Trump venceu e os republicanos ganharam a todos os níveis, num surpreendente terramoto sobre a América. E agora? Agora é tempo de o mundo estremecer perante as dúvidas que se amontoam nos espíritos. A primeira: como é que foi possível uma vitória que (quase) ninguém previu? A segunda: o que significa a vitória de Trump para a ordem constitucional americana – vai o novo Presidente desafiar os limites das instituições que tanto criticou? E a terceira: no âmbito da NATO e da segurança internacional, continuarão os EUA a querer desempenhar o seu papel ou terá a Europa de repensar a arquitectura da sua defesa?

As perguntas terão de esperar por resposta. Por enquanto, nestas primeiras horas após a eleição de Donald Trump como novo Presidente dos EUA, a primeira certeza é que o estrondo desta eleição irá sacudir a imagem externa da democracia americana, que o mundo julgava imune às fraquezas das europeias e que deixou de parecer tão especial. Afinal, se a maior potência democrática do mundo pode eleger alguém como Trump, que valor devemos atribuir à democracia? A provocação estará, a partir de agora, nas bocas de todos os inimigos da liberdade. E resistir a essa provocação, em defesa da democracia, é crucial e tem de começar a ser feito desde já – a dois níveis.

Primeiro, reflectindo sobre o abismo que separa a opinião pública (medida em votos) e a opinião publicada (nos jornais). A surpresa da vitória de Trump, como aliás a do Brexit no referendo britânico, parte da incapacidade do jornalismo em ler as tensões sociais e compreender os anseios das populações. E parte, também, da recusa geral em aceitar a perda de poder dos media tradicionais, que procuraram influenciar o desfecho eleitoral a favor de Clinton mas cuja influência nesta era das redes sociais é cada vez menor. A armadilha seria cair na tentação de culpar os eleitores americanos por “terem votado mal” – como se a democracia não fosse, precisamente, dar voz ao povo e houvesse votos “certos” e votos “errados”. Ou cair no erro de acreditar no simplismo de que Trump foi eleito por rednecks primários, racistas e pouco instruídos – o que os resultados desmentem.

Segundo, é fundamental não esquecer que a democracia não se mede pela forma como se ganha, mas sim pela forma graciosa como se perde. Ou seja, por mais que não se goste dele, há que reconhecer a legitimidade de Trump para liderar os EUA. Isto não é um detalhe e não é por acaso que o momento alto das noites eleitorais nos EUA nunca está no discurso de aclamação do candidato vencedor, mas sim no discurso de concessão da derrota pelo candidato vencido. Porque esse momento traduz a grandeza do regime democrático – a legitimação do processo eleitoral, o reconhecimento da soberania popular expressa em votos, a importância de aceitar as divergências e, a partir daquele momento, trabalhar nas convergências. Um momento simbólico para a reconciliação patriótica após campanhas eleitorais que, nos EUA, abundam em agressividade verbal.

Há na história recente grandes exemplos desta necessária graciosidade na derrota. Nas eleições presidenciais de 2000, quando Al Gore não deixou margem para dúvidas após um processo eleitoral controverso: apesar da sua discordância da decisão do Supremo Tribunal (que favoreceu Bush e lhe deu a vitória), Gore respeitou e aceitou a decisão, concedendo a derrota em nome da vitalidade da democracia americana. Ou nas eleições de 2008, quando o derrotado McCain fez mais do que cumprimentar Obama e conceder a derrota, proferindo o melhor discurso de toda a campanha eleitoral e prometendo a sua lealdade institucional ao novo Presidente. Ora, nesta noite de 2016, não houve nada disso porque Clinton simplesmente não esteve à altura.

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