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O tabu da menstruação. Quem tem medo do período?

As mulheres passam um total de 8 anos com o período, mas continuam a pedir tampões num sussurro. De emojis a baixas para as dores menstruais, o tabu tem consequências e há quem queira acabar com ele.

Bater claras em castelo é sempre uma arte delicada. Implica ter as claras de ovo à temperatura certa, manter a batedeira na velocidade certa, parar na altura certa e até aplicar o truque da pitada de sal no momento mais adequado. E há quem diga – ainda há quem diga – que uma mulher que esteja com o período nunca vai conseguir obter o resultado e virar as claras em castelo sobre a cabeça sem que elas caiam da taça.

Esta é apenas uma das coisas que sempre se ouviu dizer sobre o período. Enquadra-se no mesmo tipo de conhecimento popular que diz que as mulheres com o período não podem amassar pão ou lavar o cabelo. São premissas relativamente inocentes, pelo menos quando comparadas com o chaupadi – a prática hindu que ainda hoje obriga muitas mulheres no Nepal a ficarem fora da sua casa, e a dormir na rua ou em abrigos para animais, durante a menstruação, a fim de preservar a pureza do lar –, e cada vez se levam menos a sério, mas são símbolos de estereótipos maiores com consequências reais na forma como a menstruação continua a ser um tabu no século XXI.

Já não valem exatamente as palavras do Velho Testamento, onde se lê que a mulher com o período fica “impura durante sete dias” e torna impuro tudo aquilo em que toca durante essa fase, mas não foi há assim há tanto tempo que o Instagram eliminou uma imagem partilhada pela fotógrafa Rupi Kaur por não seguir “as normas da comunidade”: era uma fotografia de uma mulher de pijama, deitada de costas na cama, com uma mancha de sangue nas calças e outra nos lençóis.

A fotografia que foi banida do Instagram. © Rupi Kaur

Segundo um estudo da associação Plan International, especializada em questões femininas, os números em 2017 continuam a ser preocupantes: dois terços das mulheres sentem-se desconfortáveis a falar do período com os homens que conhecem (incluindo os pais e namorados), um quarto das mulheres tem vergonha de falar sobre isso com as colegas de trabalho, 50 por cento das estudantes diz que não falaria sobre isso com uma professora e 75 por cento não abordaria o assunto com um professor, e isto é sem sair da Europa. No Gana, por exemplo, 90 por cento das mulheres sente vergonha de ter o período e na Etiópia 51 por cento perde um a quatro dias de escola por mês por estar com a menstruação.

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Dois terços das mulheres sentem-se desconfortáveis a falar do período com os homens que conhecem (incluindo os pais e namorados).

Fonte: Plan International

Se cada mulher tem, em média, 450 ciclos menstruais durante a vida, que é o equivalente a cerca de 3.000 dias (ou 8 anos e meio), e se é provável que neste momento cerca de 800 milhões de pessoas no mundo estejam com o período (sem esquecer que nem toda a gente que menstrua se identifica como mulher), além de estar mais do que enquadrado no funcionamento normal do sistema reprodutivo, os especialistas têm dificuldade em entender que o tabu ainda exista em 2017, e mais dificuldade ainda em perceber o silêncio em torno da menstruação, sobretudo tendo em conta os danos que provoca.

O período pode doer tanto como um ataque cardíaco

Nos filmes, não há mulheres menstruadas. Nos livros infanto-juvenis, onde assuntos mais complexos (a morte, por exemplo) são abordados para preparar as crianças para lidar com eles, não existe o período. E é assim na cultura pop em geral. O que, ainda assim, não tem consequências tão prejudiciais como o facto de a TPM (tensão pré-menstrual) e as dores menstruais serem referidos quase sempre em tom de comédia ou como um capricho de género.

“Essas dores há muito tempo que se limitam a ser levadas a sério apenas entre mães, filhas, irmãs e amigas, em vez de serem alvo de um debate sério e permanente por parte de toda a sociedade”, diz Siobhan Fenton, académica na área da sexualidade, num artigo publicado no jornal britânico The Independent em que defende que o verdadeiro impacto físico do período só não é levado a sério por causa dos estereótipos de género, que fazem com que as dores pareçam um exagero dramático das mulheres.

“Tens um tampão?” Esta é uma pergunta que se faz em voz baixa, ou ao ouvido, com o ar comprometido de quem está a pedir à colega de trabalho uma arma de fogo ou uma droga pesada. 

