Antigamente, sempre que o “sistema” na Europa era desafiado, bastava mencionar “fascismo”, para os eleitorados isolarem os intrusos. Foi assim em França, em 2002, contra Jean-Marie Le Pen. Desta vez, em Itália, o perigo era o Movimento 5 Estrelas e a Liga (antiga Liga Norte). Sim, são fãs de Putin, são proteccionistas, e abusam do contraste mitológico entre um povo inocente e uma oligarquia corrupta. Mas quando o regime tirou da gaveta as acusações do costume, o eleitorado não respondeu ao assobio do “fascismo”. Muitos abstiveram-se, mas muitos mais aproveitaram o segredo das cabines de voto para escolher os candidatos proscritos pelos bem pensantes.

O eleitorado do “populismo” não é a medida de um qualquer anseio de marchar com camisas negras. É, acima de tudo, o sinal de um fracasso: o dos regimes europeístas, não apenas em resolver os problemas, mas até em falar deles. A Itália é, com Portugal, uma das economias que menos bem se adaptou à chamada “globalização”. Há duas décadas que diverge do resto da Europa. Mas o problema não é só o desemprego. É uma oligarquia que insiste em introduzir, como fez em 2015, centenas de milhares de imigrantes em sociedades envelhecidas, economicamente estagnadas e culturalmente confusas. A combinação entre baixas expectativas sócio-económicas e imigração é a chave do “populismo” anti-europeísta.

Uma sociedade jovem, dinâmica e com valores claros poderia talvez dar oportunidades aos recém-chegados e começar a integrá-los. Foi o que aconteceu nos anos 60 e 70, embora os Estados, nessa época, não proporcionassem aos migrantes a assistência de hoje. Mas as sociedades europeias actuais já não são assim. O resultado é que as populações imigrantes não estão a integrar-se, mas a tornar-se o veículo para a projecção na Europa dos preconceitos e conflitos das sociedades de origem. Durante anos, as elites da UE usaram os apodos de “fascista” ou de “racista” para calar dúvidas e censurar constatações. Mas quando até as mais antigas referências da correção política no Ocidente, como o New York Times ou o Nouvel Observateur, descobrem a violência dos gangs de imigrantes armados de AK-47 nas cidades suecas, ou a nova perseguição contra os judeus patrocinada pelo fundamentalismo islâmico na Alemanha e na França, que dizer? Que o New York Times e o Nouvel Observateur também são “racistas”? Que é melhor estarmos todos calados, deixando os receios e os ressentimentos crescerem e alimentarem eleitoralmente as Frentes Nacionais e as Ligas?

Os populistas não são solução. Frequentemente, como agora na Itália, nem sequer é claro que sejam verdadeiras alternativas de governo. Falta-lhes os meios para mudar sociedades que, embora zangadas e aproveitando as eleições para votar neles, não desejam romper com a vida que a integração europeia lhes garante: por isso, na Grécia, o Syriza acabou como simples executante das políticas de Bruxelas, e na Itália, o 5 Estrelas e a Liga já se calaram sobre o euro. Talvez isso baste para sossegar alguns auto-proclamados europeístas nos seus sofás dourados. Mas com ou sem “populismo”, devia-nos preocupar a contradição de uma elite que por um lado quer uma Europa democrática, solidária e tolerante, e por outro lado vai sujeitando o continente a uma dinâmica que acabará por comprometer tudo isso. Que se pode fazer para escapar, a prazo, à pulverização das sociedades europeias em comunidades segregadas e hostis, inviabilizando democracias e Estados sociais?  Os populistas, com a sua agitação apocalíptica, não sabem; mas muitos europeístas, com a sua complacência burocrática, também não.

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