A primeira-ministra conhecida pela frase “Brexit means Brexit” (“Brexit significa Brexit”) declarou publicamente, este domingo, que “Enough is enough” — “É tempo de dizer chega”. Theresa May apresentou as linhas gerais de um plano de quatro pontos sobre como combater o “extremismo islâmico” e garantiu que “as coisas precisam de mudar” para combater uma nova “tendência” em que “terrorismo alimenta mais terrorismo”. Mas o que de novo surgiu no discurso a quente de May, que vai tentar a recondução como primeira-ministra na próxima quinta-feira? Qual o alcance das medidas que propõe? E o que quer Theresa May dizer quando afirma que resolver este problema vai envolver “conversas difíceis e, muitas vezes, embaraçosas”?
O discurso de Theresa May durou oito minutos, precisamente o mesmo tempo que duraram os momentos de terror vividos na capital britânica na noite de sábado — oito minutos entre o primeiro alerta policial e o momento em que o último dos três homens abatidos foram alvejados e caíram ao chão, não sem antes matarem sete pessoas e ferirem várias dezenas. Foram três ataques letais em três meses (em Westminster, Londres, em março; o bombista suicida na Manchester Arena; e o atentado deste sábado), mas Theresa May falou em mais cinco planos “credíveis” que as autoridades conseguiram neutralizar antes que pudessem ser executados. Enough is enough.
“Não podemos fingir que as coisas podem continuar como estão. As coisas precisam de mudar”. De forma sucinta, Theresa May reconheceu que, por muita dedicação e empenho que as autoridades tenham, é impossível garantir que este tipo de ataques irá deixar de acontecer, de tempos a tempos, porque os métodos de planeamento e comunicação entre radicais também mudaram. Os procedimentos policiais e a legislação têm de acompanhar esta nova “tendência” que May denota, em que “terrorismo alimenta mais terrorismo”.
“Vencer esta ideologia é o grande desafio dos nossos tempos. E não é possível vencê-la através de meios militares, exclusivamente. Só iremos vencer quando afastarmos a cabeça das pessoas em relação a este ódio“, afirmou a primeira-ministra britânica acerca do “extremismo islâmico” que teve o cuidado de distinguir como “uma perversão do Islão”.
E como é que se vence este desafio do extremismo de inspiração islâmica? Num tom bem mais duro do que tinha empregado há duas semanas, após os ataques de Manchester, Theresa May lamentou que haja, na sua ótica, “demasiada tolerância para com o terrorismo, neste país”. Assim, avisou: as mudanças pretendidas vão envolver “algumas conversas difíceis e, muitas vezes, embaraçosas”. Na frase seguinte explicou melhor aquilo a que estava a referir-se: “O nosso país tem de se unir, enfrentar este extremismo, e temos de viver as nossas vidas não numa série de comunidades separadas e segregadas mas como um verdadeiro Reino Unido“.
Como recorda a Sky News, este trecho do discurso vem na mesma linha de um importante discurso de David Cameron, em Munique, em 2011, em que o ex-primeiro-ministro afirmou que as várias décadas marcadas por uma “tolerância passiva” em relação ao multiculturalismo tinham fomentado o extremismo e o terrorismo. Theresa May, que foi ministra da Administração Interna de Cameron, tinha entre as suas competências executar o programa Prevent (Prevenir), que passava por tentar evitar que jovens muçulmanos, nascidos no Reino Unido, se radicalizassem.
É difícil avaliar qual tem sido o verdadeiro sucesso desse programa, escreve o The Independent, já que em muitos casos os jovens muçulmanos rejeitam o programa por sentirem que é uma forma de os espiarem. Ao defender que é preciso novas medidas de combate ao extremismo islâmico, May estará a reconhecer que é preciso fazer mais e reforçar o “liberalismo musculado” que ficou desse discurso de David Cameron em 2011. Basicamente, Cameron defendia que o multiculturalismo tinha permitido que se acomodassem diferentes culturas, mas isso evoluiu para se acomodar diferentes sistemas de valores, e isso é uma receita para o desastre.
