Percebo: somos um país de invejosos do sucesso e do dinheiro alheios; e o PS achou por bem capitalizar eleitoralmente esta infeliz característica. Também percebo: somos um país com pouco apreço por esse direito fundamental, o direito à propriedade privada. Que inclui, claro, o mais amplo uso dessa propriedade para os fins legais que o proprietário entende.

A terraplanagem socialista quer ganhar votos com as pessoas que ficam com ataques de nervos por não conseguirem arrendar casas nas zonas históricas das cidades, mormente Lisboa. Porque, meus amigos, toda a gente sabe que é um direito inalienável arrendar casas nos centros históricos. Mais ou menos como aquele por que a JS clamava em 2009: o direito ao TGV. Coitadas das pessoas. Há três anos nunca quereriam ir morar para os centros históricos, no tempo daquele passado glorioso: o dos inquilinos que pagavam escassas dezenas de euros a cada mês por uma casa onde cabia uma família média. Com estas boas rendas, os prédios apresentavam-se de tinta descascada e janelas apodrecidas. E não incomodava gente cool que também não existissem casas para arrendar, porque estavam ocupadas pelos contratos de há cinquenta anos a setenta euros por mês.

Mas por estes dias entendem que alguém tem a obrigação de lhes arrendar casa – com renda acessível se faz favor, que não queremos cá usuras. Estas pessoas estão generosamente dispostas a ocupar as casas que outros recuperaram (com expetativa de outro negócio), em troca de renda parca, tudo para livrar os proprietários do pecado da ganância. São uns beneméritos, no fundo.

É o persistente problema do PS e seus satélites: percebem muito de lirismo e pouco de racionalidade económica. Julgam sempre que, se exterminarem um negócio, por artes mágicas a oferta antes da destruição se manterá depois. Não vislumbram, nem com desenho, que se impedirem (via obstrução dos condomínios) o arrendamento local, as casas atualmente disponíveis para esta atividade não vão assim continuar para arrendamento permanente; nem surgir novas. Estes proprietários irão aplicar o dinheiro noutro lado.

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Bom, os condomínios já têm muito a dizer sobre a propriedade de cada um dos condóminos. Mesmo para frações sem acesso aos espaços comuns (lojas, armazéns, escritórios, oficinas,… sem acesso ao interior do prédio, garagens, terraços ou logradouros), os condomínios podem impedir a mudança de uso dessas frações – o que é em si mesmo um escândalo e um atropelo ao direito à propriedade privada. Nestes casos, no máximo, os condóminos deveriam poder manifestar-se caso provassem que a nova atividade traz prejuízos graves às suas frações. Sendo que achaques pelo sucesso dos negócios alheios não seria motivo válido para impedir mudança.

No mesmo sentido, permitem-se alterações de regulamento de condomínio abusivas (por maioria simples) que nada têm a ver com uso dos espaços e infraestruturas comuns. Nestes casos, qualquer norma mais restritiva do que a lei geral, adotada por um condomínio, só deveria ser vinculativa com votação de cem por cento do capital. Fora deste cenário, é apenas um grupo de pessoas diminuindo o direito de propriedade de terceiros. Usando a brilhante dicção de António Costa, custa a crer que tal seja ‘conxional’. Ético não é. Evidentemente os neurónios socialistas não contemplam corrigir estes abusos.

Há a possibilidade sensata de condomínios definirem condições em que o arrendamento a turistas se pode processar sem incomodar os vizinhos. Negociar horas de entrada e saída com bagagens; níveis de ruído (já estão estabelecidos na lei geral de qualquer modo); restrição do uso de alguns espaços comuns; colocação de câmaras de vigilância pagas pelos senhorios dos turistas; mudanças frequentes de chaves da porta de entrada, ou limpeza, a expensas destes.

Mas é tão inevitável Marcelo Rebelo de Sousa tirar selfies com desprevenidos como um socialista decidir pela solução mais invasiva e menos respeitadora do direito de propriedade. Vamos ter uma atividade económica nobre dependente das animosidades entre vizinhos e das mudanças de humor dos condóminos. Quiçá nuns anos aprovam AL e arrendamentos de curta duração, noutros não; no primeiro esquerdo pode ser mas no quinto direito não há autorização.

Toda uma panóplia de atropelos se torna possível. Uma decoradora de interiores que trabalhe em casa e receba lá clientes? Uma esteticista que tem um quarto com uma marquesa e faz lá depilações? Uma pintora que transforma um pequeno apartamento em atelier e lá vende os quadros? Afinal uma casa de habitação não pode servir para uma atividade comercial, pois não? Temos de exterminar todos estes abusos, não temos? Basta os condóminos não gostarem do cheiro a tinta ou da movimentação de estranhos nos elevadores. E os convidados? As cabecinhas quadriculadas não consideram melhor estabelecer horas vedadas à circulação nos espaços comuns pelos amigos dos proprietários? Não querem também ilegalizar apartamentos em que todos os quartos são arrendados a estudantes? Ah, os ciganos são frequentemente barulhentos e trazem família; o condomínio pode proibir arrendamentos a esta etnia? E quem arrenda meia dúzia de semanas por ano o apartamento de férias da família?

Enfim, quando os pequenos investidores deixarem de reabilitar os centros históricos para o arrendamento local, os que hoje exigem arrendar casas vão abandonar tal pretensão. Estará fora de questão reabilitarem uma casa por si próprios. Como há dez anos.

E, já agora, onde param nestas situações os princípios da confiança e dos direitos adquiridos, extremosamente amados pelo Tribunal Constitucional até há pouco? Os proprietários que fizeram investimentos, com justa expetativa de retorno, num quadro legal que lhes permitia o alojamento local e o arrendamento de curta duração, não têm estas proteções? Tivessem sido espertos e guardassem o dinheiro no colchão? Os direitos adquiridos e o princípio da confiança só se aplicam aos que vivem pendurados no orçamento de estado?