Segundo um estudo revelado recentemente, contudo, o professor de saúde reprodutiva da University College London John Guillebaud afirma que as dores do período podem ser tão severas “como as de um ataque cardíaco”. “Os homens não conseguem perceber isso e não se tem dado a esta questão a importância que se devia dar. Acredito mesmo que é algo que se devia encarar a sério, como qualquer outra questão médica.”

O tabu que permanece, a vergonha que faz com que as mulheres continuem a tentar esconder que estão com o período e a infantilização social das capacidades dos homens para lidarem com o tema, faz com que se verifique uma lenta e invulgar evolução médica neste campo. “A menstruação é apresentada como um ‘problema de mulheres’, e é enquadrada como uma dor natural, quase mística e sagrada”, completa Fenton.

O desinteresse científico ajuda também a que se criem mitos que podem ter consequências laborais: como a ideia de que o período e as hormonas têm consequências no cérebro da mulher que prejudicam o seu rendimento cognitivo, desmentida num estudo da Universidade de Zurique apresentado recentemente no The Guardian; ou, em sentido contrário, que fazem com que só agora, e apenas em Itália, se comece a falar na Europa sobre o enquadramento legal das dores do período enquanto motivo para pedir um ou dois dias de baixa médica no trabalho.

A catalã Femmefleur criou umas cuecas com um tecido especial que absorve o período e que podem ser lavadas na máquina. © Cocoro

O mesmo desinteresse tem também consequências no conforto diário, e na evolução quase nula das opções que as mulheres encontram para os dias em que estão com o período: pensos, tampões e, mais recentemente, os copos menstruais, são melhores do que toalhas ou folhas (aquilo a que, em várias crises humanitárias, campos de refugiados e sítios isolados se regista que as mulheres têm de recorrer), mas pouco mudaram nos últimos 20 anos. Uma deficiência no mercado detetada pela associação catalã Femmefleur, que criou entretanto as Cocoro – umas simples cuecas com um tecido especial que absorve o período e que podem ser lavadas na máquina, e que só começaram a ser vendidas este ano – e espera que mais pessoas comecem a tomar a iniciativa de criar alternativas mais eficientes.

Um emoji de unicórnio, um coração amarelo e… umas cuecas com sangue

“Tens um tampão?” Esta é uma pergunta que se faz em voz baixa, ou ao ouvido, com o ar comprometido de quem está a pedir à colega de trabalho uma arma de fogo ou uma droga pesada. Já todas as mulheres adultas passaram por isso, num dia em que se esqueceram dos tampões ou dos pensos em casa e foram surpreendidas pelo período. A vergonha é também o sentimento que a maioria das mulheres associa à história do dia em que teve o primeiro período, além de haver estatísticas que mostram que muitas mulheres em idade escolar optam por ficar em casa quando estão menstruadas. E é precisamente por aí que muitos acreditam que deve começar o combate contra o tabu.

Na sequência do já referido estudo conduzido pela Plan International, as mesmas mulheres que disseram que se sentiam incomodadas a falar do período em público mostraram abertura (cerca de 50 por cento) para usar um emoji sobre o período – caso existisse um. E foi assim que nasceu a campanha para criar um emoji que facilite a evolução da comunicação em relação a este tema, já que 92 por cento da população online usa esses símbolos nas suas conversas diárias.

Alguns dos emojis criados pela campanha da Plan International. © Divulgação

Se há unicórnios, cocós sorridentes e alguns emojis que ninguém consegue sequer definir (ou explicar para que servem), e há mais de mil opções de desenhos, a Plan International acha que também pode haver um útero, um penso ou umas cuecas manchadas, umas gostas de sangue e um calendário menstrual. Todas as opções foram a votos nas redes sociais da plataforma e já há uma vencedora: as cuecas com duas gotas de sangue desenhadas. O próximo passo é apresentar a proposta à Unicode, o consórcio que vai decidir que desenhos farão parte do teclado global de emojis em 2018, e esperar que se torne uma opção real.

Há outras campanhas de origem privada a quererem contribuir para este debate em torno da menstruação, algumas mais criativas do que outras. É o caso do Period Game, por exemplo, um jogo de tabuleiro que tem uns ovários rotativos que soltam peças vermelhas ou brancas – tem mais sorte quem recebe uma peça vermelha, porque significa que está com o período. E há empresas que começam, por iniciativa individual, a ter o período em conta na hora de estabelecer direitos para os seus trabalhadores, como a Nike, que instaurou uma baixa menstrual. Mas, ainda assim, os especialistas querem que a luta contra o tabu menstrual dependa menos da rotação de dados e mais da vontade médica e política, até porque as mulheres vão continuar a passar por isso: todos os meses, por todo o mundo, e durante muitos anos da sua vida.

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