Ninguém sabe como, nem quando, irá acabar a geringonça. Mas há outras coisas que sabemos. Nenhum dos objectivos macroeconómicos definidos pelo governo no orçamento se irá concretizar. O crescimento ficará abaixo dos 2.6% (possivelmente abaixo do 1,5%). O défice ficará acima dos 2.2%. E a dívida pública vai aumentar. Más notícias, apesar do discurso optimista de Costa.
Sabemos igualmente que o sistema financeiro está perto da ruptura, necessitando de uma recapitalização com urgência. Para a Caixa fala-se de valores de cerca de 5, 6 mil milhões de Euros. A venda do Novo Banco irá seguramente provocar perdas para os outros bancos. Isto quando o BCP enfrenta uma crise bolsista muito séria. A situação é de tal modo grave que se fala, em Lisboa e em Bruxelas, de um programa de assistência financeira para acudir os bancos portugueses.
Por fim, também sabemos que nestas circunstâncias o acordo para o orçamento do próximo ano será um exercício muito complicado. De duas uma, ou o governo compra um conflito com a União Europeia, para agradar os seus camaradas do parlamento. Ou a obediência a Bruxelas transforma o BE e o PCP nas versões portuguesas do Syriza. A situação do sistema bancário torna impossível um conflito com Bruxelas. O regresso à austeridade, imposta por Bruxelas, significaria a morte lenta da geringonça. Há assim uma elevada probabilidade de o governo não conseguir uma maioria parlamentar para aprovar o orçamento de 2017. O PM sabe-o muito bem.
A realização de eleições antes do fim do ano seria a melhor maneira (senão mesmo a única) de evitar o fracasso político da aliança das esquerdas. Aliás, a adopção de medidas populares e o estado de permanente campanha, do futebol ao São João no Porto, do PM indicam claramente que a opção de eleições antecipadas tem estado sempre nos cálculos de António Costa. Se o PM estiver convencido que a partir do próximo ano tudo se tornará mais difícil, e os sinais apontam cada vez mais nesse sentido, concluirá que só este ano poderá ganhar as eleições e renovar a maioria de esquerda (de preferência, apenas com o BE).
O “Brexit” permite a construção da “narrativa socialista” para justificar eleições antecipadas. Dirão os socialistas que tudo corria de acordo com os planos até à instabilidade causada pelo voto britânico. Se a Comissão Europeia propuser sanções contra Portugal, ajudará a narrativa socialista. Nem a instabilidade provocada pelos britânicos travou o dogmatismo “neoliberal” de Bruxelas, dirão os socialistas. Poderão ainda acrescentar à lista a inflexibilidade europeia perante a necessidade de recapitalizar os bancos nacionais. Costa poderá ter a tentação de fazer campanha “contra a Europa” (e, obviamente, contra o antigo governo) e de pedir aos portugueses um mandato político mais forte para lutar contra a “austeridade de Bruxelas”. Para um político oportunista como Costa, a maior lição do referendo britânico é a seguinte: fazer campanha contra a “Europa” rende politicamente.
Costa tem, no entanto, um problema. Chama-se Marcelo Rebelo de Sousa. O presidente é o único com poder para dissolver a Assembleia da República e provocar eleições antecipadas. O presidente tem dito, vezes sem conta, que o país precisa de estabilidade e afastou um cenário de eleições antecipadas antes das autárquicas. Não será fácil mudar de opinião. Além disso, Marcelo Rebelo de Sousa ficaria muito incomodado com uma campanha eleitoral onde o ataque à “Europa” estivesse no centro do debate político. No meio do “namoro” público com o PM, o presidente tem mantido um objectivo político consistente: tornar-se o interlocutor credível da “Europa” em Portugal. Marcelo fará tudo para evitar uma crise política entre Portugal e a União Europeia. Veja-se a rapidez com que matou a proposta de referendo sobre a “Europa” do BE.
Costa passará as férias de Verão a reflectir sobre a necessidade e a oportunidade de iniciar uma guerra com Belém para tentar provocar eleições antecipadas. Se acreditar que é a sua única possibilidade de sobrevivência política, não hesitará. De qualquer modo, um conflito entre Costa e Marcelo é apenas uma questão de tempo. O PM tem um plano B político. Se a aventura da geringonça correr mal e não permitir uma vitória eleitoral, Costa pretende ser o candidato presidencial de toda a esquerda em 2021. O seu adversário será o actual inquilino de Belém.
PS: Na altura em que discutiu a formação do governo minoritário do PS, o BE argumentou que a legitimidade parlamentar se impunha à legitimidade popular das eleições. Os governos saem do Parlamento. Uns meses mais tarde, quer um referendo ao Pacto Orçamental, apesar deste já ter sido votado nesse mesmo Parlamento. A futura inclusão do Pacto nos tratados europeus não altera em nada a sua substância. Será desonestidade, irresponsabilidade ou, simplesmente, estupidez?