Com esta frase dita em inglês na sua derradeira intervenção, Carlos Moedas sublinhou uma atitude de cooperação com os eurodeputados que será a sua atitude permanente como Comissário europeu. Pode dizer-se sem grande receio de errar que a sua audição perante os deputados da comissão do PE da Indústria, Investigação e Energia presidida pelo antigo Presidente do PE Jerzy Buzek, e que integra os portugueses Carlos Zorrinho, João Ferreira e Marisa Matias, foi um sucesso. Krišjānis Kariņš, deputado europeu, tweetou: “I would summarize the Moedas hearing by saying that he is the right person for the job. (https://twitter.com/krisjaniskarins”>)”. A pessoa certa para o lugar. Ponto final.
Moedas mereceu mesmo aquela que foi até agora a única ovação espontânea das audições (já houve seis), quando Moedas professou fé na União Europeia ; no final recebeu igualmente uma significativa salva de palmas. Mostrou-se bem preparado para os aspectos técnicos do pelouro mas foi a sua dimensão humana como antigo estudante Erasmus que o Presidente Buzek quis sublinhar ao encerrar a audição: “Isto quer dizer que o nosso trabalho está feito e é concreto”. Destaque para as suas 3 prioridades num sector de tanta importância para a Europa: criação de condições de enquadramento (framework) para a ligação investigação-indústria; implementação (palavra repetida 3 vezes consecutivas), isto é concretização dos programas e agendas (do Horizonte 2020); importância da cadeia que liga investigação/inovação puras ao produto final, hoje muito maior do que há décadas. As questões ligadas à governação da austeridade, de que vinha sendo acusado, foram resolvidas sem problemas de maior (e até disse que, por vezes, discordava da troika).
Tudo indica pois que Carlos Moedas será o nosso homem em Bruxelas, contrariando algumas previsões (incluindo a minha, neste jornal). Porquê? Em primeiro lugar, sem dúvida, a sua impecável preparação (“estudou bem os dossiers”, comentou um deputado a certa altura) e por falar perfeitamente 4 línguas; depois porque o pelouro, de enorme importância, não convoca o risco que teriam funções mais proeminentes ou políticas como o emprego, economia ou fundos estruturais. Além disso, e isto é relevante, há um grupo de 5 ou 6 comissários indigitados ameaçados de rejeição pela eurocâmara.
Importa perceber-se uma coisa: o Parlamento Europeu (PE), desde que tem o poder de influenciar a composição da Comissão Europeia – executivo da União, espécie de “governo” europeu -, nunca perdeu a oportunidade de o fazer. Não pode, é certo, rejeitar formalmente candidatos a comissários a título individual, mas pode “chumbá-lo(s)”, forçando o futuro Presidente a substituí-lo(s). Fê-lo em 2004 e 2009. Em 2004, Barroso – prestes a iniciar o primeiro mandato como Presidente – ainda tentou resistir, mas arrepiou caminho ao perceber que corria o risco de ver cair tudo “por água abaixo”, com o mais do que provável chumbo da sua Comissão como um todo. E lá teve de substituir Rocco Buttiglione, rejeitado pelos eurodeputados, por Franco Fratini.
Ora este Parlamento tem, depois do Tratado de Lisboa, poderes e legitimidade reforçados: o Presidente da Comissão que elegeu em Julho, responsável pela equipa apresentada – em conjunto com os Estados, claro -, foi o designado pelo grupo político mais votado, o PPE; Jean-Claude Juncker é, nesse sentido, uma “criatura” do PE (salvo seja, claro), e deve por isso acrescidos respeito e lealdade à instituição.
Estou por isso certo que, também desta vez, um ou mais candidatos (não mais de 2) serão rejeitados pelo PE. Convém lembrar que o poder dos parlamentos nas democracias ocidentais se alicerçou sobre o sangue de reis, bastando recordar Carlos Stuart, Iº de Inglaterra: perdida a guerra contra o poder do Parlamento defendido por Cromwell, perdeu também a cabeça, decapitado, em 1649, seguindo-se uma efémera república e o irreversível declínio do absolutismo monárquico. De certa forma, a rejeição de comissários acaba por ser uma espécie de momento cromwelliano da União Europeia.
Quem corre esse risco? Talvez o caso mais sério seja Alenka Bratušek, ex-primeira-ministra da Eslovénia, proposta para vice-Presidente com o pelouro da energia. 5 eurodeputados escreveram a Junckers dizendo que a sua nomeação foi “anti-democrática”. Porquê? Simplesmente por ela, enquanto primeira-ministra, se ter auto-proposto para comissária, assunto que até já mereceu atenção da comissão para a prevenção da corrupção eslovena. Refere-se ainda a pouca experiência num sector muito estratégico e a oposição do actual governo esloveno. Dou-lhe 8 hipóteses em 10 de ser chumbada.
Segue-se o comissário irlandês indigitado, indicado para a agricultura e desenvolvimento rural. Enquanto ministro, Phil Hogan terá aprovado despesas pagas pela Irish Water que incluíam avultados pagamentos em consultoria externa; o líder do Sinn Fein, Gerry Adams, declarou publicamente que ele não devia ter sido designado comissário. No meu livro de apostas, 7 hipóteses em 10 de chumbo do senhor Hogan.
Miguel Arias Cañete, o espanhol proposto para acção climática e energia, é contestado por toda a oposição, que o acusa de responsabilidade nos problemas das renováveis. Pior, num debate televisivo para as eleições europeias na Antena 3 Cañete disse: “O debate entre um homem e uma mulher é complicado, pois se abusas da superioridade intelectual pareces um machista a assediar uma mulher indefesa”. Incompetente e machista (num Parlamento sensível às questões de género) são acusações que o colocam em posição privilegiada para ser chumbado; talvez 6 hipóteses em 10.
Outros casos: o inglês Jonathan Hill, com os serviços financeiros, antigo lobista do sector financeiro, será questionado pelos deputados à esquerda do espectro político sobre a sua “fé europeia” e passado político. Mas o apoio total do governo britânico torna a rejeição de Hill menos provável; 5 em 10, digamos. O húngaro Tibor Navracsics, proposto para a educação, cultura, juventude e cidadania, tem como problema… ser húngaro e designado por Viktor Orbán, cujo estilo de governação autocrático é contestado; 5 em 10. Finalmente ao maltês Karmenu Vella, com o ambiente e pescas, sobram questões sobre políticas ambientais do seu país, e acusações de evasão fiscal e corrupção aquando da sua pertença ao governo de Dom Mintoff; também 5 em 10. De todos eles, só o maltês já teve a sua audição.
Os restantes candidatos terão mais probabilidades de aprovação do que rejeição, mas nunca se sabe – depende das audições. Estas são duras e exigentes e os candidatos têm de manter a calma, responder com objectividade e demonstrar capacidade e conhecimento do pelouro que lhes será confiado. Durante três horas os candidatos são “grelhados” (expressão na moda a propósito das audições) e respondem a perguntas dos vários deputados da comissão respectiva sobre a sua competência geral, empenho europeu e conhecimento do tema.
P.S. As percentagens que atribuo aos diferentes comissários não são totalmente casuais; fiz uma análise das comissões que os vão ouvir e tentei perceber como votarão os diferentes grupos políticos em função das razões da oposição que lhes é feita. Não é um método científico, mas vale pelo esforço, espero eu (e sempre é ilustrativo). E depende das audições, claro.
Professor da Universidade Católica – Instituto de Estudos Políticos