria PS, [3] um Presidente capaz de pôr o sistema político ao abrigo de todas e quaisquer pressões radicalizadoras do PCP e do BE, [4] uma figura de estadista capaz de interpretar e de corporizar vastos desígnios nacionais e democráticos. O CDS deve apoiar uma candidatura com este perfil e deve responder claramente à chamada, mobilizando-se para a sua vitória.”

Durante o Congresso, no discurso de improviso sobre umas notas, em que, a 23 de Abril, apresentei a disponibilidade para me candidatar à liderança do CDS, não quis que os congressistas tivessem a mais pequena dúvida sobre o meu pensamento. Disse expressamente o nome de Cavaco Silva: “Vou só dizer alguma coisa sobre a questão das presidenciais. Eu creio que a posição é inspirada pela situação resultante das eleições de 20 de Fevereiro. Como digo na moção, nós temos que ter consciência da situação em que o país está; e a maior urgência, como exprimo, é reequilibrar o sistema político português, evitando que o Partido Socialista concretize uma estratégia de monopolização de todo o poder político. E, simultaneamente, uma vez que nos defrontamos com uma maioria de esquerda maior ainda do que a maioria do PS, precisamos também de um Presidente da República que nos dê garantias de resistir a todas as pressões desestabilizadoras ou radicalizadoras do lado do PCP e do Bloco de Esquerda. Estes são os requisitos essenciais; e, obviamente, uma figura de estadista em que nós nos possamos rever. Esse nome é o do Prof. Cavaco Silva. Tenho que o dizer: desejo que ele possa candidatar-se, porque creio que ele é a melhor ‘chance’ que nós temos de obter um bom resultado nas presidenciais. Tenho que o dizer com clareza”.

Depois de animados debates, os congressistas do CDS, ao aprovarem, nessa madrugada, a minha moção “2009” e ao elegerem, na manhã seguinte, a lista que encabecei como líder, apoiaram e endossaram expressamente esta linha política, por maioria clara. Tratei de executá-la e fazê-la cumprir, como devia.

Estabelecido o contacto, marcámos reunião para o gabinete de Cavaco Silva na Universidade Católica, onde era professor. Foi um encontro muito discreto e muito produtivo. Fiquei com a nítida ideia de que iria candidatar-se

3. Logo a seguir ao Congresso, uma das primeiras coisas que fiz foi reunir-me com o Prof. Cavaco Silva. A questão das presidenciais era ponto fundamental da linha política aprovada. Se Cavaco não se apresentasse, teríamos que repensar todo o problema.

Estabelecido o contacto, marcámos reunião para o gabinete de Cavaco Silva na Universidade Católica, onde era professor. Foi um encontro muito discreto e muito produtivo. Fiquei com a nítida ideia de que iria candidatar-se, ainda que a decisão não estivesse definitivamente tomada – ou não a quisesse revelar já. A sua visão da situação política, económica e financeira do país coincidia muito com a nossa e percebia-se que o animava um forte sentido do dever, nacional e democrático. Transmiti-lhe as minhas ideias como presidente do CDS, assegurei-lhe que teria todo o nosso apoio, caso avançasse, e disse-lhe pensar que nos cumpria contribuir para a criação de condições para a candidatura e a eleição logo à primeira volta.

A conversa correu muito bem, como todas as que mantive. Cavaco escreve no livro que o apoio foi “sem colocar qualquer exigência”. Isso corresponde rigorosamente à verdade; e seria destituído de sentido pensar ou agir de outro modo. A única “exigência” que fazíamos era que ganhasse. A candidatura que encarávamos não pertencia de todo ao quadro das negociações partidárias; era uma candidatura nacional e independente, que mancharíamos e estragaríamos, se se entrasse a pretender negociar isto, aquilo ou aqueloutro. Seria disparatado e pueril escangalhar o alto perfil da candidatura.

