Nunca fui muito com a cara dos amores impecáveis. Nunca me convenci muito com casais que estão sempre felizes, sempre em paz e sempre cheios de certezas. Aliás, certeza parece-me coisa muito pouco coerente com o amor conjugal.

Aqueles casais que dizem que nunca brigam, nem têm grandes desentendimentos, soam para mim como uniões muito pouco saudáveis. A convivência entre duas pessoas presume que haja duas personalidades, duas formas de ser, duas opiniões diferentes. Quando há total convergência, parece-me que não haja muita sinceridade — ou pior, que haja bastante opressão.

A questão é que os relacionamentos não precisam ser perfeitos. Mas precisam ser de verdade. Quando há amor há alguma angústia. Quando há paixão há impulso. Quando há desejo há sangue correndo nas veias. Relacionamentos reais não navegam em mar muito calmo.

Discutir às vezes é normal. Mas guardar mágoa não. A raiva é uma erva daninha que se espalha rapidamente se não for arrancada pela raiz. E é aí que a coisa afunda, em um dois dois excessos: quando o peito está cheio de berros contidos ou quando nossos dias viram encadeados intermináveis de brigas sem sentido.

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Por isso, acredito que num relacionamento feliz — no qual, obviamente há desentendimentos cotidianos — chega uma hora em que o único jeito de ser feliz é mandar quem se ama à merda.

Não se trata de uma agressão — desde que ambos saibam lidar com essa deselegância. Quando não há mais nada de construtivo para dizer, mas ainda há uma certa raiva, é melhor mandar à merda e pronto. O outro costuma dizer “vai você”. A briga acaba ali. A raiva é canalizada. Cada um vai para um canto. Liga-se a TV, abre-se um livro, toma-se um banho. Depois de 15 minutos já dá pra dizer “quer uma batatinha?”. E não há forma melhor de fazer as pazes do que com batatinha. Melhor assim.

Não acredito em amores perfeitos. Nem acredito nos amores que se afundam no pântano das discussões intermináveis ou das palavras não ditas. Acredito nos amores honestos. E, com honestidade, frequentemente queremos mandar quem amamos à merda. Depois passa. A raiva vai embora e só sobra a batatinha. Ainda bem. Vida que segue.