Essa ideia do choque de valores regressou, este domingo, no discurso de Theresa May. A primeira-ministra diz que a missão é “levar as pessoas a perceber que os nossos valores, os nossos valores plurais britânicos, são melhores do que qualquer coisa que os pregadores do ódio lhes podem oferecer“.
May quer regular o ciberespaço, um “espaço seguro” onde o ódio é difundido
O Reino Unido deve trabalhar, defendeu May, com governos e outras entidades, a nível internacional, para regular o ciberespaço, que dá abrigo a “zonas seguras” de extremismo. Neste segundo ponto, a líder britânica deu a entender que, se for eleita para continuar no cargo que herdou de David Cameron, entre os interlocutores do governo britânico estarão as “grandes empresas” que prestam serviços que acabam por ser utilizados (também) para criar fóruns onde o ódio é difundido e os atos terroristas são planeados.
Momentos após o discurso, Amber Rudd, a mulher que ocupa agora o cargo que May ocupava no Governo de Cameron (ministra da Administração Interna), deu mais pistas sobre os alvos das palavras da primeira-ministra. “Há muita coisa mais que pode ser feita” para evitar a propagação do extremismo nas redes sociais. No programa televisivo Peston on Sunday, Rudd recusou que as empresas de redes sociais de Internet possam lavar as suas mãos da utilização que também é feita das suas plataformas e garantiu que “temos de levar as empresas [de redes sociais] a trabalhar de forma ativa para evitar que as suas plataformas possam ser usadas para radicalizar as pessoas”.
De que se fala, em concreto? Reconhecimento e eliminação de conteúdos e, por outro lado, limitações na encriptação de mensagens. O serviço de messaging WhatsApp, há alguns anos adquirido pelo gigante Facebook, já foi mencionado nas últimas semanas (após o ataque em Manchester) por alguns responsáveis políticos como uma plataforma problemática — o serviço ganhou notoriedade, em parte, pela encriptação das conversações entre os utilizadores. Contudo, controlar uma app ou uma rede social, em particular, arrisca não fazer mais do que levar para outras paragens cibernéticas (outras apps, outros fóruns) quem procura fugir ao controlo das autoridades. Controlar a Internet, como reconheceu a própria Theresa May, precisa de um acordo político internacional.
O programa eleitoral do Partido Conservador contém algumas passagens sobre a intenção de Theresa May de “pressionar as empresas de Internet a cumprirem os compromissos que assumiram no desenvolvimento de ferramentas técnicas para identificar e eliminar propaganda terrorista (página 79, aqui). Ainda no rescaldo do ataque em Londres, um responsável do Facebook garantiu que a empresa está empenhada em tornar as suas plataformas um local “hostil para os terroristas”. Isso passa por uma monitorização algorítmica e, também, por olhos humanos. Mas, além disso, são escassas as medidas concretas que as redes sociais têm oferecido — razão pela qual, aliás, Theresa May quis falar na última reunião do G7 sobre este tema da regulação da Internet.
Prisão para ofensas leves, para tentar “arrefecer” os radicais
O combate ao terrorismo não pode limitar-se, contudo, aos “espaços seguros” que existem online mas, também, aqueles que existem no “mundo real” — esse foi o terceiro dos quatro pontos enunciados por Theresa May. É aqui que podem surgir as tais “conversas difíceis e, muitas vezes, embaraçosas”: “Precisamos de ser muito mais robustos na identificação [do extremismo], em todos os quadrantes da vida pública e da sociedade”, afirmou May, apontando baterias aos bairros segregados que existem no Reino Unido e à necessidade de, também, aí, fazer mudanças de política. Uma das medidas concretas pode passar por obrigar pessoas em risco a mudarem de área de residência, descortinou Iain Duncan Smith, ex-líder do partido conservador, citado pelo The Guardian. Essa é, na realidade, uma possibilidade que pode ser reforçada mas já existe — foi recuperada do controverso (e extinto) regime das “ordens de controlo”: alguém pode ser obrigado a deslocar-se para outro local a uma distância mínima de 250 quilómetros da residência original.