Houve, porém, um ponto, que não era uma exigência, mas que abordei logo nessa reunião: a presença do CDS no Conselho de Estado. Quando foi restabelecido na revisão constitucional de 1982, o Conselho de Estado ficou, além dos membros por inerência, com 5 conselheiros eleitos pela Assembleia da República e outros 5 designados pelo Presidente da República. Os 5 da escolha parlamentar tinham o espírito de permitir a representação dos quatro partidos fundadores do regime, nomeadamente pelos seus líderes: o mais votado teria 2 e os outros três teriam 1 cada. O método de Hondt encarregava-se da repartição. Freitas do Amaral foi, assim, eleito em 1982; e Lucas Pires em 1983. A quebra da votação do CDS e, a partir de certa altura, a concentração do peso parlamentar em PSD e PS, alterou esta praxe: o CDS já não elegeu ninguém a partir de 1985; e o PCP ainda elegeu em 1987, mas já não a partir de 1992. Formalmente, era o método de Hondt; mas, a partir de certa altura, PS e PSD fizeram um acordo fechado de lista conjunta, em que os lugares de conselheiros se repartiam em 3 para um e 2 para outro, consoante o mais e o menos votado dos dois.

Dadas as funções do Conselho de Estado, foi-se alargando o sentimento de ser negativa a exclusão dos líderes de partidos com peso político e histórico. Isso levou Jorge Sampaio, no segundo mandato, a convidar os líderes do PCP e do CDS a integrarem o Conselho na sua quota de 5 conselheiros nomeados. Carlos Carvalhas integrou, assim, o Conselho, a partir de 2001. Paulo Portas, declinou. Viria, porém, a integrá-lo, pouco depois, em 2002, negociando com Durão Barroso entrar na quota do PSD – foi o último dos 5 conselheiros da eleição parlamentar.

O Dr. Paulo Portas, deputado, ex-líder e de novo líder a seguir, juntou-se a este movimento, alimentando nomeadamente a ideia de que poderia ser candidato a Belém.

Recordei esta questão a Cavaco Silva e exprimi o desejo de o CDS estar também presente no Conselho de Estado. Cavaco conhecia o problema; e manifestou que, dado o histórico, pensava justo que o líder do CDS fosse incluído no conjunto dos conselheiros de nomeação presidencial, como Sampaio já havia entendido. Ficámos assim. Era cedo para ir mais longe neste ou noutro assunto. A candidatura não estava apresentada – nem sequer decidida.

Trocámos contactos, antes de nos despedirmos com cordialidade e proximidade. Combinámos comunicar em caso de qualquer facto relevante, o que não aconteceu muitas vezes. Destaco, mais tarde, a informação, recebida ainda com rigorosa reserva, de que se apresentaria a seguir às autárquicas e a indicação, por minha parte, de Miguel Anacoreta Correia ser a pessoa mais indicada para membro da Comissão Política da candidatura – era o meu primeiro vice-presidente no CDS.

Contestação e decisão. A ideia de Paulo Portas candidato

4. Os meses passaram. Aproximaram-se as eleições autárquicas de 9 de Outubro. Cavaco Silva só falaria das presidenciais e da sua candidatura depois daquelas. Enquanto no país era assumido que seria candidato, a pressão aumentou dentro do CDS.

A oposição interna, que se formara a partir do Congresso que me elegera, focou-se em contrariar esta linha política do partido. O Dr. Paulo Portas, deputado, ex-líder e de novo líder a seguir, juntou-se a este movimento, alimentando nomeadamente a ideia de que poderia ser candidato a Belém. O facto surpreendeu-me, pois, nas vezes que falámos demoradamente depois do Congresso ou nos cruzámos em actividades do partido, nunca me deu nota ou sugeriu sequer que tivesse esse propósito ou que a ideia o tentasse.

As vozes engrossaram à beira das autárquicas e com a aproximação do Conselho Nacional em que o CDS decidiria formalmente a sua posição concreta sobre as presidenciais – o que, todos sabiam, só poderia ocorrer depois de Cavaco falar e ser já efectivamente candidato.

