Do ponto de vista da chamada «direita», o balanço da presente crise política é uma desilusão completa. E começa logo pela linguagem política, que encostou por largo tempo o conjunto da anterior coligação governamental, bem como o Presidente da República cessante, ao termo pejorativo «direita», que em Portugal não goza de boa fama por motivos óbvios. Seja como for, ambos os partidos da coligação, PSD e CDS, revelaram-se totalmente incapazes de reagir perante o assalto ao poder do PS e parceiros. A Coligação bem agitou as suas legítimas expectativas como a mais votada, segundo a tradição institucionalizada desde as primeiras eleições legislativas democráticas (1976), mas ficou-se por aí.

Já a campanha eleitoral havia sido discreta, como se a Coligação quisesse passar despercebida. Ficou mesmo a impressão de que, se tivesse feito uma campanha mais vigorosa, capaz de se fazer ouvir acima do ruído de fundo anti-austeritário da comunicação social, poderia ter chegado à maioria absoluta e, com efeito, perdeu muito mais votos para a abstenção do que aqueles que a oposição ganhou. Basicamente, a Coligação não fez propaganda e muito menos se bateu pelas suas ideias. Contentou-se em recordar o esforço de ajustamento resultante do despesismo dos governos anteriores e esperou colher os benefícios da melhoria comparativa e, nalguns casos, absoluta dos indicadores da conjuntura económica, mas não teve coragem de assumir as mudanças feitas. Ao contrário do que o PSD chegou a fazer quando estava no governo, ninguém defendeu teórica e politicamente essas mudanças durante a campanha, com receio do preço que muitas delas obrigatoriamente custaram.

Na verdade, o que ficou à vista foi que o governo anterior era fraco. Fora das Finanças e parte da Economia (incluindo a Saúde), foi muito fraco. Pouco mais fez do que aquilo que a «troika» exigiu para fechar a sua intervenção e as únicas mudanças relevantes restringiram-se à economia, tipicamente as privatizações, que naquelas circunstâncias não podiam dar muito dinheiro. Os ganhos mais significativos foram feitos pelos privados no sector exportador. Em suma, foi como se o governo PSD+CDS tivesse dúvidas acerca da efectiva necessidade – para não falar das vantagens – da apregoada e nunca realizada «reforma do Estado». Ora, isso não podia mobilizar o eleitorado que se absteve.

Com efeito, perante o assalto da antiga oposição ao poder, a Coligação entregou-se de mãos juntas ao PR. E na Presidência, que só em 2013 se havia convencido a apoiar minimamente o governo, visto os donos do PS não estarem disponíveis para reconhecer as suas responsabilidades na bancarrota e constituir um «bloco central» com o PSD e o CDS, as coisas não podiam ter corrido pior. Toda a «direita», para falar desse modo, ignorou soberanamente os avisos feitos com duas semanas de antecedência, pelo menos, acerca da ameaça da «frente popular». Ora, a tomada do poder não era inevitável: o êxito de António Costa é o fracasso dos seus adversários.

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O PR e a Coligação refugiaram-se atrás de um biombo institucional que rapidamente deixou de esconder a vontade irresistível da «esquerda» para chegar ao poder através de uma tal «janela de oportunidade», com o novo parlamento impedido constitucionalmente de ser dissolvido durante seis meses. Tanto o PR como a Coligação deram provas fatais de falta dessa cultura histórica e política com a qual estão familiarizados todos os antigos adversários, simultaneamente, do regime ditatorial e do PREC, os quais constituem porventura a única base social sólida da democracia em Portugal. A «direita» foi de uma ingenuidade desarmante.

Cavaco Silva pediu ao PS compromissos que nunca lhe foram dados e, mesmo que tivessem sido, nada alterariam ao facto de a «frente popular» ter chegado ao poder… Esperaram, se calhar, que o futuro Presidente da República anunciado – um candidato que se sabia não ser o preferido da Coligação nem possivelmente dele, Cavaco – se comprometesse a dissolver o parlamento logo que possível, mas o conhecido «comentador de televisão» afastou logo as dores da «direita» a fim de garantir os votos que lhe faltam para a maioria absoluta mas que, se calhar, faltarão cada vez mais… No final, Cavaco Silva teve de se contentar com os «papeluchos da esquerda», pois aparentemente não surgiu ninguém capaz de aguentar o país em gestão durante meses… E vê-se obrigado a deixar Belém pela porta pequena, apesar de vinte anos de vida pública cheia de vitórias e êxitos.

O PR não podia ter perdido o tempo que perdeu. Sabendo aquilo que não podia ignorar, devia ter chamado imediatamente os líderes da Coligação e do PS, juntos, a fim de os obrigar a respeitar a tradição institucional com ou sem a presença do PS no futuro governo ou, em alternativa, com a proposta imediata de um «gabinete» com figuras da «direita» e da «esquerda» até novas eleições dali a seis meses. E no dia seguinte convocava o Conselho de Estado, o qual, nessa altura da crise, com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa, seguramente lhe daria um parecer no sentido de excluir a «frente popular» das hipóteses de governo… Agora, tudo isso foi adiado para as calendas, se o esforço do ajustamento feito pela Coligação não for desbaratado de vez.