O debate é antigo mas, desta vez, António José Seguro pô-lo na primeira página da ordem do dia: a diminuição do número de deputados (de 230 para 181) traz vantagens? Da perspectiva dos partidos, a questão é de resposta fácil: “sim”, para os grandes (PSD e PS), e “não” para os restantes, que têm poucas cadeiras no parlamento e ainda teriam menos com a aprovação da medida. Mas o que importa realmente é reflectir sobre os efeitos desta em termos de qualidade da democracia. Nomeadamente, no que concerne à representação política. E, vista desse ângulo, a proposta de António José Seguro tem problemas técnicos, conceptuais e políticos.

1. Os técnicos são simples de explicar. De uma perspectiva comparada, olhando para a relação entre população e deputados, há duas abordagens possíveis. Se tivermos em conta apenas a câmara baixa (em muitos países existem duas câmaras), Portugal classifica-se mais ou menos a meio dos países europeus (gráfico 1).

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Se contarmos com os deputados de ambas as câmaras, Portugal fica entre os países que menos deputados têm por habitante (gráfico 2).

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Naturalmente, a redução para 181 deputados levaria a que subíssemos a nossa posição em ambos os gráficos (porque diminuiria o número de deputados por habitante). Ora, olhando para estes dados, não é de todo evidente que Portugal tenha deputados a mais.

Acresce que, tendo por referência os países cuja população é, em número, semelhante à portuguesa (Suécia, Hungria, Rep. Checa, Grécia e Bélgica), 181 deputados seria assumir o valor mais baixo de todos (se contarmos com todas as câmaras). Ou seja, também aqui se mantém difícil de argumentar que Portugal tem deputados a mais. Perante estes dados, seria interessante percebermos por que critério António José Seguro acha que temos deputados em excesso. Infelizmente, o texto da proposta não explica.

2. A justificação desse ponto de partida está ausente, mas é particularmente importante se tivermos em conta dois principais efeitos nefastos em termos de representação dos eleitores. O primeiro é que a diminuição do número de deputados faria cair os níveis de representatividade territorial – com menos deputados por habitante, as populações do interior do país perderiam alguns dos seus (poucos) representantes, pelo que ficariam prejudicadas.

O segundo é de ordem prática. É que, mesmo que num inovador sistema eleitoral se arranjasse forma de manter uma proporcionalidade perfeita, reduzir o número efectivo de deputados dos grupos parlamentares mais pequenos prejudica, por exemplo, a sua capacidade de trabalho nas comissões parlamentares. Hoje, existindo 12 comissões parlamentares (sem contar com as de inquérito), e dada a impossibilidade física de se estar em dois sítios ao mesmo tempo, o efeito de uma medida de redução do número de deputados é óbvio: diminui a capacidade dos partidos pequenos representarem os seus eleitores nos habituais trabalhos parlamentares.

3. O problema conceptual da proposta de Seguro nasce deste ponto. De facto, o líder socialista parece sugerir que uma resposta adequada ao “descontentamento dos portugueses em relação ao funcionamento em concreto da democracia” passa por diminuir a representatividade do interior do país e a influência dos partidos pequenos – isto é, diminuir a representação política de portugueses descontentes com o funcionamento da democracia. Não é apenas contraditório – é suicida. Além de que é dar força à ilusão de que o descontentamento popular com o funcionamento das instituições democráticas se resolve por decreto, quando o que está em causa são décadas de más experiências e de maus exemplos políticos.

4. Assim chegamos ao problema político, que resulta da soma dos anteriores. Vista no seu conjunto, a proposta de Seguro até pode parecer uma grande reforma. Mas, na verdade, o principal efeito da sua implementação seria a manutenção do status quo: fingir que resolve o problema do descrédito dos partidos políticos enquanto, na realidade, elimina a concorrência (partidos pequenos que, por exemplo, ficaram com os votos que o PS necessitava para ter uma grande vitória nas europeias). Da perspectiva do PS (e PSD) é uma solução útil: apaga os riscos de significativa fragmentação partidária e evita os custos de uma mudança no interior dos grandes partidos – tanto no modo de fazer política como de se relacionar com os cidadãos.

Ora, dito tudo isto, a questão é se, para além de satisfazer as necessidades dos partidos com maior representação parlamentar, há alguma vantagem para os portugueses nesta medida de redução do número de deputados. Sobretudo, tratando-se de um corte tão acentuado (49 deputados). E, à primeira vista, parece não haver.