Por estes dias, Cavaco Silva enfrenta a mais difícil decisão dos seus dois mandatos como Presidente da República. Na comunicação ao país sobre a indigitação do primeiro-ministro realizada no passado dia 22 de Outubro o Presidente da República exprimiu a sua análise da situação política de forma clara:

“Se o Governo formado pela coligação vencedora pode não assegurar inteiramente a estabilidade política de que o País precisa, considero serem muito mais graves as consequências financeiras, económicas e sociais de uma alternativa claramente inconsistente sugerida por outras forças políticas. Aliás, é significativo que não tenham sido apresentadas, por essas forças políticas, garantias de uma solução alternativa estável, duradoura e credível.”

Na mesma comunicação, Cavaco Silva foi também claro ao considerar imprescindível uma solução governativa que dê “garantias firmes de que respeitará os compromissos internacionais historicamente assumidos pelo Estado português”. As posições assumidas por Cavaco Silva estão alinhadas com a insistência presidencial ao longo dos últimos anos num entendimento alargado no “arco da governação” (conceito entretanto liminarmente rejeitado por António Costa).

É hoje razoavelmente evidente que esta insistência não produziu os resultados esperados por Cavaco Silva e, possivelmente, favoreceu até o cenário com que o país agora está confrontado. Mas mais do que discutir culpas e responsabilidades, importa neste momento olhar para o futuro com a calma e a ponderação possíveis. Qual deverá ser a conduta do Presidente da República face ao “acordo” apresentado por António Costa?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O primeiro passo é reconhecer que, na verdade, não há nenhum “acordo” propriamente dito, além da coligação puramente negativa que se formou para derrubar o governo liderado por Pedro Passos Coelho. Como bem salientou Luís Aguiar-Conraria, a própria evidência documental comprova essa mesma ausência de acordo, com a palavra “acordo” a aparecer apenas para deixar bem claro que… não há acordo: “O PS e o PCP reconhecem as maiores exigências de identificação política que um acordo sobre um Governo e um Programa de Governo colocava.”

Mais grave ainda é a ausência de referência nos três textos assinados por António Costa com as lideranças de BE, PEV e PCP a qualquer compromisso com as obrigações estipuladas no Tratado Orçamental europeu a que Portugal se encontra vinculado. Não há qualquer garantia de estabilidade orçamental nem sequer um sinal mínimo de credibilidade para o exterior.

Pelo contrário, a líder bloquista Catarina Martins teve já o cuidado de vir reafirmar em tom estridente que não aceita o Tratado Orçamental aproveitando para criticar duramente posições assumidas internacionalmente por Mário Centeno, apontado como provável Ministro das Finanças do governo que António Costa quer constituir com sustentação parlamentar da extrema-esquerda. Para não lhe ficar atrás, o secretário-geral do PCP Jerónimo de Sousa não garante apoio sequer ao primeiro Orçamento de Estado apresentado por um hipotético governo liderado por António Costa. Isto ao mesmo tempo que o PCP avança com uma verdadeira avalanche de diplomas para pressionar o PS.

Em resumo, nenhuma das condições explicitamente colocadas pelo Presidente da República se encontra satisfeita. Se Cavaco Silva indigitar António Costa primeiro-ninistro com base nos três não-acordos celebrados pelo PS com a extrema-esquerda terminará o seu segundo mandato negando a própria razão de ser da Presidência num sistema semi-presidencial. Chegados a este ponto, o Presidente da República deve necessariamente exigir garantias adicionais ao PS e fazer depender a sua decisão final da resposta que lhe venha a ser dada.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa