1. Conheço gente séria que pensa – a sério – que agora vai mudar “tudo” na UE, abençoada Grécia, bendito Alexis Tsipras, louvado Syriza. O “tudo” é confuso e difuso, mas haja fé. A verdade é que de um modo geral tem-se olhado para as eleições gregas como para um retrato ao contrário: “que fará a Europa face à vitória do Syriza?”; “a UE teme a vitória da extrema esquerda radical”; “a chegada do Syriza vai fazer mudar as coisas na UE”.

Julgo que há que virar o retrato e pô-lo direito. Não me parece que a UE esteja “aflita” com a vitória da extrema esquerda grega (mais depressa o estará o próprio Syriza com o que terá diante de si) e começo por lembrar o óbvio: há muito tempo, quase um ano, que as instituições europeias e a própria “Europa” interiorizaram a possível vitória de Tsipras. Não há ninguém desprevenido por “lá”, não será uma novidade, um sobressalto, nem um drama. (drama é a própria situação da União Europeia).

O que sim é uma novidade é o que irá dizer – e fazer – o líder do Syriza: que garantias dará de que será capaz de manter a estabilidade do país, de que é um parceiro fiável, de que vai saber agir com responsabilidade em Atenas mas também em Bruxelas. A UE limitar-se-á, se assim me posso exprimir, a aguardar essas garantias para depois atender – ou não – às pretensões da Grécia. Sendo também pouco provável que o partido de Tsipras conquiste sozinho uma maioria absoluta no domingo que vem, aquilo que, sim, poderá constituir um sobressalto, serão as exigências que lhe farão os futuros parceiros, para passar o portaló do barco governamental. E sabe Deus como as coligações gregas são difíceis de costurar e, depois, de manter cerzidas; e finalmente o que poderá ser um drama é que, daqui a poucos meses, a Grécia estará sem dinheiro.

Alexis Tsipras vai estar sob pressão e terá prazos apertados. Será por isso talvez mais prudente desviar geograficamente uma boa parte das tensões e aflições de Bruxelas para Atenas: o mais delicado e complexo que há a fazer está do lado do Syriza e não das instituições europeias. Dirão que estou porventura a simplificar demais ou a antever desfechos exageradamente difíceis para Tsipras. Não estou, estou só a olhar para lá: a Alemanha, que não tem direitos divinos de “determinação”, quererá obviamente uma solução europeia para a questão grega; vai ser preciso obtê-la por uma unanimidade que nem é óbvia, nem fácil; a seguir às eleições na Grécia haverá votos na Finlândia, pouco amiga de deslizes orçamentais e ainda menos amiga dos gregos e das suas folgas; não se sabe se as (desmedidas?) expectativas e as igualmente desmedidas diferenças de opinião sobre a decisão do BCE de aprovar a “política” de “quantitative easing” serão directamente proporcionais aos resultados que de tal decisão se espera como por um mago, um D. Sebastião, uma varinha mágica: serão?

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Mais perguntas que respostas.

Seja como for, o assunto é politicamente muitíssimo interessante, rico de variantes em jogo, e fatalmente gerador de novas dinâmicas. Saber se elas abrirão – ou não – outros caminhos, that’s the question. Domingo é o primeiro acto. Estarei sentada na primeira fila.

2. As eleições presidenciais, para as quais falta uma vida, estão a transformar-se num jogo. Claro que é justamente o ser ainda “cedo” que permite os animados folguedos que aí estão: atirar vários barros a várias paredes, sortear nomes como se faz com os algarismos no bingo, intrigar e confundir, pôr notícias no jornais, semear armadilhas à esquerda e à direita. Isso. Mas ainda a procissão nem sequer se formou dentro da igreja e já o corrupio vigente causa algum enjoo.

Claro que a política também tem este lado – o do jogo e da intriga –, não nos indignemos excessivamente, por essa Europa fora é capaz de ser parecido. A única diferença é que entre nós é ainda mais “igual”: somos poucos e os mesmos desde há muito. (O socialista Henrique Neto dizia esta semana que, dos candidatos que aí estão, “nenhum lhe serve porque é preciso limpar a casa”. A mais de um ano de distância não se pode, de facto, estar já mais enjoado.)