O último ponto de May prende-se com o reforço das medidas de prevenção e investigação de terrorismo, conhecidas no Reino Unido pela sigla TPIMs, o que pode passar pela aplicação de penas de prisão mais pesadas, mesmo para ofensas menos graves. Quem se insurgiu contra esta proposta foi o jornal The Independent que, em editorial, questionou até que ponto isso é uma resposta eficaz a indivíduos e grupos que usam, como um dos métodos preferidos para “semear o pânico” (expressão de May), bombistas-suicidas.
O jornal fez um alerta a Theresa May para, caso seja reconduzida como chefe de Governo, não reagir a quente aos acontecimentos. “Ao tentar reconfortar uma nação nervosa, ela não deve precipitar-se e lançar legislação mal concebida ou iniciativas políticas que podem acabar por revelar-se contraproducentes”, escreveu o jornal. A intenção da proposta de May passará, em parte, por tentar “arrefecer” potenciais processos de radicalização, em que se tenta evitar que alguém que, hoje, difunde uma mensagem de ódio amanhã participe num atentado.
O ex-líder dos conservadores Iain Duncan Smith elogiou Theresa May, pelo discurso e pelo tom utilizado, ao mesmo tempo que se pré-anunciavam medidas de reforço dos poderes das autoridades e da legislação (tudo contingente, é claro, a uma vitória eleitoral do partido que está atualmente no poder). “Julgo que foi uma das declarações mais fortes que a ouvi fazer”, afirmou Iain Duncan Smith à BBC.
Combater o extremismo islâmico pode, também, passar por uma alteração da forma de se fazer política. Um dos comentários de Duncan Smith mais relevantes, e que está relacionado com o aviso feito por May de que a solução para este problema envolverá “algumas conversas difíceis e, muitas vezes, embaraçosas”, é que o ex-líder dos conservadores reconheceu que os líderes políticos do passado poderão ter tido uma atitude demasiado branda em relação a estes temas. “Julgo que, regra geral, nós na política, em todos os quadrantes, temos tido cuidado para não exagerar na reação a estas coisas. Mas julgo que o que May está a dizer hoje é que existe um padrão claro que está a surgir, nestes vários ataques, e portanto precisamos de alterar o nosso comportamento”.
Mas mudar as leis contra o extremismo islâmico não é fácil. Basta lembrar que, também em resposta a um ataque terrorista (2005, em Londres), o então primeiro-ministro Tony Blair asseverou que “as regras do jogo mudaram”. Foi, repetimos, em 2005. Blair anunciou, na altura, um plano de 12 pontos (May anunciou, agora, quatro) mas a maior parte das medidas acabaram por não seguir em frente, quando a poeira assentou.
Blair propôs, por exemplo, que pessoas sob suspeita de ligação a atos ou planos terroristas poderiam ser detidas até 90 dias, sem necessidade de ser produzida qualquer acusação nesse prazo. O parlamento chumbou mas ainda há quem defenda que deve regressar o chamado internment de suspeitos de terrorismo — isto é, a possibilidade de deter pessoas suspeitas, sem prazos para julgamento.
O plano (da então ministra) May, em 2015, para acabar com o extremismo
A própria Theresa May, que ao longo de vários anos ocupou a pasta da Administração Interna, tem no currículo várias medidas com o objetivo de combater o extremismo. Em outubro de 2014, foi incumbida por David Cameron de apresentar uma estratégia transversal para esse efeito. Os planos surgiram em resposta ao escândalo que ficou conhecido como “Operação Cavalo de Tróia“, em que foi revelado que existiu em Birmingham uma tentativa organizada de substituir diretores de escola por pessoas ligadas ao mundo islâmico. Quando o escândalo foi revelado, percebeu-se que responsáveis municipais tiveram conhecimento destes planos, que já vinham de há vários anos, mas preferiram sempre responder-lhes caso a caso, rejeitando sempre que houvesse um fenómeno organizado que tentava islamizar as escolas públicas britânicas. O caso terminou com um relatório em que se concluiu que houve planos organizados, com estas intenções, por parte de pessoas que “não renegam o extremismo“.
