De cada vez que publica uma música no Facebook há 1,86 mil milhões de pessoas que a podem ouvir — mais de um quarto da população mundial. Todos os curtos pensamentos que decide partilhar no Twitter podem ser lidos e partilhados por 313 milhões de utilizadores. E cada fotografia que mostra no Instagram, principalmente se tiver uma conta pública, pode ser vista por 400 milhões de pessoas. É este o mundo em que vivemos: ninguém está realmente sozinho. Sempre que, no silêncio do seu quarto, pega no telemóvel para exprimir o que lhe vai na mente, está a abrir a porta de casa a milhares de milhões de pessoas. Entre elas pode estar — e provavelmente estará — o seu futuro patrão. E ter isto é mente é mais importante agora que os jovens, que são os mais presentes nas redes sociais, começaram a escolher os cursos que vão ditar os últimos passos na vida académica — e dos primeiros na vida profissional. Veja o guia aqui.
Tudo se resume a dois aspetos: números e reputação. Um estudo da Michael Page, uma empresa internacional de gestão de carreiras e recrutamento, sobre a forma de gerir a reputação online, diz que há mais de 14,4 milhões de pessoas à procura de trabalho nas plataformas das redes sociais. Três em cada quatro conseguem: depois de um login certeiro, 73% dos colaboradores acabam por ter êxito nessa busca de emprego online. Mas só o conseguiram por um motivo: tinham uma marca pessoal bem impressa nas redes. E a sua imagem digital não estava manchada.
Há duas informações que o Guia Rápido de Gestão de Reputação Online deixa muito claras: em primeiro lugar que é benéfico utilizar as redes sociais porque funcionam como montra para as valências e para a personalidade de uma pessoa; e em segundo lugar que, tendo isso em mente, deve pensar-se em qual a marca pessoal que se quer passar. Define-se como “marca pessoal” a promoção que se pode fazer da carreira ou de si próprio. Em suma, como é que se quer vender na Internet perante um empregador.
Há então alguns cuidados a ter na hora de utilizar as redes sociais. Em primeiro lugar, é preciso ter noção de que “qualquer conversação nas redes sociais é uma possível entrevista de trabalho”: de cada vez que conversa com alguém, em privado ou em público, pode estar a ser observado por um possível empregador, realça Joana Barros, senior marketing coordinator da Michael Page. Em segundo lugar, é preciso nunca esquecer que “o que colocamos na Internet se torna automaticamente público e eterno”. Cada palavra mal dita, cada fotografia pouco adequada deixa um rasto na rede que pode ser encontrado por qualquer pessoa com um mínimo de conhecimentos acerca do funcionamento da Internet. Não há hipótese de dar um passo atrás.
Vamos a percentagens. Em conversa com o Observador, Anabela Possidónio, diretora executiva do The Lisbon MBA, explicou que 72% dos empregadores deixam de contratar alguém se, ao acederem às páginas nas redes sociais dessas pessoas, encontrarem erros ortográficos. Esses erros são muito mais penalizáveis aos olhos das empresas do que encontrar fotografias de um possível colaborador a beber álcool ou a consumir drogas: apenas 47% dos recrutadores eliminaram candidatos à conta dessas imagens. A Jobvite, uma empresa de software de recrutamento, acrescentou num estudo que 70% os recrutadores deixam de contratar uma pessoa se encontrarem nas redes sociais publicações de cariz sexual, e ficam mais dispostas a empregar alguém se perceberem, através das redes sociais, que um possível colaborador costuma entrar em ações de voluntariado.
O segredo não está em passar despercebido nas redes sociais. Na verdade, quanto mais as usar, mais vai beneficiar delas. Está, isso sim, em saber o que publicar.
Publicar em fóruns, participar em quadros de discussões ou deixar comentários em livros de negócio na Amazon é uma boa forma de piscar o olho aos empregadores: “Tudo isto faz com que a sua presença online aumente e melhore, contribuindo para que as pessoas certas reparem em si”, conclui a Michael Page: “Muitas vezes as pessoas dão a conhecer nos seus perfis os seus interesses e opiniões e, quando partilham os seus pontos de vista nas redes sociais, estão também a revelar os seus conhecimentos sobre determinadas matérias da atualidade”.
Não é julgar o livro pela capa: “São os tempos em que vivemos”
É assim desde há cinco anos. Joana Barros conta que “até há pouco tempo, o recrutamento fazia-se principalmente através dos contactos pessoais”. Havia as cartas de recomendação, as referências e o simples passa-a-palavra que permitia conhecer melhor alguém em conversas informais com antigos colegas. Mas depois chegaram as redes sociais, que “não substituem o recrutamento tradicional mas complementam-no”, sublinha a responsável da Michael Page: “As questões de avaliação dos candidatos eram feitas da mesma maneira que se fazem agora: triagem curricular, avaliação em entrevistas, testes psicoténicos e dinâmicas de grupo ou toma de referências”, enumera.
Mas agora há um novo tópico: de acordo com a diretora executiva do The Lisbon MBA, 94% dos recrutadores fazem verificação cruzada de informações através do LinkedIn. Para a diretora da Michael Page, “pode parecer que estão a julgar o livro pela capa, mas estes são os tempos em que vivemos”. E ainda bem, considera Anabela Possidónio: “É melhor ter oportunidade para mostrar aquilo que realmente se é por nós mesmos do que ficarmos dependentes de uma pessoa que nos conhece. Pode ser mais perigoso”, recorda ela.