Paulo Portas alimentou a ideia de que poderia ser candidato a Belém

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

No fim da primeira semana de campanha autárquica e a uma semana das eleições, Telmo Correia, cabeça-de-lista para a Assembleia Municipal de Lisboa, usa o jantar-comício em Lisboa para lançar o tema da candidatura presidencial de Paulo Portas com apoio do CDS. Foi o destaque das notícias: “Eventual candidatura presidencial de Portas marca quinto dia”. Durante todo o fim-de-semana, a comunicação social não me perguntou sobre outra coisa, o que procurei desviar e não alimentei. Este debate, em cima das autárquicas, prejudicava o partido e os nossos candidatos: introduzia ruído; desviava o foco dos líderes locais, que disputavam eleições muito difíceis e, algumas, renhidas; e era um discurso que, para os eleitores não militantes, gerava desconfiança quanto às presidenciais e favorecia o voto útil no PSD.

Jerónimo de Sousa, logo nesse fim-de-semana, e Mário Soares, mais tarde, não deixaram de pegar no assunto e de o alimentar. Bem se compreendia. Paulo Portas fez apoiar oficiosamente, na mesma altura, essa hipótese. A 1 de Outubro, o Expresso destacava: “Paulo Portas esteve a ponderar nos últimos meses a possibilidade de se candidatar à Presidência”. E, a 7 de Outubro, antevéspera das eleições autárquicas, o Expresso insistia na primeira página: “Portas hesita nos EUA” era o título e noticiava que “Paulo Portas hesita quanto à decisão de entrar na corrida presidencial”.

A oposição interna tentou a convocação simultânea de outra reunião do Conselho Nacional, o que a presidente, Maria José Nogueira Pinto, rejeitou por “não querer transformar o CDS num parque de brinquedos ou num circo”.

5. Passadas as autárquicas, as atenções concentraram-se nas presidenciais. Mário Soares, que recebera já o apoio público de Abel Pinheiro, braço direito da liderança anterior do CDS-PP, continuou a incentivar a candidatura de Paulo Portas. E, a 20 de Outubro, com grande simbolismo, o Prof. Aníbal Cavaco Silva lançava finalmente a candidatura às presidenciais de Janeiro. Acto contínuo, convoquei o Conselho Nacional do partido para deliberar formalizar o apoio cuja orientação política o Congresso definira. A oposição interna tentou a convocação simultânea de outra reunião do Conselho Nacional, o que a presidente, Maria José Nogueira Pinto, rejeitou por “não querer transformar o CDS num parque de brinquedos ou num circo” e qualificando o requerimento de “pura traquinice”.

O Conselho Nacional reuniu, em Coimbra, a 29 de Outubro. A linha de contestação colocara na imprensa dessa manhã a possibilidade de uma crise que conduzisse a um Congresso Extraordinário. A Juventude Popular exigia um referendo interno. A imprensa destacava a oposição de Pires de Lima, Telmo Correia, Nuno Melo, Teresa Caeiro, Álvaro Castelo Branco, João Rebelo. Nessa manhã, o Expresso pôs em primeira página: “Santana sugere alternativa a Cavaco”, citando que Santana Lopes dissera à SIC-Notícias considerar que “faz falta uma outra candidatura à direita na primeira volta das presidenciais.”

Os críticos da minha direcção seguiam três linhas diferentes, mas articuladas: primeiro, a de que, em caso algum, o CDS poderia apoiar uma pessoa como Cavaco Silva, “que tinha feito tanto mal ao CDS”, soando alguns ataques violentos de dirigentes locais; segundo, a de que o CDS tinha a obrigação de apoiar um “candidato próprio”, nomeadamente Paulo Portas, “a quem o partido tanto deve” e que “já tinha dado a entender disponibilidade”; e, terceiro, a posição de recuo, que constava da moção apresentada por Pires de Lima – o CDS só podia “decidir depois de negociar muito bem as condições” do seu apoio.

