Enquanto a situação política da Espanha se arrasta sem solução à vista desde as eleições legislativas de 20 de Dezembro passado, a questão pendente entretanto no parlamento catalão evoluiu para uma aliança maioritária dos três partidos independentistas da direita, do centro e da esquerda, removendo do mesmo passo da cena política a figura conspurcada pelas alegações de corrupção contra o antigo partido nacionalista (Convergència i Uniò), Artur Mas. A solução partidária agora encontrada para a Generalitat não é obviamente definitiva para uma independência mas terá, com certeza, impacto na situação espanhola, evitando porventura o recurso a novas eleições que ainda não estão, todavia, completamente afastadas.

Recorri de propósito ao título do velho livro de 1938 – pungente mas controverso – onde George Orwell relatava a sua experiência na Catalunha durante a guerra civil espanhola. Com isto, pretendo chamar a atenção para a identidade cultural histórica catalã, familiar de resto aos Portugueses pelo menos desde o século XVII, e para as consequências políticas de tal identidade no plano da independência relativamente ao Estado espanhol. Conforme diziam em 2012 mais de cem intelectuais catalães declaradamente progressistas em apoio ao maior partido nacionalista, então a CiU: «El problema de Catalunya no és España, és el estat espanyol».

Nos últimos séculos, sucederam-se as operações político-militares de subjugação dos corpos representativos da Catalunha com a supressão da Generalitat desde o início do século XVIII (1716), restabelecida brevemente durante a 2.ª República (1931-39) e novamente proibida, bem como o uso público do idioma catalão, pela ditadura franquista até 1977. Durante a guerra civil (1936-39), a questão das nacionalidades, sobretudo da Catalunha e do País Basco contra um Estado centralista, foi uma das três dimensões principais clivagens do conflito, juntamente com a religiosa e a social. A questão da independência catalã é, pois, muito antiga e complexa, não podendo ser varrida para debaixo do tapete sob a fácil acusação de «nacionalismo». E o nacionalismo espanhol? E o português?

Em 15 de junho de 1977 celebraram-se na Espanha as primeiras eleições legislativas democráticas após a proclamação de Juan Carlos I como rei da Espanha. Os deputados e senadores eleitos pela Catalunha pertenciam aos partidos que incluíam nos seus programas a reivindicação de um estatuto de autonomia e o restabelecimento da Generalitat. Esta vontade popular foi ratificada na Diada (festa) nacional de 11 de setembro de 1977. Um milhão de cidadãos desfilaram pacificamente pelo centro de Barcelona, capital da Catalunha, numa das maiores manifestações da história da Europa contemporânea.

Em 15 de junho de 1977 celebraram-se na Espanha as primeiras eleições legislativas democráticas após a proclamação de Juan Carlos I como rei da Espanha. Os deputados e senadores eleitos pela Catalunha pertenciam aos partidos que incluíam nos seus programas a reivindicação de um estatuto de autonomia e o restabelecimento da Generalitat. Esta vontade popular foi ratificada na Diada (festa) nacional de 11 de setembro de 1977. Um milhão de cidadãos desfilaram pacificamente pelo centro de Barcelona, capital da Catalunha, numa das maiores manifestações da história da Europa contemporânea.

No imediato, o governo eleito na Catalunha põe fim à liderança do herdeiro de Pujol, Artur Mas, assim como ao oportunismo do «Podemos» ao fazer-se defensor do referendo catalão, oportunismo esse que parece impedir, por outro lado, a aliança «à portuguesa», como lhe chama Pablo Iglésias, ao propor um governo de «frente popular» em Madrid. Seja como for, o novo líder catalão, Carles Puigdemont, apesar de oriundo da ala simultaneamente mais conservadora do ponto de vista político e mais radical do ponto de vista nacionalista, já reconheceu não possuir meios administrativos e financeiros para «proclamar a independência» à revelia do Estado central.

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Em compensação, o risco de um endurecimento catalanista exercerá influência em Madrid no sentido de encontrar uma solução governativa em torno do PP, eventualmente fazendo pressão para a saída de Mariano Rajoy, também marcado pelas acusações de corrupção. Isto favoreceria a adesão de «Ciudadanos» com o apoio que este possui na Catalunha contra a independência, e sobretudo do PSOE, cujo actual líder, Pedro Sánchez, ainda mal aceite e com a maior derrota eleitoral do partido, só pensa em imitar a operação conduzida por António Costa com igual derrota. Infelizmente, é tão improvável o actual líder do PP ceder à pressão para se demitir como Sánchez à de largar o lugar no PSOE. A não passar no parlamento espanhol um governo encabeçado pelo PP e, no mínimo, tolerado pelo PSOE e «Cuidadanos», só restará fazer novas eleições, como teria sido bom poder fazer em Portugal perante os resultados eleitorais de Setembro passado.

Finalmente, mais importante de tudo quanto se tem dito da Catalunha, no caso do governo da Generalitat vir a conseguir convocar um referendo à escala da actual região autonómica (não à escala da Espanha, como os governos centrais têm admitido fazer), é praticamente impossível que tal referendo saísse vencedor por motivos, no essencial, semelhantes à Escócia. Primeiro, porque a Catalunha não quer sair da União Europeia, antes pelo contrário, mas esta última continua na prática a opor-se à possibilidade de a Catalunha sair de Espanha sem sair da EU, solicitando eventualmente um regresso ao qual a Espanha se oporia sempre.

E em segundo lugar, por razões demográficas: em 7,5 milhões de habitantes na Catalunha, perto de 1,5 milhões são oriundos de outras regiões espanholas e quase outros tantos são de origem estrangeira, muitos naturalizados, que terão ainda mais motivos para votar contra a independência formal. Inversamente, o que acontecerá à Escócia se o Reino Unido, onde a Inglaterra predomina demograficamente de forma maciça, votar pela saída da UE? O mesmo se pode imaginar para a Espanha. Uma vez mais, a UE começou por ser uma solução para se transformar num problema.