Se Carlos Moedas é ou não uma boa escolha para Comissário europeu deixou já de ser a questão principal. Essa é agora a de saber que pelouro lhe será atribuído e, sobretudo, se ele ainda corre o risco de vir a ser um ex-futuro Comissário europeu.

Resumindo ao máximo, trata-se de analisar as probabilidades de Moedas ser rejeitado pelo Parlamento Europeu. Antecipando a minha resposta – que abaixo surge acompanhada da devida fundamentação – direi que tais probabilidades existem, não são fortes, mas não podem ser ignoradas. A Passos Coelho e Carlos Moedas, entre outros, recordo três nomes: Ernâni Lopes. Rocco Buttiglioni. Rumiana Jeleva.
Em 1985, o Presidente Jacques Delors desejava para primeiro Comissário europeu português o antigo Ministro das Finanças do Bloco Central, Ernâni Rodrigues Lopes. Delors terá até prometido ao primeiro-ministro Cavaco Silva que, se isso acontecesse, Portugal receberia uma pasta relevante, quiçá ligada às questões financeiras. Infelizmente, Ernâni Lopes, desgastado por anos de ausência do país e por funções de grande exigência e desgaste físico e intelectual, optou por não aceitar. Cardoso e Cunha, que o substituiu, recebeu o pelouro das pescas, muito longe de ser uma competência de primeira linha no executivo europeu.

Nas eleições europeias de 2004, exercendo os seus recentes poderes de inquirição dos candidatos propostos para Comissários europeus, o Parlamento Europeu chumbou Rocco Buttiglioni, proposto pela Itália. Responsável por declarações que os eurodeputados consideraram homofóbicas, foi impedido de se tornar Comissário para a Justiça e Liberdades Civis na primeira Comissão Barroso. O Parlamento assumia assim pela primeira vez e plenamente os poderes de aprovação do executivo da União, com avaliações específicas de cada candidato. Durão Barroso ainda resistiu, convencido de poder vencer o braço de ferro com os deputados, mas teve de render-se à evidência e cedeu perante a probabilidade do seu elenco ser rejeitado em bloco, vendo ainda posta em causa a sua própria posição.

Mas talvez o caso mais ilustrativo do risco que corre o candidato português seja o que sucedeu com a candidata búlgara Rumiana Jeleva em 2009. Proposta para a cooperação internacional e ajuda humanitária, foi a própria delegação socialista do seu país a questionar a sua capacidade e conhecimentos para a função. O então presidente do grupo Socialista europeu, Martin Schuz, alertou Durão Barroso… e este, desta vez, não se deu ao trabalho de resistir e pediu ao governo búlgaro que apresentasse uma alternativa a Jeleva. Assim aconteceu.

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Poderá isto suceder a Moedas? Vejamos as coincidências, circunstâncias agravantes e pontos mais fortes ou menos fracos da candidatura:

Na minha opinião, Carlos Moedas é competente – tenho dele boa opinião, conhecendo-o relativamente mal – e possui curriculum e experiência nacional e governativa. A sua experiência, contudo, é sobretudo económica. Poderia pensar-se que se lhe for dado um pelouro nesse domínio a sua posição sai reforçada… mas é pensar mal. A tendência será a que a exigência dos deputados suba tratando-se de competências relevantes. E nesse caso o peso específico de Moedas diminui: é “apenas” secretário de Estado num elenco cheio de ex-ministros e ex-primeiros ministros, sendo esta a sua primeira experiencia governativa; o trabalho que levou a cabo foi circunscrito, sem visibilidade fora do circuito das relações entre as instituições da “troika” e Portugal. Por paradoxal que seja, é talvez preferível que obtenha um pelouro de perfil mais baixo –não garantindo embora a aceitação por parte dos deputados.

E há circunstâncias agravantes relevantes: Maria João Rodrigues, que tem estado no centro da querela com Moedas nos últimos dias, é vice-Presidente do Grupo Socialista; terá provavelmente o apoio do Presidente do Parlamento, o já referido Martin Schulz, se questionar em sede do processo de audição as competências de Moedas (o que, suspeito, não deixará de fazer); dificilmente o nosso país contará com a benevolência do presidente indigitado da Comissão, Jean-Claude Junckers, ele próprio com dificuldade perante o Parlamento Europeu, ao qual deve a sua eleição, e despeitado por lhe ter sido recusada a sua escolha primeira (Maria Luís) ou, pelo menos, a indigitação de uma mulher. Mais de que saber se Moedas tem ou não curriculum, experiência e competência para a função, seja qual for o pelouro, interessa muito mais saber como se vão conjugar as vontades dos distintos actores no processo – deputados europeus, grupos políticos, Moedas, o futuro Presidente da Comissão…

Mas por favor não contem com benevolência, ou facilidades: para se ter uma ideia de como este processo está a ser encarado a sério pelo Parlamento Europeu basta lembrar que o seu Presidente expressou sérias dúvidas sobre a aceitabilidade do Comissário proposto pelo Reino Unido, Jonathan Hill, que classificou de anti-europeu. Disse Schulz que não há preconceitos contra Hill… desde que Hill não os tenha contra a União. A posição em relação a Moedas será apenas mais uma peça neste puzzle, sendo consideráveis os riscos da sua não aprovação.

Confesso-me surpreendido com a escolha de Carlos Moedas. Não por desgostar do homem e do governante, que estimo e aprecio; nem por razões partidárias, que não perfilho ou por qualquer embirração contra o governo. Faço-o por se ter perdido a oportunidade de escolher uma opção forte numa Europa de que tanto dependemos. A não escolha de uma mulher, ainda que possa compreender a dificuldade de deixar sair nesta altura a Ministra das Finanças, é um erro; Portugal teria ganho muito com isso.

Mas dando por boa a decisão: não havia mais ninguém, fora do governo? Que vício é este que torna todos os governos, nos últimos anos dos mandatos, como que autistas, incapazes de sair da zona de conforto onde militam os fiéis dos fiéis? Não há portugueses competentes, com experiência governativa e bons conhecimentos europeus? Sobretudo, não existem portuguesas com essas qualidades? Indiquei o nome de três há algumas semanas, qualquer uma delas seria uma boa escolha. Mas não: “vamos ao núcleo do núcleo duro do meu governo e escolhemos”, terá pensado Passos com os seus botões. Pois bem, fez mal.
Deus queira que o futuro próximo não me dê razão e que Moedas passe o teste do Parlamento Europeu. Isso não me fará mudar de opinião, mas ao menos escusamos de passar a figurar no rol de países com ex-futuros Comissários.

Professor da Católica Estudos Políticos