As eleições de 4 de outubro prometem ser das mais renhidas da democracia. As sondagens apontam para um empate técnico, fazendo com que os cenários até aqui dados como impossíveis passem a ter lugar no xadrez pós-eleitoral. Nesta equação, os novos partidos são uma incógnita com valor, mas sobretudo contarão as movimentações internas nos grandes partidos… e o PCP.

Os dados dos últimos inquéritos de opinião puseram as empresas de sondagens e os partidos a fazer contas de somar. Com uma distância de menos de 2 pontos entre PS e PSD, a distribuição de deputados daria, também ela, um empate: cerca de 100 deputados para cada um; o Bloco de Esquerda reduzido a metade do atual grupo parlamentar (elegeria 4 dos atuais 8, podendo, no melhor cenário chegar aos cinco ou seis); o LIVRE garantiria a eleição de dois, três representantes e o PCP poderia alcançar a vintena – tornando-o um partido de charneira numa possível governação em minoria.

Tendo em conta o equilíbrio que poderá resultar nas eleições de 4 de outubro – apesar de ainda muito poder acontecer como resultado da campanha, dos debates ou de outros imponderáveis -, há cenários novos que, subitamente, se tornaram possíveis a partir da noite de 4 de outubro. Citando Passos Coelho numa recente entrevista ao Observador, “se ninguém tiver maioria, como se costuma dizer, ‘vai ser o diabo’”. Eis as “diabruras” que estão no caminho do Parlamento, na ausência de uma maioria absoluta.

Na aritmética dos resultados, é o cenário mais estável: PS e PSD repetiam o bloco central de 1983 (na ordem que dependeria dos resultados), desta vez podendo levar Portas para essa grande coligação. Do ponto de vista programático, nada o impediria: os três partidos são os mais entusiastas do euro, os que se comprometem com as metas definidas pela Europa – e até os que mais defendem a economia liberal, tal como a conhecemos.

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A aritmética dos números não é, porém, a aritmética política que está em cima da mesa — pelo menos não até agora. A luta pelo voto útil, assim como a visão diferente que a direita e o PS têm em questões estratégicas como o tipo de motor que a economia deve ter (rendimentos ou exportações, p.e), assim como as propostas diferentes em áreas setoriais para a Segurança Social e as privatizações, tendem a afastar Costa, Passos e Portas de um governo único.

Depois de num primeiro momento, numa entrevista ao Expresso no início do ano, Passos Coelho ter dado a entender que a porta estava aberta a uma coligação de bloco central, em maio cortou as asas a este cenário — em entrevista ao Observador e pouco antes ao semanário Sol onde firmou preto no branco que “no atual contexto, não há nenhuma hipótese de um Governo juntando PSD, CDS e PS poder sequer funcionar”. Mas o contexto muda: o contexto externo (resultados eleitorais); e os contextos internos (como possíveis discussões de lideranças nos partidos depois das eleições).

Já António Costa iniciou o mandato no Largo do Rato a pedir maioria absoluta e chegou a extremar essa decisão de recusar uma coligação com a atual maioria por rejeitar juntar-se àqueles que promovem a política de austeridade: “Ou nós ou eles. Esta é a opção”, repetiu este fim de semana, acrescentando que o “país não está à espera nem precisa de um bloco central”. Costa sabe, aliás, que dentro do seu partido essa seria uma opção que não seria facilmente aceite.

Nas contas possíveis de serem feitas nesta altura, uma coligação PS e PSD chegava para a maioria mais do que absoluta, mas o que fazer com o CDS? É possível que social-democratas e centristas se separem assim que terminarem as eleições? Na teoria, sim, o que nos leva ao segundo cenário.

Não é cenário de que Paulo Portas fale. Em campanha, o líder centrista prefere falar da coligação que tem com o PSD, que o PS não serve para aquilo que as pessoas querem. Foi o que disse quando lhe perguntaram na SIC se excluía ir para o governo com o PS. A resposta foi determinada, mas não fechada – “nunca digas nunca”, explica o ditado.

Olhemos, então para as contas das sondagens atuais: Imagine-se que o PS consegue cem deputados e o CDS (que foi coligado com o PSD) consegue eleger 18 deputados – uma possibilidade real tendo em conta o modo como foram construídas as listas da coligação. Bastando 116 deputados para fazer uma maioria, estaria feita a maioria.

E esta união – tal como outras – pode passar por uma entrada no Executivo, reeditando o acordo entre Mário Soares e Diogo Freitas do Amaral em 1978, ou por um acordo estável no Parlamento, que permita ao Governo de minoria PS aprovar os principais documentos na Assembleia da República.

