As questões europeias parecem interessar cada vez menos os portugueses. Mas é a Europa, através daquilo que fizermos por cá, que vai determinar o destino de Portugal. Teremos de escolher, com profunda consciência, as consequências de estar ou não no euro. Antes de, repentinamente, acordarmos para uma realidade que julgaríamos impossível. A de serem os outros a dizerem-nos que não podemos lá estar, no euro.

A política económica e financeira que seguirmos é determinante para esse nosso futuro. Pouco importa dizer que cumprimos o valor exacto do défice público exigido por Bruxelas, se continuarmos a adoptar medidas ou até apenas discursos que põem em causa a confiança dos investidores no país. Portugal precisa de capital. Quanto mais capital entrar no país mais fácil será aliviar o peso da dívida que se acumulou.

A questão é séria mas parece estar a ser olhada com leviandade por alguns poderes políticos. Há toda uma nova geração que viveu sempre numa Europa sem fronteiras, estudou no estrangeiro com os programas Erasmus, viaja como nunca nenhuma outra, escolhe onde quer trabalhar mesmo que não o seja por opção própria. É com perplexidade que vemos algumas franjas dessa mesma geração desafiar uma realidade que fez de Portugal um país mais integrado no mundo.

Dizer que Portugal não deveria ter entrado no euro é uma coisa, actuar como se quiséssemos abandonar a moeda única é outra completamente diferente. Admitamos que foi um erro ter entrado na moeda única em 1999 – mesmo que se discorde completamente dessa tese. Esse “erro” nunca será corrigido com a saída de Portugal da União Monetária. Pelo contrário.

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Imagine-se por momentos o que seria Portugal sem o euro. Até é fácil. Basta pensar na Argentina. Aquilo que hoje vemos como uma insuportável estagnação é um autêntico paraíso quando comparado com a recessão que iríamos enfrentar e a degradação da nossa qualidade de vida em todas as frentes, do social ao cultural.

Há ainda quem se lembre de um tempo em que Portugal era um bairro fechado sobre si próprio, dominado por um grupo de famílias. Não foi apenas no Estado Novo, foi assim também os primeiros anos do pós-25 de Abril de 1974. Um tempo em que se tinha de registar no passaporte o dinheiro que se levava para o estrangeiro porque não se podia ultrapassar um determinado montante anual. Não existia liberdade de circulação de pessoas nem de capital.

A deputada Mariana Mortágua, que marcou tanto a actualidade dos últimos dias com a sua intervenção num encontro no PS, faz parte da geração que não conheceu esse tempo. Conheceu, com certeza, outros tempos, também de dificuldades, como a maioria dos portugueses. Mas teve acesso a um mundo aberto, sem fronteiras que não esteve ao alcance da geração anterior à sua.

Mantidas as devidas distâncias, porque é incomparável o horror, no centro da Europa também está a desaparecer uma geração com memória vivida do que é a guerra. A morte da geração que viveu os horrores da guerra é, como sabemos, uma das razões apontada para a falta de entusiasmo com o projecto europeu que se verifica nos países do centro da Europa. E que é bastante mais grave do que as dúvidas que, por aqui, assistimos em relação à globalização da economia e à financiarização do mundo.

Talvez esteja aqui, nesta passagem de geração, a principal explicação para o tempo histórico de divisões que a União Europeia vive. Entre o Norte e o Sul por causa das escolhas para a política económica, entre o leste e o oeste por causa das migrações. Talvez a Alemanha esteja sempre no centro destas divisões, por ser o país onde nem a mudança de geração consegue apagar o que foi o passado europeu, pelo papel que teve nele.

A saída do Reino Unido da União pode ser vista como o primeiro sinal de uma nova dinâmica que todos adivinhávamos, por aquilo que nos ensina a História. Quebrou-se, com os britânicos, o sonho de uma União inseparável, que desde 2004 nos prometeu o alargamento e o aprofundamento, depois de o euro nos ter iludido com o financiamento sem limites.

A Grécia, temos de ter consciência disso, só não saiu do euro por razões geopolíticas. Hoje as lideranças europeias, com maior consciência das ameaças que temos pela frente, só podem estar a lamentar por não ter lutado também com mais afinco pela entrada da Turquia na União Europeia. A imperial Rússia já despertou, e história da Europa regressa. E nunca como hoje a Europa ocidental, a Europa das liberdades sociais, económicas e financeiras, precisou de estar tão unida.

Portugal tem de estar nessa Europa, tem de mostrar que faz falta a esta nova União que enfrenta novos desafios. Não pode nem deve transformar-se em mais um problema, porque o “nosso problema” pode ficar, mesmo, apenas “nosso”. É enorme a tentação e sobretudo a necessidade de ter uma Europa totalmente unida e forte para assim vencer o cerco a que está a ser submetida.

Não troquemos meia dúzia de tostões e ambições individuais de poder pela nossa condenação ao isolamento, à “albanização”, ao empobrecimento, a uma insuportável desigualdade muito mais grave do que aquela que hoje vivemos.

A Grécia não pode sair do euro com a Rússia ali tão perto. A nós podem deixar-nos sair e até convidar-nos a abandonar o euro. Seria o regresso ao fascismo, ao Estado Novo, com novas roupagens, mas era a esse país, antes de 1974, que regressaríamos. É isso que queremos?