Permitam-me o atrevimento de não comentar as sondagens ou a entrevista de Passos Coelho, e optar antes por discutir algo menos óbvio mas mais importante. Começa hoje o período de exames. Até quinta-feira, realizam-se as provas finais para os alunos dos 4.º e 6.º anos. E, a partir de agora, os alunos do secundário entram na reta final do seu plano de estudos e podem inscrever-se nos exames que definirão o seu acesso ao ensino superior. Não quero entrar no infindável debate sobre se devemos ou não ter exames, nem cair nos habituais exercícios de antecipação de resultados para elogiar ou crucificar ministros. O meu ponto de partida é outro: a indústria das explicações.
Os exames estão à porta e como se preparam os alunos? A maioria adere às explicações. E os restantes, geralmente por falta de dinheiro, tentam aguentar-se sem recorrer a elas, jogando com o que têm – em alguns casos, o apoio dos pais, noutros apenas e só a escola. Ora, durante anos, habituámo-nos a esta dependência massificada em explicações pagas. Afinal, as notas contam, o miúdo precisa de as melhorar e o dinheiro gasto em educação é visto como um investimento pelos pais, sempre dispostos a fazer das tripas coração. Mas, da perspectiva do sistema educativo, esta dependência tornada hábito não deve ser vista com normalidade: se recorre a explicações quem precisa de aprender o que na escola não lhe conseguiram ensinar, então algo na escola está a falhar. E a resposta a esse falhanço não pode sair do bolso dos pais.
Não dá para aceitar que a escola seja insuficiente para aprender o que está no currículo. Pode até custar a admitir, mas o problema existe e tem de ser escrutinado, nem que seja pelas consequências que impõe. Num sistema obsessivo com as notas dos alunos, como é o nosso, este falhanço das escolas denuncia o desfasamento entre o trabalho dos professores, o desenho dos currículos e a elaboração dos exames. E, mais grave, exibe um sistema pouco disponível (por falta de tempo, recursos ou vontade) para apoiar alunos que, manifestando dificuldades, vão ficando para trás. Estes, porque a escola falha com eles, fazem das explicações a sua bóia salva-vidas.
Ora, essa solução não soluciona, e é simples de explicar porquê: nem toda a gente pode pagar explicações. Se algo funciona mal na escola pública que todos frequentam, a resolução dessa insuficiência não pode vir acompanhada de uma propina de 60 a 200 euros, na medida em que isso excluirá uma parte dos alunos. A resposta tem de vir de dentro, tem de surgir da própria escola. E enquanto isso só acontecer em alguns casos pontuais, os mais frágeis e indefesos ficarão mesmo para trás. De uma forma ou de outra, esta situação tem de ser enfrentada.
De facto, impressiona muito a indiferença colectiva perante esta insuficiência crónica: os alunos não deveriam precisar de explicações fora da escola e muito menos deveriam os seus pais pagar por elas. Não é pedir nada de especial. O mínimo a exigir às escolas e ao sistema educativo é que façam o seu trabalho.
Vou ser sincero: o sistema que alimenta esta indústria das explicações dura há tantos anos que é legítimo duvidar se há quem o queira mesmo enfrentar. Do que vejo, julgo que essa vontade não existe. Na verdade, os professores dispensam a responsabilização pelos resultados dos seus alunos, as escolas não querem prestar contas aos pais, o ministério prefere que os encargos dos apoios ao estudo recaiam sobre as famílias em vez de sobre o orçamento de estado e, quando o assunto é educação, as famílias já fazem contas à vida na expectativa do todo o tipo de necessidades suplementares. Não devia ser assim, mas é.
Obviamente, não tenho uma solução mágica para acabar com esta injusta dependência dos nossos alunos, até porque não acredito que o problema se resolva só com mais dinheiro nas escolas ou através de uma qualquer medida isolada. Mas seja qual for a solução, ela também dependerá da forma como olhamos para o sistema educativo. E, nesse sentido, deixo uma sugestão que, pelo menos, mal não fará: que se seja tão exigente com as escolas, professores e directores como com o ministro, a quem tão rapidamente se aponta o dedo por tudo o que corre mal na educação. Sim, tanto ele como os seus antecessores terão as suas responsabilidades. Mas, no dia-a-dia, também as têm os professores que desistem dos seus alunos e preferem chumbar a ensinar, as escolas que manipulam resultados escolares em função dos seus interesses, ou ainda os directores que “escondem” os maus alunos (para que estes não puxem a escola para baixo nos rankings). É que, no final, tudo se resume a uma questão de expectativas: se esperarmos sempre pouco da nossa escola pública, ela nunca nos dará o melhor que pode.