Foi em 2014 que as Nações Unidas lançaram a campanha “He for She”. O objectivo dessa campanha era o de mobilizar os homens para a causa da igualdade de género. No pontapé de saída, a actriz Emma Watson, num vídeo que se tornou viral, apela aos homens, dizendo que a luta pelos direitos das mulheres não pode ser uma causa feminina, tem de ser também uma causa masculina.
Na semana passada, não escrevi sobre o acórdão do juiz Neto de Moura porque a indignação era tão generalizada e tão unânime que nada havia a acrescentar. Só mesmo um grunho da pior espécie pode concordar com os termos em que aquele acórdão foi escrito.
A indignação generalizada teve reflexo numa petição “Essa Mulher Somos Nós”, que, tendo sido lançada no dia 26, já conta com 26.000 assinaturas. Seja homem ou mulher, leia e assine. É simplesmente inadmissível que num país ocidental do século XXI se escreva como fundamentação de um acórdão de um tribunal superior que «sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte» e ainda que podemos ler na Bíblia «que a mulher adúltera deve ser punida com a morte», lembrando que «não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372.º) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse.»
Esta causa, tal como eloquentemente nos disse Emma Watson, não pode ter sexo. Mas, por incrível que pareça, tem. Há uns dias, ficámos a saber que entre as assinaturas da petição menos de 15% são de homens. Como explicar que num assunto destes, em que uma mulher foi agredida à mocada por dois homens e vilipendiada num acórdão por outro homem, tão poucos homens assinem? Merece reflexão.
Uma das primeiras explicações que li era simples. Muitos homens não assinariam esta petição porque ela aparece associada ao movimento feminista Capazes, liderado pela Rita Ferro Rodrigues, e que assinar esta petição era promover a sua agenda. Confundem propositadamente a mensagem com o mensageiro (ou, no caso, a mensageira) e ignoram que a petição é proposta por várias outras associações, como a APAV ou a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas. Aliás, logo apareceram várias vozes a gozar com o facto de Rita Ferro Rodrigues assinar como “Presidenta da Capazes Associação Feminista “, de Maria José Magalhães assinar como “Presidenta da UMAR” e Vera Sacramento como “Vice-Presidenta da Capazes”. Eu percebo o riso com a presidenta e, por mim, podem gozar à vontade. Também o faço. Poucos substantivos são tão neutros como presidente e, da mesma maneira que não há nem estudantas nem doentas, dispenso bem as presidentas.
Também sei que há, de facto, muita gente que não concorda com a agenda das Capazes. Tenho dificuldades em entender o motivo para tantos anticorpos, mas seja. A direita ainda se há-de muito arrepender por ter deixado estas causas que não têm ideologia, que são puro sentido de Humanidade, ao exclusivo da esquerda. Aliás, não as deixou, passou mesmo a ser contra.
Mas, na verdade, estes argumentos são desculpas falsas. São argumentos de mau pagador. Como é que sei? Sei porque está a decorrer uma outra petição, com o título “Não em nosso nome”, dirigida ao Conselho Superior da Magistratura e ao Provedor de Justiça, que já tem 19.000 assinaturas. Que eu saiba, ainda não se contabilizaram quantos homens e quantas mulheres assinaram, mas dizem-me que a proporção é semelhante à da outra petição. Experimentei abrir ao calhas uma das páginas de assinaturas, mais precisamente a página 20, e os nomes que lá vi foram: Ana, Maria, Aida, Marta, Maria, Maria, Beatriz, Teresa, Miguel, Jorge, Alexandra, Maria, Daniela, Ana, Sofia, Glória, Raquel, Ana, Paula, Judy. Em 20 nomes, temos dois (eventualmente três) nomes de homem. Ou seja, entre 10 e 15% de homens nesta pequena amostra. Para ser um pouco mais científico, abri aleatoriamente 15 páginas de assinaturas e contei o número de homens. Em 300 assinaturas, encontrei 75 homens, ou seja 25%. Aplicando os intervalos de confiança típicos das sondagens, verá que o intervalo superior é de 30%. Ou seja, menos de um terço de homens. Na outra petição, temos 12,5%. A indignação contra este acórdão tem mesmo sexo. Homens que passam a vida a queixar-se de que as feministas odeiam os homens não conseguem assinar uma petição contra um acórdão grotesco e atrasado, que revitimiza uma mulher vítima de violência?
Caro leitor, se é homem, assine uma das petições. Tem por onde escolher. Se quer uma petição mais pensada e mais bem fundamentada, pode assinar a petição “Essa Mulher Somos Nós”. Se tem medo das Capazes e da sua presidenta Rita Ferro Rodrigues, então assine a petição “Não em nosso nome”, que apenas pede ao Conselho Superior da Magistratura e ao Provedor de Justiça que se pronunciem sobre o caso e que reflictam sobre o sistema de selecção e avaliação de juízes. Pode também fazer como eu e assinar as duas.