A minha direcção, começando por mim próprio, foi clara e firme na linha política reafirmada e sua sustentação. Eu não tinha a menor dúvida ou hesitação a respeito do caminho definido, seguido e a seguir. O essencial, retomando a moção aprovada pelo Congresso, estava em não ser o burro de carga das ambições do PS e das estratégias da maioria de esquerda; e, ao mesmo tempo, após a apresentação de Cavaco Silva, não passar ao lado do movimento nacional da sua eleição logo à primeira volta, reequilibrando o sistema político, fortemente esquerdizado desde as legislativas. E, recordando as autárquicas que acabavam de acontecer e a oposição interna usava nos seus ataques, sublinhar que o conjunto PSD/CDS, derrotado em Fevereiro, havia acabado de ganhar as autárquicas, graças às coligações efectuadas (159 presidências, contra 142 da esquerda e 7 independentes), sendo fundamental consolidar esse reequilíbrio com a eleição de uma figura nacional e independente como Cavaco.

Chegada a altura da votação, 60% do Conselho apoiou a minha proposta de formalização do apoio ao Prof. Aníbal Cavaco Silva – 39% dos conselheiros votaram pela moção de António Pires de Lima de “negociação de condições”.

Longe da comunicação social, viria a reunir com ele na residência de Cavaco Silva, na Travessa do Possolo, em Lisboa

MICHAEL M. MATIAS /OBSERVADOR

Acabado o Conselho, pedi de imediato uma reunião pessoal com o candidato. Longe da comunicação social, viria a reunir com ele na residência de Cavaco Silva, na Travessa do Possolo, em Lisboa. Conversámos sobre estes acontecimentos. E combinámos que a comunicação formal do apoio oficial do CDS ocorreria nessa mesma semana, em encontro público na sede da candidatura, em dia e hora a marcar. Aconteceu a 4 de Novembro, na sede do Campo Pequeno, a que se deslocaram o presidente do CDS, eu próprio, e a presidente do Conselho Nacional, Maria José Nogueira Pinto, estando Cavaco Silva acompanhado pelo director de campanha, Alexandre Relvas. Foi um encontro em excelente ambiente e muito boa disposição, no fim da qual destaquei que era uma “candidatura patriótica” e “uma candidatura independente que se coloca num plano nacional para servir Portugal”, correspondendo à “linha política definida pelo Congresso de Abril”. E sintetizei: “Estou reconhecido por Cavaco Silva ter avançado com uma candidatura independente e nacional, na qual o CDS se revê e que convoca a esperança dos portugueses em relação ao futuro.”

6. Com a decisão colegial definitiva e o apoio oficial, contando, com independência, com Miguel Anacoreta Correia e Maria José Nogueira Pinto em órgãos da candidatura, as vozes de contestação dentro do CDS foram-se desvanecendo. Mas houve mais uns ataques. Em meados de Novembro, o líder da JP, João Almeida, anunciou publicamente que “a Juventude Popular não tem candidato” e que iria fazer campanha a explicar por que não tinha candidato. José António Lima, no Expresso, comentou assim: “Órfã de Portas, órfã de um candidato representativo do populismo de direita, a Juventude Popular decidiu contrariar a opção de Ribeiro e Castro e do CDS e não apoiar a candidatura presidencial de Cavaco Silva. Não apoia ninguém. E, mais surrealista ainda, diz que vai fazer campanha a explicar a sua orfandade nas presidenciais. Eis uma Juventude que está ainda ao nível da creche. E que poderá ter em breve a surpresa de ver o seu mentor num ‘flic-flac’ de última hora, tal como fez há dez anos, a apoiar diligentemente Cavaco.”

