É preciso reconhecer: no Outono de 2015, António Costa não teve alternativa. O país acabara de proclamar que não o queria como primeiro-ministro. Ou aceitava a proposta do PCP e do BE para substituir o governo do PSD-CDS, ou ele próprio teria sido imediatamente substituído à frente do PS. Mas talvez convenha ainda reconhecer outra coisa: mesmo que a sua situação pessoal não estivesse em causa, é duvidoso que Costa, com a terra prometida das nomeações à vista, conseguisse manter o PS na oposição, para mais numa oposição que teria de ser colaborante.

Os críticos de Costa ficaram à espera que os seus parceiros lhe impusessem um confronto repentino com Bruxelas, à grega. É natural: depois de anos a ouvir o PCP e o BE a rugir contra a Europa, quase toda a gente se tinha esquecido das suas manhas em política externa. Em 1975, Vasco Gonçalves não questionou a NATO, nem sequer a cooperação com a CEE, e os antepassados do BE atacaram de facto o “imperialismo”, mas só nas paredes. Em 1976, Álvaro Cunhal explicou: “Teria sido perigosa aventura desencadear a luta aberta contra os países imperialistas”. Daí uma das originalidades do PREC: a propriedade estrangeira, quase sempre a primeira a ser nacionalizada noutros países, foi respeitada em Portugal. O PCP e extrema-esquerda dispuseram-se a aceitar o enquadramento externo do país, desde que fosse a condição para prosseguirem com a sua revolução doméstica.

A esse respeito, pouco mudou: também agora, PCP e BE se ofereceram para deixar passar o orçamento e o PEC, porque entenderam tudo isso como a contrapartida de aumentarem o seu poder no país. O que variou foi a ideia do que são as tarefas dos revolucionários. Em 1975, nacionalizaram bancos e ocuparam herdades e fábricas. Hoje, o mundo é outro. Os bancos ainda são importantes. Mas as herdades de Beja já não fazem parte das prioridades. Os serviços — e especialmente os serviços públicos na educação, nos transportes e na saúde — são mais interessante. Para esses, o programa é claro: submetê-los aos sindicatos, e mantê-los ou torná-los monopólios. Na educação, onde Mário Nogueira governa com o inexplicável pseudónimo de Tiago Brandão Rodrigues, já se trata de desmantelar as escolas privadas com contrato de associação. Para justificar o ataque, foi-se até buscar ao museu um chapéu de coco anti-clerical.

Bem sei que o reconhecimento de feudos ao PCP não é inédito. Em 1976, o PS também conviveu algum tempo com a soberania de Álvaro Cunhal nas terras ocupadas do Alentejo. Mas há quarenta anos, estava-se no rescaldo da revolução. O PS tentava preservar compromissos que tinham evitado a guerra civil. Mesmo assim, António Barreto, logo que chegou ao ministério da Agricultura (em Novembro), pôs termo à concessão. E na Educação, nunca houve indulgência, com Mário Sottomayor Cardia decidido, desde o início, a libertar o ministério da manipulação comunista. Durante décadas, todos os ministros da Educação do PS tiveram um inimigo no PCP.

Agora, a história é outra: é o próprio PS que está a ser o veículo do domínio comunista sobre sectores que foi sempre o primeiro a considerar fundamentais. António Costa até pode, durante algum tempo, ir apaziguando os conselhos europeus, enquanto paga juros mais altos. As autoridades europeias nunca tiveram inclinação para suscitar problemas: em 2011, foram os mercados que impuseram o resgate — e agora, o BCE mantém-nos distraídos. O maior risco para Costa, neste momento, é outro: é acabar por convencer a sociedade portuguesa de que, com ele, o PS não aproveitou apenas uma oportunidade, mas passou de vez para o outro lado.

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