No passado houve um caso, até, mais particular de uma negociação que envolveu os socialistas e um deputado centrista que foi salvando dois orçamentos. Quem não se lembra de Daniel Campelo, nessa altura afastado no CDS, mas logo depois recuperado?

Se uma coligação PSD/CDS ou PS/PSD ou mesmo PS/CDS não seria um caso único, uma união das esquerdas seria, sim, cenário inédito. E por aí, dependendo dos resultados, as possibilidades são mais do que muitas. António Costa começou o mandato no Rato a apelar à responsabilidade da esquerda à sua esquerda e recebeu na volta do correio uma aproximação da plataforma Livre/Tempo de Avançar, liderada por Rui Tavares.

Mas a união com o Livre/Tempo de Avançar de Tavares e Ana Drago parece estar longe de ser suficiente. E aí entra a segunda possibilidade nunca conseguida (ou tentada) antes: a união com o Bloco de Esquerda (necessariamente com um não bloqueio do PCP, que promete ter votos para deitar abaixo quase qualquer governo). O Tempo de Avançar de Ana Drago nasceu aliás de uma cisão do BE por várias discordâncias, a principal das quais o facto de o partido não equacionar a entrada num governo. Nesse aspeto, o atual BE aproxima-se do PCP. Mas a Costa poderia servir que estes dois partidos não bloqueassem o Governo minoritário no Parlamento.

Costa, aliás, tem dito não ter medo deste cenário e acena como exemplo o que já conseguiu na Câmara Municipal de Lisboa, onde já governou com independentes (eleitos no movimento de Helena Roseta) ou logo no início com o PCP, dando um pelouro a Ruben de Carvalho.

Ponto assente: Marinho e Pinto está disponível para fazer coligações. Qual? Pois isso agora depende. Critica Passos Coelho, apesar de lhe reconhecer algumas características positivas, e no caso de Costa é ao contrário: mais severo no julgamento pessoal e mais próximo em algumas ideias políticas.

Pode ser, por isso, uma hipótese de conversa. Marinho e Pinto foi a surpresa das eleições europeias e espera que o resultado se repita no escrutínio de 4 de outubro. As conversas com o PDR (Partido Democrático Republicano) dependem não só da proximidade (ou não) dos programas políticos e das personalidades, mas do número de deputados que possa vir a eleger. Mas para isso, Marinho e Pinto precisa de primeiro acalmar o próprio partido. E ganhar uma visibilidade que as televisões não lhe quiseram dar nos debates. À partida, olhando para as sondagens, não chegará para o PS fazer uma maioria, mas convém olhar para o último cenário deste trabalho para perceber porque convém não excluir nada a esta distância das eleições.

Ora se Marinho e Pinto pode viabilizar um governo minoritário do PS, porque não o da coligação? Nas suas palavras essa é uma ideia que não afasta (como explicado em cima) e tudo depende de negociações e dos deputados eleitos.

Além do PDR, poderá outro ator marcar pontos nestas eleições: o Juntos Pelo Povo. O partido dos irmãos gauleses da Madeira (assim conhecidos por terem saído da freguesia de Gaula) teve um resultado histórico nas eleições regionais da Madeira, conseguiram eleger cinco deputados, e esperam fazer a diferença nas legislativas. Se replicarem o resultado das regionais estarão perto de eleger um deputado dos seis da região e entrar no Parlamento nacional. E com as eleições renhidas, um deputado pode fazer a diferença.

Eis a maior diabrura para Passos Coelho: ganhar as eleições e mesmo assim não formar governo. Estranho? Sim, por cá nunca aconteceu o vencedor das eleições não ser empossado, mas tudo depende do que à esquerda possa acontecer. Este cenário é baseado na premissa de que PSD e CDS juntos ganham, mas sem maioria absoluta — e que, mais do que isso, elegem pouco mais deputados do que o PS.

O que impede António Costa de apresentar ao Presidente da República uma minoria maior que a minoria da coligação? Só a história, o que não é pouco; e a guerra que se instalaria no PS assim que Costa perdesse as eleições.

Mas este cenário menos evidente poderá tornar-se realidade em vários momentos logo a seguir à eleição. São várias as provas que um Governo precisa ultrapassar quando está em minoria, provas que uma coligação das esquerdas pode dificultar (ou mesmo impedir) a partir do dia 1. Tem de fazer passar um Presidente da Assembleia da República, um programa de Governo e depois o primeiro Orçamento do Estado. Três obstáculos duros, já elencados neste outro trabalho por Marcelo Rebelo de Sousa e Marques Mendes, que poderão ditar um novo baralhar de cartas, no início ou num momento (politicamente) mais oportuno da legislatura que se segue.