Como se combate o extremismo em Espanha?
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Em Espanha, um país com uma grande marca de terrorismo na História recente, o extremismo islâmico ocupa um “exército silencioso” de 3.000 pessoas, conta o El País. Entre essas 3.000 pessoas estão analistas, espiões, agentes de segurança e juristas. Conta o diário espanhol que mais de mil pessoas estão no radar das autoridades. Há mais de 250 pessoas sob investigação judicial concreta e mais de 500 telefones ou telemóveis estão sob escuta constante.
É assim que se quer evitar mais ataques em Espanha, o país onde ainda está bem fresca a memória dos atentados de 11 de março de 2004, em Madrid, apesar de já terem passado mais de 13 anos. Esta equipa já existia nessa altura, com apenas 140 pessoas envolvidas, mas a dimensão multiplicou-se após os ataques de 2004. Ainda assim, o próprio jornal conclui, a partir das fontes com quem falou sobre esta frente de combate anti-jihad, que um novo atentado, algures no futuro, é inevitável — tal é a dificuldade do trabalho de quem pertence a este “exército silencioso”.
Theresa May e a sua “unidade de análise de extremismo” propuseram, em 2015, a criação de uma “lista negra” de tais pessoas, com quem o Estado deixaria de ter relações. O plano, cuja execução, segundo o The Guardian, acabou por ficar aquém do proposto em várias áreas, propunha, também, que o Governo pudesse fechar casas ou estabelecimentos que se determinasse estarem a ser usados por extremistas. E lançou-se, só em 2016, um plano, ainda sem repercussões conhecidas, para analisar até que ponto a lei sharia já tinha penetrado na legislação britânica — uma legislação que deveria, idealmente, “promover os valores britânicos”, defenderam figuras como Michael Gove, ex-ministro da Educação que concorreu à liderança do partido e perdeu para May.
A julgar pelas declarações recentes da primeira mulher muçulmana a ocupar um cargo ministerial (no governo de Cameron), Sayeeda Warsi, o Governo não deixará de ter o apoio dos líderes muçulmanos no combate ao extremismo islâmico porque “é palpável a raiva que existe nas comunidades muçulmanas e o desejo de eliminar o extremismo que existe nas suas comunidades é muito forte”. Este problema só será resolvido, afirmou a muçulmana, “se trabalharmos em conjunto”.
Warsi defendeu, contudo, que não será fácil mudar o pensamento de quem já foi radicalizado, mas faz sentido pensar num reforço das TPIM, as medidas de prevenção e investigação de terrorismo: “Todos temos de ter a garantia de que eles sabem que estão a ser monitorizados, que nós sabemos quem eles são e com quem se estão a encontrar”. Foi esta mesma ex-ministra de Cameron, uma advogada muçulmana, que defendeu que deve ser prestada atenção especial às pessoas que vêm de regiões como a Síria, ainda que tenham lá estado de forma temporária. “Precisamos de saber quem eles são quando entram, precisamos de manter os nossos olhos sobre eles e tem de haver um verdadeiro programa de castigo e reabilitação para essas pessoas, para que não se tornem uma ameaça para a nossa sociedade”.
Nem toda a gente gostou, porém, de ouvir o discurso de Theresa May. Um jornalista da New Statesman criticou a declaração não necessariamente pelas ideias veiculadas, mas sim por serem ideias essencialmente políticas. Por outras palavras, Stephen Bush criticou Theresa May por estar, num dia em que a campanha foi suspensa, a avançar com medidas relativamente concretas sobre como lidar com o extremismo islâmico. May terá ido longe demais, para alguém cuja recondução no cargo de primeira-ministra só vai ser decidido dentro de dias? Ou será que é impossível reagir de forma apolítica a um acontecimento como este?