O governo comunicou o arranque do Programa Qualifica, vocacionado para a educação de adultos, e, em grande medida, retomou a experiência do Programa Novas Oportunidades, num investimento inicial a rondar 50 milhões de euros. O que não especificou é que, como informa o anexo do Programa Nacional de Reformas onde consta o detalhe do programa (p.2), o seu investimento total ascenderá a 1,6 mil milhões de euros (metade através de financiamento europeu). É uma fortuna. Para se ter noção do volume deste investimento, basta dizer que o governo tenciona investir na formação de adultos cerca do dobro do que investirá em medidas de combate ao insucesso escolar (882 milhões de euros). Ou seja, na medida em que o orçamento revela preferências políticas, o governo sobrepõe a educação de adultos ao combate ao insucesso escolar. Um caso evidente de prioridades trocadas, como escrevi na altura da apresentação do Programa Nacional de Reformas.

No debate político, há sempre quem diabolize a educação de adultos. É um erro. A educação de adultos faz falta e é, em Portugal, particularmente importante: cerca de 55% da população (15-64 anos) não completou o ensino secundário. Trata-se de uma percentagem muito elevada no quadro europeu, que denuncia uma população activa com défices de qualificação – e isso impõe consequências para o desenvolvimento da economia portuguesa e para as pessoas que, vendo-se em situações de desemprego, sentem maiores dificuldades em dar a volta. Ora, o desafio de formar esta população adulta existe e não vale a pena fugir-lhe. O problema é que, sendo certo que algo tem de ser feito, não existem soluções imediatas ou mágicas. Sobretudo, não basta atirar dinheiro para cima do problema.

Em vários casos internacionais, as políticas públicas destinadas a formar a população adulta pouco qualificada (com vista a melhorar o seu acesso ao mercado de trabalho e a proporcionar remunerações mais elevadas) produziram resultados humildes ou, por vezes, nulos. Isto porque, por razões que variam de país para país, as empresas não reconheceram a mais-valia dessas formações e, como tal, o mercado de trabalho não reagiu aos diplomas e certificações oriundos destes programas. Foi, lembre-se, o que sucedeu no caso português com o Novas Oportunidades, alvo de um financiamento astronómico mas com os seus efeitos positivos a limitarem-se a aspectos emocionais e de auto-estima. Ora estes, não sendo de menosprezar, não correspondiam aos objectivos do programa, que estavam apontados ao mercado de trabalho e que não foram alcançados. Ou seja, as várias experiências mostram que, sendo caros e ineficientes, os programas de educação de adultos devem ser planeados com moderação e com objectivos bem definidos, de modo a que haja o maior retorno possível do dinheiro investido – é que, goste-se ou não, os recursos financeiros do Estado são finitos e, como tal, devem ser sabiamente aplicados. E, por essa bitola, o Novas Oportunidades apresenta-se como exemplo do que não deve ser feito, com um retorno muito baixo no mercado de trabalho por cada euro investido.

Parece, no entanto, que no PS não se aprendeu a lição. Por um lado, regressa-se aos já mencionados avultados investimentos neste sector – aumenta-se a rede estatal com mais centros e recursos humanos. Por outro, mantêm-se objectivos apontados ao mercado de trabalho cujo sucesso é tão improvável quanto difícil de medir. E, por fim, aponta-se mais à quantidade do que à qualidade: a meta de um milhão de adultos a participar, em vez de a completar, as formações fala por si e está alinhada com a experiência do Novas Oportunidades que, entre 2006 e 2010, teve cerca de um milhão de inscrições mas menos de metade de formações concluídas.

Anda-se, por isso, aos ziguezagues. O governo PSD-CDS, escaldado com a propaganda socialista à volta do Novas Oportunidades, cometeu o erro de desvalorizar a educação de adultos. Agora, o actual governo, em nome da inversão dessa opção política, prepara-se para insistir no erro inverso: sobrevalorizar a educação para adultos, elegendo-a prioritária perante outras medidas de maior valor estratégico para o sistema educativo – como, por exemplo, antecipar (em vez de atirar para 2020) a garantia de oferta de ensino pré-escolar a todas as crianças a partir dos 3 anos. É que, efectivamente, quando os recursos financeiros são escassos, há que saber aplicá-los onde mais fazem falta. E, tal como sucedeu com o Novas Oportunidades, não é isso que está a ser feito. Como se qualifica a repetição de uma mesma acção na esperança de obter um resultado diferente? Estupidez. Como não é certamente o caso, só pode ser uma outra coisa: propaganda.

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