O PSD prepara-se para eleger o seu presidente como se pudesse escolher tudo: não apenas este ou aquele candidato, mas também se é de direita ou de esquerda, socialista ou liberal, e por aí fora. Não sei se é permitido a um velho partido pôr tanto em causa. Há, porém, uma coisa que o PSD tem de escolher antes de mais: se quer ou não continuar a ser a principal alternativa ao outro grande partido do regime, o Partido Socialista. Porque querendo, convém ao PSD, antes de olhar para caras ou “posicionamentos”, olhar para a sua situação e para a situação desta democracia.

No fim dos anos 80, com Cavaco Silva, o PSD esteve no poder durante uma das grandes fases de prosperidade da segunda metade do século XX. Desde então, porém, o PSD só tem governado durante os ajustamentos que se seguiram a épocas de expansão: logo em 1992-1995, e depois em 2002-2005 e outra vez em 2011-2015. Há portanto vinte e sete anos, que é o PS quem governa quando há dinheiro, e o PSD quando não há. Isso teve duas consequências. Primeiro, permitiu aos socialistas apagar a memória do “cavaquismo” e identificar o PSD com a “austeridade”, como se os ajustamentos fossem uma opção arbitrária do PSD, por ideologia ou sadismo. Em segundo lugar, privou o PSD da capacidade de cultivar aquele tipo de adesões que, na sociedade portuguesa, têm a ver com favores orçamentais ou contactos nos ministérios. A sua retracção municipal, por exemplo, alguma coisa pode ter a ver com isso.

O Partido Socialista tornou-se, entretanto, o “partido do Estado”, uma rede sectária de famílias e de velhas amizades, provavelmente a mais endogâmica organização política dos últimos 50 anos, que recobre a administração, as empresas públicas e as empresas com negócios com o Estado. Os seus dirigentes são ainda recrutados no mesmo grupo que chegou ao poder com António Guterres em 1995 e que depois rodeou José Sócrates. Há vinte e sete anos que Portugal é praticamente dominado pelo mesmo clã de amigos, alargado apenas para filhos e cônjuges. O projecto autocrático do socratismo, entre 2005 e 2011, deve ser encarado como um simples exacerbamento desse sistema, com cuja defesa, em 2015, a actual direcção socialista comprometeu o PCP e o BE.

Perante este tipo de poder, o PSD tem duas escolhas. Ou se conforma com o seu papel de faxina do regime, aguardando pela próxima vez que as “famílias” socialistas decidam fazer um intervalo. Ou assume que, perante o PS enquanto “partido do Estado”, o PSD não deve ser o aspirante a “partido de Estado” da direita, mas o partido de outra coisa, chamemos-lhe a “sociedade civil”, independentemente de ser de direita ou de esquerda, liberal ou social democrata, liderado por este ou por aquele. É esta a mais importante escolha do PSD.

Em 1979, em aliança com o CDS, o PPM de Ribeiro Telles e os Reformadores de António Barreto, o PSD protagonizou a primeira passagem da oposição para o governo por via eleitoral na história portuguesa. O PSD, através da AD, foi então capaz de mobilizar uma sociedade exasperada com os impasses do esquerdismo militarizado e ansiosa por fazer de Portugal um país como os outros países da Europa ocidental. Talvez se possa argumentar que Portugal precisa novamente de um grande partido assim, um “partido da sociedade civil”, determinado a pôr termo à exploração da sociedade pelo “partido do Estado”. Mas o facto de o país precisar, não quer dizer que esta sociedade envelhecida e endividada ainda tenha condições para gerar esse movimento. Esse, porém, já não seria um problema apenas do PSD, mas de Portugal.

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