1. Digo há muitos anos que quem quer aprender umas tantas coisas sobre a China contemporânea através de literatura não académica devia ler os policiais de Qiu Xiaolong. Policiais é como quem diz, que as investigações do inspetor chefe Chen, de Shanghai, são quase apenas instrumentos para o autor contar aos ocidentais as peculiaridades chinesas. Os privilégios e os luxos dos altos cadres do partido comunista chinês e dos seus filhos, os príncipes (e herdeiros) do regime. A corrupção. O deslumbramento com o capitalismo. Os crimes ambientais. O dinheiro como o valor absoluto. A exibição de vida sexual como demonstração de status económico. As falcatruas. A propaganda ao serviço da elite do partido. O poder justiceiro da internet contra os prevaricadores. O partido comunista como dono do regime a que todos os demais interesses devem prestar vassalagem. As mentiras oficiais propagadas pelo partido, versus as verdades oficiosas que toda a população reconhece. E mais, e mais, incluindo (certamente para me agradarem particularmente) incursões à Revolução Cultural e aos constrangimentos que provoca, décadas depois, na vida dos chineses.

Desta vez Qiu Xiaolong já nem finge continuar com o género policial. Chen foi empurrado para fora da polícia até as autoridades da cidade conseguirem consumar a sua desgraça. Porém, lá no meio das histórias dos arranjos familiares dos cadres corruptos e das suas concubinas não oficiais, vai-se assistindo ao aparecimento das peças do puzzle da queda de Bo Xilai, agora travestido de líder do partido de Shanghai. É correrem para a livraria online ou fazerem petições para traduzirem Qiu Xiaolong.

2. Gabriela Canavilhas, atualmente candidata a Cascais, é uma política socialista exemplar. Tem arrogância (daquela não proveniente de méritos próprios) em abundância e claramente não percebe patavina da maioria dos assuntos de que debita palavras. Não se lhe conhece uma pequena tecla de pensamento político próprio – de resto, o ideal para qualquer partido de esquerda, que prefere sempre as verdades coletivas. À vantagem socialista de ausência de originalidade e pensamento próprio, acrescenta uma devoção acrítica a todos os líderes que lhe acenaram e acenam com recompensa por tão esforçado seguidismo. Não duvido que, com tantas qualidades, está fadada para chegar a presidente do PS.

Ora Gabriela Canavilhas continua a usar o twitter, mesmo depois da sua tão transparente sugestão para a demissão de uma jornalista do Público que ousou não dar a verdade oficial do PS sobre uns números de participantes numa manifestação. Afinal, Canavilhas vem das artes e o pessoal de certas artes, além de com frequência vender o seu apoio político (pago com dinheiro dos contribuintes, via subsídios), é atreito a deixar-se usar na propaganda política.

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Mas, dizia, Canavilhas continua a usar o twitter. E, como boa socialista e propagandista, corre a fazer parte da corte socialista que pretende reescrever a história e apagar a culpa do PS no resgate internacional que nos foi imposto em 2011. Vejam bem que afinal, segundo a douta ex-ministra de Sócrates, a falta de liquidez de 2011 – que nos colocou perante a impossibilidade de pagar simultaneamente salários e pensões e os compromissos internacionais da dívida pública – não pode ser considerada uma bancarrota. É uma mera falta de liquidez, e alguma vez algum dia alguém se viu em apuros por mera falta de liquidez? Até se toma de amores pela contabilidade.

Politicamente, os seus argumentos querem dizer que enquanto não tivermos de vender o Mosteiro de Alcobaça, o Paço de Alcáçovas e a exploração da zona económica exclusiva do mar português (que são contabilisticamente ativos do país) para pagar as dívidas do Estado, está tudo bem para Canavilhas, estamos na melhor saúde financeira, é continuar a gastar, não estamos falidos. Se propagandisticamente dermos nomes inócuos a realidades trágicas, podemos sempre tentar reescrever a história.

Sabem que mais? O livro do ponto 1 também explica um poucochinho do PS.

3. Na semana passada, num supermercado perto da costa vicentina, dei de caras com um dress code à porta. Não permitia a entrada de pessoas descalças nem em tronco nu. Em sua casa cada um determina as regras. Ontem, noutra zona da Europa, jantei num restaurante que também tinha dress code: homens e rapazes não podem lá entrar de chinelos e calções. Tudo isto mais ou menos ao mesmo tempo que surgiram as notícias da proibição de duas inglesas usarem burquinis numa piscina de um hotel algarvio.

Não se sabe se existiu proibição ou não – os hoteleiros do Algarve aparentemente negaram e quase declararam amor eterno aos burquinis – mas eu, reacionária como de costume (ou o que se costumava chamar sensata), declaro aqui a minha solidariedade pelo hotel que alegadamente proibiu. Numa propriedade privada a decisão cabe ao proprietário. É comum em hotéis haver disposições que proibam a circulação só em calções ou biquini ou fato de banho fora das zonas de piscina e praia. Também não é usual permitir-se topless ou nudismo nas piscinas dos hotéis. Parece-me, então, muito adequado ao nosso país que a gestão de um hotel, se assim o entender, determine que numa piscina não se usam burquinis, fatos de surf ou escafandros. Quem não gosta, escolhe um hotel que permita tudo isto.

Estou de férias, não tenho tido muito tempo para acompanhar as indignações diárias. Mas se alguém achou um atentado xenófobo a proibição dos burquinis em piscinas privadas, sugiro que rume à costa vicentina. Por lá o direito humano fundamental de fazer compras no supermercado – atente-se que são bens de primeira necessidade – mostrando os abdominais e peitorais bem definidos (ou mal) está a ser espezinhado. Às armas.