Assim seria. Quando, em Janeiro, a campanha se iniciou, os humores estavam calmos e quem participava, absolutamente focado na eleição de Cavaco Silva à primeira volta, a imprensa fez-se eco de mensagens de Paulo Portas também estar nessa onda. Também no fim do primeiro mandato, quando se tratou da reeleição e Paulo Portas era outra vez líder do CDS, o apoio da direcção a Cavaco Silva foi linear e expedito, sem contestações emocionadas, nem exigências de negociações e, muito menos, de referendo interno. O normal.

A contestação teve, porém, um custo desagradável para o partido. O CDS tivera historicamente uma presença internacional muito forte, nas uniões de partidos centristas, conservadores e democratas-cristãos. Era um dos nossos grandes capitais, em cuja construção eu também participara nos anos 70, incluindo na fundação do Partido Popular Europeu. Porém, devido a conflitos no início dos anos 90, o PP fora forçado a sair dessas famílias internacionais. Após a reorientação da linha do partido em 1998, o CDS procurava voltar, mas o PSD ocupara, entretanto, os nossos lugares e não facilitava a partilha – antes pelo contrário. Paulo Portas tentara, mas as dificuldades eram muitas. Apenas em 2004 houvera um pequeno avanço, ao aproveitar o facto de CDS e PSD terem concorrido em listas conjuntas ao Parlamento Europeu, favorecendo que, à boleia, reentrássemos no grupo parlamentar do PPE, embora não no PPE em si mesmo.

Quando assumi a liderança, procurei usar a experiência internacional e europeia que tinha para acelerar a resolução desta questão. Defini duas frentes: a IDU (União Democrática Internacional), onde seríamos readmitidos formalmente em Outubro de 2006; e o PPE (Partido Popular Europeu), em que a conclusão do reingresso estava marcada para a reunião do Bureau Político, em Bruxelas, a 9 de Janeiro de 2006. Era a reunião mais sensível, porque aqui estava o PSD. O processo de readmissão tinha avançado muito bem e estava tudo pronto, desde a última reunião preparatória das relações internacionais, em Istambul, a 1 de Dezembro, onde o CDS foi representado pelo Miguel Anacoreta Correia. No planeamento da direcção do partido, tínhamos apontado para esta data, por ser a melhor oportunidade: estando-se em campanha presidencial e apoiando PSD e CDS o candidato Cavaco Silva, seria difícil ao PSD qualquer objecção ou reserva. Aliás, logo na nossa primeira conversa a seguir ao Congresso, pusera Cavaco ao corrente deste propósito – ele não iria obviamente meter-se no assunto, nem eu o pediria, por ser matéria exclusivamente partidária; mas manifestou compreensão e simpatia e tanto me bastava.

Porém, na reunião de Bruxelas, aconteceu o inesperado. Depois de o Presidente Wilfried Martens ter introduzido a questão em tom de apoio e de o esloveno Alojz Peterle ter dirigido palavras elogiosas ao CDS e a mim próprio, o representante do PSD, Mário David, tomou a palavra para dizer que não estava em causa “Ribeiro e Castro, que merece todo o nosso apoio”, mas que o Bureau tinha de levar em conta que “o apoio a Cavaco Silva tinha forte contestação no CDS” e que “a Juventude do PP até anunciou fazer campanha contra Cavaco”. E concluiu: “Ribeiro e Castro com certeza, mas o CDS não é certo”. Pedi a palavra e dei os esclarecimentos que se impunham, insistindo na pertença do CDS ao PPE; mas, ao esboçar-se um pequeno debate, o Presidente interrompeu, para dizer que não íamos prosseguir, havia outros pontos em agenda e, portanto, o assunto voltaria mais tarde.

Nestas reuniões é assim: as discussões são todas antes; e, se surge controvérsia, o que acontece é ou reprovação, ou adiamento. Face aos factos alegados por Mário David, a minha réplica impediu a reprovação. Mas a readmissão, já totalmente tramitada, ficou congelada, à espera de nova oportunidade, que só surgiria anos depois, de novo sendo líder Paulo Portas.