Há cerca de uns meses, por exemplo, Marcelo Rebelo de Sousa afiançava aos quatro ventos, com uma velocidade directamente proporcional ao gozo que ele próprio sentia, que o “candidato da direcção do PSD às presidenciais era Santana”, certeza que foi vendendo sem remorso nem fonte durante largo período de tempo. Depois, sem pré-aviso e também sem fonte, o “candidato da direcção do PSD” passou, segundo Marcelo, a ser Rui Rio. As coisas são tudo e o seu contrário e as pessoas evocadas são o que naquela semana der jeito ao “professor”. E porque não? Não é tudo aquilo sobretudo uma brincadeira, e admito até que mais brincadeira que maldade? Um puro divertimento, meio jocoso, meio ardiloso, do qual ele é o player protagonista?

(Fico aliás sempre espantada com a marcelo-dependência das elites do país, ou de grande parte delas, pelo verbo do “professor”. Claro que mais de um milhão e meio de espectadores não são as “elites” (são todas as gerações e estratos sociais e nesse sentido, chapeau!), mas o afinco das elites, surpreende mais. Além de que acreditam: religiosamente e acriticamente. Não interessa – e distinguirão? ­– que seja brilhantemente fantasia, ficção, intriga, jogo, conveniência, recado e, às vezes, verdade: acreditam.)

No PS – para o qual muita elite começou a olhar com apetite cochichando com o seu líder “coisas para depois” ­–, também se joga à cabra cega com as presidenciais. Começou por se alimentar as extraordinárias veleidades de um Sampaio da Nóvoa, pondo-o a azucrinar a plateia do congresso do PS com um discurso penoso e inflamado, enquanto se ressuscitava um mudo Guterres das lonjuras dos refugiados. E, há dias, houve troca de ironias entre o líder do PS e António Vitorino – não sabemos se encenadamente, se de improviso, se por vício do jogo – em que o primeiro perguntou ao segundo se o segundo seria o candidato presidencial do primeiro. Talvez não tenha muita importância, e provavelmente não passou disso mesmo: uma espécie de private joke, para manter em lume brando a candidatura de António Guterres. E, de caminho, levantando um pouco o lume para aquecer a conveniente ilusão de que ele, Guterres, é “imbatível”, ganhando a todos (Quais? Estes? E se não forem “estes”?). Repare-se porém como, à direita do PS, a quase ninguém ocorreu – que eu saiba – contestar ou confrontar essa ideia da “imbatibilidade” apenas lacrada por sondagens a 12 meses de distância. Santo Deus.

Nem o país, nem a Europa, o Ocidente ou o mundo pediam jogos tão levezinhos, além de que faz pena ver Rio ou Vitorino intencionalmente misturados em caldo indigesto.

Mas se é um jogo leve, peço licença para jogar pesado: há outros que não “estes”. Há os idealmente presidenciáveis. São raríssimos, mas Jaime Gama e Francisco Balsemão são-no. Tudo nas suas vidas, currículos e caminhos os recomendaria, e só com mencioná-los já fiz um up-grading deste texto (e que seria o up-grading no próprio país?)

Já alguém lhes perguntou alguma coisa?

3. Nada ou quase nada do que António Costa andar a dizer hoje vai “resistir” até Outubro deste ano, mesmo que de momento ele diga pouco e esteja enganado. A “Europa” pura e simplesmente não lhe poderá garantir a durabilidade, a viabilidade e a bondade das suas expectativas, que no caso são dinheiro, já que são inconcretizáveis sem ele. Outra vida (sem “punitiva” austeridade). E o país que é hoje Portugal também não consentirá as veleidades socialistas. Deixou de haver o país que havia e a vida que levámos, já não há porta para lá.

Não é fácil que os socialistas aceitam isto pela simples razão de que ainda não perceberam o que ocorreu. E os pouquíssimos que perceberam, não acreditam: que a “culpa – mas posso dizer “responsabilidade”, se isso os choca menos embora não seja a mesma coisa – não foi da troika, da austeridade, do governo, do PSD, da direita, do ajustamento. Foi deles. O incêndio começou com eles e, apesar do ar estar cheio de chamas, não o quiseram ver. Para Portugal, em 2011, sem acesso a financiamento – sem dinheiro – a única saída era a de recuperar a confiança dos credores – oficiais e de mercado. Foi o que se fez. Não havia alternativa, face aos constrangimentos – de fora e de dentro – com que os portugueses se confrontavam.

Quem não perceber isto não pode ganhar eleições.