Essa não é, no entanto, a opinião da Comissão Europeia. As novas orientações publicadas pelas agências de proteção de dados da União Europeia dizem que os empregadores que verificarem o perfil de um candidato no Facebook ou no Twitter antes o contratar vão ter de apresentar um “fundamento jurídico” que justifique essa pesquisa como sendo “necessária e relevante para o desempenho da profissão”, noticiou o Financial Times na semana passada. Se não o fizerem, podem estar a violar leis europeias, que têm tornado mais apertadas as regras de proteção de dados na União Europeia. Esses reguladores, que juntos formam o grupo de trabalho “Artigo 29”, não são responsáveis por redigir ou aprovar as leis europeias, mas os seus conselhos são altamente levados em conta.
De acordo com as orientações desse grupo de trabalho, os empregadores não podem aceder às redes sociais de um possível colaborador mesmo que as suas páginas sejam públicas. Além disso, devem avisar os possíveis candidatos sobre se têm intenção de os sondar também nas redes sociais e não os podem forçar a aceitar pedidos de amizade: esse não pode ser fator eliminatório. Todas as empresas devem contratar especialistas em proteção de dados que garantam que estas regras estão a ser cumpridas: caso não sejam, a empresa fica sujeita a uma multa que pode ser de 20 milhões de euros ou de até 4% do volume de negócios global da companhia. A serem aprovadas, todas estas indicações podem estar refletidas na Regulação Geral da Proteção de Dados na União Europeia, cuja publicação está prevista para maio de 2018.
Se essa ferramenta pode ser ilegal, porque é que há cada vez mais as empresas a procurar possíveis candidatos através das redes sociais, que já passaram a funcionar como ferramenta de recrutamento? Estima-se que três em cada quatro empregadores pesquisam e analisam os perfis dos candidatos nas redes sociais antes de os contratarem porque “procuram conhecer o outro lado dos seus possíveis colaboradores e obter informação importante sobre os seus interesses e personalidades”, explica Carolina Afonso, coordenadora executiva da pós-graduação em Marketing Digital do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e autora do livro “Social Target”. E Anabela Possidónio sabe porquê. É que “espera-se que a relação com o empregador seja transparente e que as pessoas possam mostrar tudo aquilo que são, que sejam verdadeiros”, disse ao Observador.
Tudo ou quase tudo: é que há coisas que, mesmo antes das redes sociais, nós preferíamos manter na esfera privada e longe dos olhares de quem não nos conhece bem:
Como manter a privacidade nas redes sociais
Há quem encontre esse equilíbrio ao manter mais do que uma página nas redes sociais: uma pessoal, a que acedem os amigos e a família; e outra profissional, a que só têm acesso os colegas de trabalho. Para a senior marketing coordinator da Michael Page, isso “poderá fazer sentido em alguns casos”. É inteligente fazer uma triagem dos conteúdos mais privados e pessoais para uma página e aproveitar a outra para partilhar notícias da empresa ou procurar novas oportunidades de negócio. No entanto, a parede que separa uma página da outra é muito estreita. E tem ouvidos: “Não nos podemos esquecer, contudo, que nada nas redes sociais é verdadeiramente privado”. Mesmo estando a publicar numa rede pessoal, é de evitar a “falta de discrição face à empresa onde trabalha ou já trabalhou”: expor questões internas, dizer mal de colegas, desvendar procedimentos da empresa ou demonstrar descontentamento sobre o seu trabalho pode ser a sua sina, mesmo que esteja apenas a comentar uma piada que o seu primo publicou no Facebook: “Podemos publicar atualizações sobre a nossa vida pessoal, mas sem nos expormos demasiado”.
Podemos, mas não em todo o lado: no LinkedIn, que tem 467 milhões de utilizadores (dados de dezembro de 2016) só se entra com um currículo na mão e nunca com uma fotografia a beber cerveja. Os últimos estudos noticiados pela Business Insider dizem que 77% dos utilizadores do LinkedIn pensa que esta rede social as ajudou ou a encontrar colaboradores ou a encontrar empregadores. É por isso que nem todos os conteúdos são bem-vindos nesta verdadeira sala de entrevistas online: Joana Barros diz que “o tipo de presença, publicação e fotografias deve ser muito diferente do que veríamos no Facebook, Twitter ou Instagram. Será de evitar qualquer tipo de referência à vida pessoal ou familiar, mas deve diferenciar-se através de publicações relevantes ou da participação em grupos de interesse, partilhando notícias da sua área pessoal, seminários, formações em que participou ou artigos de opinião sobre o setor em que está incluído”.
Será que em 2017, treze anos depois de o Facebook ter nascido e catorze anos depois de o LinkedIn ter aberto portas, as pessoas ainda pensam no que publicam ou em que redes sociais querem estar tendo em conta o seu presente (ou futuro) profissional? A maior parte dos utilizadores do Facebook está na faixa etária entre os 25 e os 34 anos, mas muitas delas criam as páginas ainda antes de atingirem a maioridade. Nessa idade ainda não se pensa no futuro profissional. Na opinião de Joana Barros, “sem dúvida que há ainda uma grande necessidade de formação por parte dos jovens no que concerne às redes sociais. Será interessante as escolas e as universidades começarem a dedicar mais tempo das suas atividades curriculares a estas questões“.