Na campanha, ocorreria ainda um pequeno percalço, que reacendeu a agitação dentro do CDS. Num jantar com apoiantes na Guarda, em 9 de Janeiro, Cavaco Silva teve uma gaffe infeliz, ao referir “o PSD e o outro partido”.

A eleição e o mandato de Cavaco Silva

7. Na campanha, ocorreria ainda um pequeno percalço, que reacendeu a agitação dentro do CDS. Num jantar com apoiantes na Guarda, em 9 de Janeiro, Cavaco Silva teve uma gaffe infeliz, ao referir “o PSD e o outro partido”. Transmitimos prontamente o nosso desagrado, embora não abrindo um caso, como era evidente. Mas tanto bastou para, dentro do CDS, os críticos reabrirem a contestação, com eco na comunicação social e de outras candidaturas, ridicularizando o tratamento do CDS como “o outro partido”. A direcção do CDS não deu troco e tudo se desvaneceria quando, passados dois dias, o candidato nomeou os dois partidos, agradecendo o apoio de ambos. O acertado e bem compreendido, no melhor interesse da candidatura e de todos, era que a presença dos partidos seria muito moderada e a dos líderes apenas pontual. Marques Mendes, líder do PSD, esteve numa iniciativa, num dia de campanha. E eu, como líder do CDS, noutra, em Ponte de Lima, a 13 de Janeiro.

A 22 de Janeiro, Cavaco Silva seria eleito de forma concludente, com cerca de 2.750.000 votos e larga vantagem sobre o segundo classificado, Manuel Alegre. Mário Soares ficou em terceiro. Assim cumpriu Cavaco a única “exigência” que tínhamos: ser eleito Presidente da República e fosse logo à primeira volta.

Cumprimentei Cavaco Silva, nessa noite, no Centro Cultural de Belém, onde a sua candidatura se reunira para a noite eleitoral. E, no dia seguinte, cumprimentei-o de novo em sua casa, onde conversámos sobre diferentes temas. Pedi-lhe, então, que, relativamente ao assunto do Conselho de Estado e aos conselheiros que iria escolher, se alterasse a tradição de que faláramos: não me designasse a mim, líder do partido, mas o meu primeiro vice-presidente, Miguel Anacoreta Correia – era pessoa com vasta e larga experiência em funções nacionais e europeias e sentia que a escolha era devida até em razão da sua maior senioridade e longa dedicação à causa pública. O Prof. Cavaco Silva aceitou a ideia, manifestando apreço por Miguel Anacoreta Correia, que integrara a Comissão Política da candidatura. Assim veio a acontecer.

Presumo, aliás, que o entendimento quanto a este lugar do Conselho de Estado se mantivesse, pois, no segundo mandato de Cavaco Silva, Miguel Anacoreta Correia seria substituído por António Bagão Félix, o que veio a saber pelo Dr. Paulo Portas que o chamou para lhe comunicar tê-lo decidido. Pouco depois, por sinal, ecoou uma querela na imprensa, criticando-se o PSD por não indicar ninguém do CDS para a sua lista de conselheiros a eleger pela Assembleia da República. É facto que o CDS ficou, de 2011 a 2016, sem ninguém no Conselho de Estado. Mas a responsabilidade não foi do PSD. A decisão foi do líder do CDS que, na relação com o Presidente da República, escolheu afastar o conselheiro de Estado que tinha sido vice-presidente do CDS na minha liderança, para indicar um independente da sua escolha.

Voltemos a 22 de Janeiro de 2006.

Foi a primeira vez que foi eleito um Presidente sem a propositura e o apoio do Partido Socialista, assim coroando de êxito a estratégia que eu havia definido para o CDS e conduzido com firmeza, junto com a minha direcção. Menos de um ano depois do desastre eleitoral de Fevereiro de 2005, o sistema político estava reequilibrado.

Ganhámos as autárquicas (embora com resultados fracos nas listas próprias) e ganhámos as presidenciais, contribuindo de forma determinante para a eleição à primeira volta do candidato que queríamos. Os tempos de oposição seriam difíceis e exigentes, mas já não haveria esmagamento sob o PS e debaixo da esquerda com todo o poder.

Olhando para trás, nem quero pensar no que teria acontecido a Portugal, se, por virtude da oposição interna, o CDS tivesse seguido outra linha e Cavaco Silva não tivesse sido eleito Presidente da República.

8. Como presidente do CDS, tive sempre relações muito boas com Cavaco Silva. Relações marcadas por respeito e cordialidade, correcção e impecável lealdade, independência mútua, sentido do interesse nacional e alguma proximidade em temas estratégicos.

Apreciei muito a linha que definiu no seu primeiro discurso como Presidente, inovando nos conceitos de “cooperação estratégica” e “estabilidade dinâmica”, que fizeram correr muita tinta. Revelou, aí, grande visão das circunstâncias de 2006 e imaginação. Até teorizei alguma coisa sobre isso – teria gostado que tivesse levado um pouco mais longe essa linha inovadora, na interpretação que eu dela fazia. Mostrou ainda muito interesse sobre o meu trabalho político pela afirmação internacional da língua portuguesa, tendo querido saber, com pormenor, o que se passava na União Europeia; viria, aliás, a assumir a língua como um dos temas principais da sua intervenção recorrente nos dois mandatos, embora me desapontasse muito num caso concreto já na recta final do segundo mandato.

Depois de deixar a liderança do CDS, mantive as mesmas relações de muito respeito e aberta cordialidade com o Presidente Cavaco Silva, embora naturalmente os nossos encontros passassem a ser menos frequentes. Tirando falhas de comunicação e uma ou outra discordância, que sinalizei e comentei quando relevante, considero que, em geral, Cavaco Silva foi um excelente Presidente da República. Os portugueses também o pensaram, ou não o teriam reeleito.

Não é obviamente isento de erros, como ninguém. Mas o seu posicionamento institucional foi exemplar; e teve, em várias questões políticas sensíveis e na expressão externa do país, sinalizações políticas oportunas e geralmente muito bem calibradas.

No segundo mandato, que já não é da minha responsabilidade, senão pelo meu voto de cidadão, marcou a sua independência em modo singular e assinalável. As legislativas de 2011 conduziram ao Governo PSD/CDS e estávamos sob o memorando da troika, negociado e assinado ainda pelo PS e apoiado pelos três partidos – não se deseja a ninguém governar, nem presidir a um país na circunstância de um resgate como o da troika. E, apesar de estarmos numa circunstância de “maioria, governo, Presidente”, pois Cavaco era da mesma área do Governo, o Presidente Cavaco Silva soube sempre equilibrar proximidade e distância, conduzindo com independência a sua acção e sujeitando vários diplomas ao escrutínio do Tribunal Constitucional, que assim pôde afirmar e proteger a sua jurisprudência. Deu voz também a uma linha bem mais assertiva, e não acomodada, na Europa, nomeadamente num muito importante discurso que fez em Florença no tempo de pico da crise, que é pena que os responsáveis governamentais não tenham seguido na política externa e europeia.

Olhando para trás, nem quero pensar no que teria acontecido a Portugal, se, por virtude da oposição interna, o CDS tivesse seguido outra linha e Cavaco Silva não tivesse sido eleito Presidente da República. Depois da débacle das legislativas de 2005 e com a maior maioria de esquerda de sempre, nem quero pensar o que seria ter sido eleito em 2006 um Presidente da área do PS.

Não quero pensar nisso, nem à luz de tudo o que sabíamos nessa altura, nem sobretudo à luz de tudo o que também já sabemos hoje e tivemos ainda de passar.

Hoje, escreveria exactamente as mesmas palavras e ideias e bater-me-ia com a mesma convicção pela moção “2009”, por que fui eleito líder do CDS. Foi um contributo fundamental.

José Ribeiro e Castro foi líder do CDS entre 2006 e 2007

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